Muitas já
foram as histórias de palhaços apaixonados. Aqueles que já sem a maquiagem vão
à porta do circo esperar a amada, que passa lotada dizendo “que palhaço idiota”.
E assim nasceu a lágrima desenhada junto à tinta colorida de um rosto que
preferirá sempre esconder a dor.
Eu não
espero que você me ame. Pra ser sincero, nem que você ria. Tentei ser mágico só
pra poder usar smoking preto, mas o coelho da cartola mordeu meu dedo e riram
de mim do mesmo jeito. Tentei acrobacias no ar, caí na rede e depois, de ricochete,
no chão de pó de serra. Até o leão nem se moveu quando fui eu o domador.
A dor do
palhaço ninguém vê – afinal, a ideia é ver só alegria mesmo. Pobre palhaço, não
pode nem se apaixonar! Fora do circo anda de bar em bar, ainda colorido,
descolando um trago aqui outro ali, até cair embriagado na sarjeta e crianças chutarem seu
traseiro de manhã. Hora de ser sombra.
Minhas
rugas não somem mais com a maquiagem. Agora nem minha dor. Meu número no picadeiro
mudou – uma tragicomédia que ninguém entende. Ninguém mais ri. Enfadonho espetáculo,
eu me equilibro nos minutos e meu olhar vago denuncia a falta de saco de fazer
criança rir.
É quando vê
o milésimo amor da sua vida lhe sorrindo. Pula, sacoleja, cambalhota, grita. As
risadas reaparecem. Ele é o palhaço do cartaz novamente! Vem a sirene, o balde
de água na cara, deveria acordar do devaneio incontrolável, mas algo de arte
ainda o move. Ou seria amor?
Eu te amo,
você não vê nestes olhos? Não, volte pra trás, ainda tenho truques pra te
conquistar. Quem é esse rapaz loirinho do seu lado? Porque você tá de mãozinha agarrada
com ele? E esse beijo, não era pra ser meu? Volte, mata essa bicha louca do
caralho e vem que a gente foge com o alazão do circo!... Sua puta!...
Muitas já
foram as histórias de palhaços apaixonados. Poucas aquelas que deram certo. De volta
ao camarim de terceira grandeza, dois por dois, um balde d’água e um espelho
trincado, já nem mais chora as desilusões de cada noite. O dono do circo lhe dá
a mixaria da quinzena e mais uma bronca: “um espetáculo mais esquisito que o
outro. Se endireita, seu palhaço velho!”
Eu sou um
velho palhaço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário