sábado, 30 de maio de 2020

Poesia está de mal


Letras fogem
relegadas demais
ao ganha-pão.

Elas precisam
é de mais romance
e menos chantili.

Elas cantam na tua harmonia.
Mas se afinas demais a voz
perdem a graça da simplicidade.

Voam com tucanos ou urubus.
Mas se insistes só fotografar
caem bicho empalhado pra prêmio.

Sussurram sonolentas,
mas ávidas à madrugada!
Se dormes, elas roncam.

Elas tilintam nos cristais polidos.
Mas se bebes num gole
viram putas velhas das esquinas.

Elas têm gosto de batom no beijo.
Drops de cereja. Cerveja quente
se te embriagas tão facilmente.

Brilham nas palavras brancas do sorriso,
elas declamam a poesia entre os dentes.
Não mastigue – são hóstia de santificar.

Dá-lhes, então, atenção.
Não as faça apenas palavras
de uma simples profissão.

CRiga.


sexta-feira, 29 de maio de 2020

Todo o céu para você


Menina distraída não viu o cometa.
Cometeu o erro de procurar felicidade
na esquina onde a alma curta
só foge da simplicidade.

A paz era apenas um só anel de Saturno.
Não precisava esperar rubi presente
do namorado que faltou ao encontro.

A lua cheia sorriu cheia de esperar
a busca pouca nem que fosse
romance de novela –
aquele tão fora do alcance dela.

Carnaval de astros e estrelas,
mas ela só via um menino nunca chegar.
Insistia no dia moribundo
da cidade que não sabe ser grande.

Grandes são os olhos de quem sonha.
Quem inventa no zodíaco borrado
uma história inspirada
em querer amar de novo.

CRiga.


quinta-feira, 28 de maio de 2020

Corda bamba


Às vezes a vida é dura, pendura uma peça.
Quem tem pressa
também tem preço.

O cigarro aceso, o arco teso
esperando a fácil presa.

A farsa e o farsante
o sangue
o corante.

Às vezes a gente corre
morre dormindo
sonhando com vida melhor.

Quem tem preço tem pressa
porque a farsa cessa
o sangue cora
e o farsante chora.

Às vezes a vida corre
fácil feito correnteza.
Leva a certeza no curso
de que escura só a noite
que inspira e vence o medo.

Quem tem pressa também tem medo
porque a farsa cessa.
E no final quem tem preço
é quem tem mais medo
de não conseguir chegar.

Quem tem pressa e preço
um cigarro feito pra queimar
um arco feito pra matar.

Uma farsa feita verdade universal
caída estirada
num simples ponto final.

CRiga.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Cicatriz que arde


Me dá medo sozinho na noite
sabendo que posso ser chamado,
notado.

Repreendido. Xingado.

A pedir-me atenção.

A lembrar-me que eu nunca esqueça
que sempre dependerei de perdão.

CRiga.


Os noturnos


Os noturnos sabem bem
onde apertam todos os calos.

Alguns
simplesmente se calam.
Outros falam. E falam!
Ensaiando teorias.

Mas na madrugada serena
quase na primeira fornada de pão
sempre pedem perdão.

E com a mão acesa
incerta seta apontada no infinito,
também pedem sem maldade
a santa saideira da saudade.

Para Carlão

CRiga.


terça-feira, 26 de maio de 2020

O seu outro lado


Foi num carnaval.

Um papelzinho sob a língua –
não morda, é que nem hóstia!

Conhecer-se.
Descobrir-se.

Desnudar-se?

Conhecer-te.

CRiga.

Não há lugar ao sol nem ar condicionado


Segurança é insegura, camará.
Cai do galho, se machucar.
Vira os olhos na loucura.
Troca as pernas na correria.
Queima a língua com café.

Só não fica feito paxá fora de moda.
Buda que cumprimenta com o dorso da mão.
Dono de verdades convenientes.
Vem que cem te esperam na fila.
Alguns dando risada. Outros estendendo a mão.

Não importa. Trono é coisa de rei gordo.
Agarra os papéis que te oferecem.
O bobo da corte tem sorte.
Morte é certa pra quem quer pena.

CRiga.


segunda-feira, 25 de maio de 2020

Corretor automático (amor de rede social)


Precisa prestar
postar
a voz
não tem agudo
acentua e consente
amôr
como antigamente.

Não presta
é poste
faca muda
bem pontiaguda
erra e desconcerta
o amor
declaração de computador.

CRiga.


sábado, 23 de maio de 2020

sexta-feira, 22 de maio de 2020

A busca


Nos supermercados
te procuro entre os corredores.
No rock and roll
o show tem muitos rostos teus.
Pelas ruas, encruzilhadas
edifícios frios, albergues,
onde você está?

Meu coração já sabe teu nome
mas a boca não pronuncia.
Cala o passo alado levantando poeira
deixando só o cheiro de rosa
ou jasmim de casa eterna.

Te segui cordões umbilicais
duvidando que tinhas nascido.
O tango aprendi a dançar
pensando seres a diva de um cabaré.

Deixei o cabelo crescer
porque os hippies ainda andam por aí.
Deixei muito cedo o lar dos pais queridos
com um az e um rei de ouros
mas nunca ganhei o jogo.

Meu coração saiu sabendo
que caminho prosseguir,
tropecei na pedra que você atirou
de longe longe, amor,
e te vi virando a esquina
deixando um rastro de gasolina.

Ainda te procuro galerias e museus,
lugares frios, longe longe,
até te encontrar, até cansar
até a morte de fato nos separar.

CRiga.


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Engula a vida!


Pode ser caco de vidro -
diamante sofrido
ou copo americano.

Importante é engolir
com a alma do garimpeiro que agradece
a pepita do dia.

Nunca com o desespero
do alcoólatra no balcão de um bar.

CRiga.


quarta-feira, 20 de maio de 2020

Paulistano


A história sempre resiste
diante do poético cinza da tarde.

São raízes que tomam o calçadão
no coração do centro da cidade.

CRiga.

A espera


Impossível agora
contar-lhes belas histórias...

São apenas casacos distribuídos
nas costas das cadeiras vazias
de uma sala de jantar.

CRiga.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Faro


Não se engane com o perfume.

Há mulheres cuja graça tem a pele
dos poros mais originais.

Não há franceses nem milagres
que inventem a verdade.

CRiga.


segunda-feira, 18 de maio de 2020

Migalhas


A questão nem é contentar-se
ou não
com o pouco.

Para quem tem nada
a metade é o dobro.

Louco é quem para no tempo da certeza
enquanto o Tempo atualiza os sinônimos.

CRiga.

domingo, 17 de maio de 2020

Incondicional


Posso fazer um filho teu?

Posso te dar
o meu muito mais?

Posso te inventar um perdão?

Posso ser alguém
além de eu ser só você?

Posso amar alguém
que não seja só você?

CRiga.

sábado, 16 de maio de 2020

Continuar


Na engrenagem do dia a dia
o dente da corrente encaixada
faz sangrar o buraco no meio da planta dos pés 
descalços
calejados
e cansados.

CRiga.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Promessas de para sempre


Se quiseres tomar pra ti
a face da terra que prometi,
verás minhas pegadas eternas num rastro
que te procuraram pelos campos mais altos da esperança.

Porque quando parti te deixando uma promessa
a pressa era voltar um dia a ser feliz.
Havia caminhos opostos, encruzilhadas
malfeitores, armadilhas e até amores.

Mas no cedro mais antigo havia o sinal dos tempos,
a mensagem que machucou a madeira e nos marcou:
nós vamos um dia nos reencontrar.

Até lá, nem valem atalhos nem trincheiras.
O caminho em meio à mata, rosas e espinhos –
hei de carregar o buquê de antigamente
sangrar os dedos numa nova poesia.

CRiga.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Os peixes de nosso aquário


Trocamos textos na rede,
os peixes de nosso aquário.

Peixes verdes de esperança
de trocar as peles numa cama
sob o mar e o gosto
do sal suor em nosso rosto.

Peixes azuis lembrando o céu
da nossa rompida e velha infância
sob a rígida vigilância dos adultos
que não leram Caio Fernando Abreu.

Peixes neon boiando ébrios no ar
na nossa noite tão belamente negra
matando cerveja de bar em bar.

Ops!

Nossos peixes já não bebem mais...

CRiga.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Índia


Rondei capitanias procurando teu vestido
entre bananeiras, seringueiras
nas casas dos índios confusos
cafusos.

Oh, meu amor,
onde foi parar teu corpo
sem o vestido chita que te dei
que tirei?...

Da intriga das terras fundei tua capital
nas matas virgens negras
onde não fulguras mais.

Doce cacau, flor de cactos
desmontei a nau
desmenti rumores
e voltei.

De teu sobrara somente
semente na mata verde
donde brotou o amor que fizemos
à relva molhada de um país tropical.

Odiei meu capitão
meu sol, meu destino.
Escrevi com meu sangue
teu nome na mata triste
que era virgem
agora é morta.

E fui embora
mundo afora
sem rumo
nem mais idioma.

CRiga.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Chave mestra


Dê duas voltas na chave,
assim dá tempo
de pensar mais uma vez.

No que dizer, que sorriso dar,
porque felicidade é sempre
a gente se encontrar.

Felicidade não mente,
é doente só de resfriado.
Saúde, meu bem,
há um gole ainda do vinho francês
e uma nova versão de Ne Me Quitte Pas.

Abra a porta, o sorriso,
só não denuncie logo de cara
o que de cara você queria dizer.

Tranque a tramela se mais romântico for.
Trame com ela um pecado pra mais tarde
e depois goze
com a cara do Senhor Chaveiro.

Pra que tanta chave
de buscar felicidade?

CRiga.


sexta-feira, 8 de maio de 2020

Gesto ateu


Levantar as mãos aos céus
num gesto de agradecimento
apesar do frio
e da quarentena.

Agradecer ao lindo sol
e ao céu azul
sem querer ofender

Ninguém.

CRiga.

Sede ao pote


Gritantes flores amarelas
não combinam, enjoam os sentidos.

Muito olho no olho
cerca demais a liberdade do coração.

Quando a falta do perdão vai caindo
sonolento,
baixe o volume da canção.

Não queira ser o umbigo do mundo,
no fundo há teu espaço
só não queira tomar de assalto.

Seja lá o que for
seja mais que a sede
mais que a fome de amor.

CRiga.


quinta-feira, 7 de maio de 2020

"Por favor, compareça ao RH..."


Na encruzilhada a cruz
o último apaga a luz.

Jesus sorri para os ateus
e diz: Deus não existiu.

Deus não resistiu.
E Jesus?

Fazia serão no apocalipse
funcionário do RH.

CRiga.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Retórica operária


É o ponto que mesmo o ateu
dá graças a Deus
por ter um prego pra martelar.

Teme até ser castigado,
pecado reclamar.

CRiga.

terça-feira, 5 de maio de 2020

O missivista da garrafa perdida


Meu antigo amor,
minha amiga, meu sonho que passou,
recheado e enfeitado
com tudo o que aprendi.

Nada aprendi!

Minha doce impressão
de amor abandonado na esquina –
por que só quando a gente envelhece,
sonhos resolvem nos corroer
e os olhos aceitam o perdão?

Não me reencontrei.

E perdi a ideia de quem és,
perdi rumos e rumores,
um cabelo feito pra reconquistar
e uma juventude toda pela frente
só pra recomeçar.

Minha cara, meu segundo rosto,
te escrevo o sangue inútil
deste cansado coração sem mais letras.
Aguardo novas notícias tuas
num selo carimbado de ilusão.

Triste coleção.

CRiga.


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Amor de ficção


Entregou as flores de um amor perfeito,
ela preferia uma caixa de bombom.

Precisava falar sobre amor,
ela sobre o fim da novela das oito.

Entregou finalmente os pontos,
a voz já lhe faltava tanto.

Comeu o travesso chocolate
recheado de ácido sulfúrico –
virou a linda vilã agora morta
no melhor e último capítulo.

Amor de verdade
é que tem dessas coisas, meu bem –
rosas vermelhas num buquê
e sangue no plantão da Globo.

CRiga.


domingo, 3 de maio de 2020

sábado, 2 de maio de 2020

Distanciamento feudal


Hoje durante a guerra me deu vontade
retornar às minhas terras
abraçar beijar apertar
dois lindos príncipes de meu castelo.

Mas o fantasma do vírus
que invadiu reinos do mundo inteiro
colocou entre e gente
o grande portão da fortaleza.

A gente agora chora nessa guerra...

Mas nunca será pior que a dor
de perder alguém levado por ela.

CRiga.


Faith and cofee


Enquanto houver a gente que acredita
pode ser fé ou café –
a manhã sempre será a vida
esta, que te acontece.

CRiga.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Futilidade


O alimento no cateter de caráter fraco
são os likes de rede social.

"Super legal", e tão banal.

A religião é o culto da personalidade incauta
falsa boneca de porcelana
na selfie cínica narcisa.

Super facial, superficial.

Nos comentários destila o que um destilado estragado
faz ao playboyzinho de baladinha:
burrices, burrices, burrices...

Só superlativos, relinchos disfarçados.

A moda é ser tão fútil quanto a sacola
ecologicamente correta do supermercado
que carrega o papel higiênico usado.

CRiga.