sexta-feira, 29 de março de 2019

Apenas tristeza


Fisgadas nas já pesadas asas molhadas,
o oceano negro louco tenta te engolir
no voo contra o vento-tempestade.

Pangaré casmurro, o coração
cavalga um pulso manco
sobre as geleiras de um apocalipse.

Araponga louca que chora alto
no corredor vazio da cabeça bigorna,
a testa suada se arrasta no asfalto.

Falta a chuva de afagar a alma,
o abrigo implodiu, o sapato furou.

Aí vem o outono
seu bafo seco gelado
faca cortando rostos na noite
e um nada de bom pra sentir no dia.

CRiga.


quinta-feira, 28 de março de 2019

Sobre novos cafetões e velhas putas


De um lado um velho tubo de ensaio
com adaptada receita que cheira a totalitarismo:
desenhar nos contra-gabinetes o desgoverno
marketear simplicidade e até burrice nas redes sociais
e com “justificativa” e celebração ao Golpe
parece querer mandar capachos de farda
fechar de assalto o Congresso Nacional
(já que não tem competência para governar).

Do outro a velha política do toma-lá-dá-cá
do engravatado e nojento parlamento –
foda-se Brasil e brasileiros,
na manutenção do nosso poder imundo
queremos a nossa sempre combinada fatia.

Que me desculpem as putas e os cafetões –
como dar lirismo a tanta putaria neste país?

CRiga.



quarta-feira, 27 de março de 2019

Uma metáfora chamada Brasil


Eu ando assim como um Brasil,
e você sabe como anda o Brasil.
Parece um bêbado discursando pra ninguém na praça
pendendo pelos lados, ele não cai
e não sai desse caminho torto.

Eu ando assim fazendo metáforas
porque luto pouco pelo Brasil.
Só louco mesmo pegar o pau da bandeira
pra com violência afiar a vaidade numa rede social.

O Brasil é grande demais, não cabe na metáfora
nem apenas em rede social.
Eu sou só a pena que boia escrevendo socorro
no céu cinzento, zangado,
que se chora molha o asfalto me dando carinho
mas alaga a casa do meu vizinho.

O problema é nosso.
Quem vai largar o pau da bandeira
e apenas estender a mão?

CRiga.



segunda-feira, 25 de março de 2019

Sweet dream



Passei então a ver-te todos os dias
em todos os olhares, lugares
e pensamentos indecentes,
depois que acendeste em mim a juventude quase morta
num beijo adolescente.

Vi você nova colega de trabalho
uma amiga de uma amiga
uma atendente de papelaria
estudante de psicologia
ninfa sorrindo do canto da festa
mas este ano não pulei o mesmo carnaval.

Vi minha juventude dar lugar aos dias de semana
os dias que você ama matar, sedenta,
andando muito lenta pela praça sem graça
fingindo procurar alguém firme pra ficar.

E eu morri de velhice precoce,
de tosse e de frio
em pleno verão ardente.
Morri de tudo o que você possa imaginar.

Só não morri na hora de acordar de novo
ligar o carro quebrado de pneu furado
acelerando, insistindo não te matar
um pouquinho que fosse,
até o apito da fábrica de velhos
começar a me chamar.

CRiga.



domingo, 24 de março de 2019

Essa história de envelhecência e de roqueiros inveterados

Pureza

Quero chegar ao ponto em que minha irmã me chamava de besta com um sorriso brilhante de cumplicidade.

O amor no volume

Estes roqueiros inveterados metem todos na sua história, e aparecem aquelas que se renovam e se reinventam naquela mesma porra de solo da guitarra! Só não me recrimine então pelo volume alto demais, era só pra te provocar...

Na foto ela agarrava minha perna

Quando comigo tinha coisa errada e você olhava, eu dizia vá cuidar da sua vida! E você jogava de volta linda matreira, na cara, com ternura: tou cuidando!...

Campos do Jordão

Na verdade a gente resolve um lance viajando junto. Lembra quando você sorriu naquela fotografia de mesa de café, pouco tempo depois do vovozão morrer?

Consideração de ortografia

E eu nem sei se o AMIGO que NÃO devolveu aquele meu Livro tá no grupo do “WhatsApp”...

Rancorzinho de temperar relacionamento

Então você não vem? Tudo bem...

Tenho certeza que você nunca esperaria essa minha tão simplória e santa e verdadeira e indecifrável resposta...  

Me perdoa

Eu sou assim.
Não sei onde você está,
mas tento imaginar.

A gente pode mesmo nunca mais se encontrar.

Mas um roqueiro inveterado inventa história
só pra você voltar
só pra você contar diferente.

CRiga.



sábado, 23 de março de 2019

Sem gosto


Não há mais rosto, onde fui parar?
Não tenho grana pra comprar amor
mas amor está escasso
feito água e eletricidade.

Não há choque, talvez a arte distante.
A gente que é assim meio besta
sentimental,
precisa de uma música
um filme e uma lembrança.

Não há nem dureza no olhar
e quem olha e sorri
não sorri nem olha pra mim.

Sorri apenas a um sem rosto,
que necessita só manter
os ares de bom moço.

CRiga.


quinta-feira, 21 de março de 2019

Desejo


A entrega acaba
na morte dos sentidos.

A carne que ferve queima miolos.

Um sorriso de canto, “com licença”.
O perfume tão vivo que te encrusta,
te cimenta no banco duro da solidão.

Calafrios nas ligações elétricas.
Na pele tapete de veludo
brotam doces carocinhos,
braile de explorar
o trigal esvoaçante.

Fogo na terra, raiz que não sossega!
Brota oceano salivando a fruta
que brilha vermelha, úmida,
distraída exposta na fruteira.

Não, mantenha oca a santidade...
Melhor viver assim pela metade
afogado em si em tanto sal de mar.

CRiga.



quarta-feira, 20 de março de 2019

Carpintaria


Melhor a ignorância santa
que canta aos redores das tragédias
que mente por ingenuidade
que sente medo de perder.

Que não pensa em futuro
que comete a bondade
na veia do desengano
sem saber por amor
desenganar.

Se for para o mundo sugar
e fazer renascer o bom,
o ignorante carpinteiro,
haverá um sol
uma varanda
e uma canção pra assobiar.

CRiga.



terça-feira, 19 de março de 2019

Uma vírgula no tempo

A cabeça ferve letras, letrinhas.
A louça grita na pia, intrigas.
E eu insisto, aumento a fervura
da panela de pressão das ideias
enquanto corro o teclado
à procura de trincheiras.

CRiga.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Namoro

(foto de Cauê Rigamonti, 18.03.2018, 
Parque Municipal Dom José, Barueri)

Procura-se alguém que diga:
“se você morrer, quero morrer também!”

Procuram-se mãos dadas
e sílabas caladas
num olhar de praça de domingo
sem ter o que fazer.

Procuram-se primeiras vezes
e desvios na rota do trabalho.
Entregar as rosas vermelhas
roubadas daquela vizinho
que fura a bola dos meninos.

Procura-se sabor morango
sorvete derretido
de tanto só olhar,
de tanto só falar de amor.

CRiga.



domingo, 17 de março de 2019

Bairro


Havia muitos quarteirões,
mas o trajeto automático da bicicleta
era sempre aquele quadrante exato
a rua exata, aquela casa.

Uma vez descemos a rua
mãos dadas, eu olhava pro asfalto.
Outro dia a consolei lá embaixo
dedinho machucado pelo rolimã.

Mas eu tive de mudar, tristeza,
atravessava bairros pra ver a menina.
E ela não sabia (ou fingia não saber)
por que tanto eu caminhava.

Um dia chamei a menina de “beleza”,
coisa de criança, correu atrás de mim.
Fui embora, vergonha, demorei pra voltar,
sofri as dores de moleque com saudades.

Paixão de infância falou mais alto
e voltei,
mas a casa vazia me esvaziou...
“Foi embora... pro Rio, parece...”,
disse uma amiguinha, olhos sem atenção.

Desde então cresci, vários amores.
Cresceram também as casas,
sobrados e edifícios.
Semáforos, contramão, buracos e desvios.
Tudo ficou difícil.
Tudo ficou proibido.

Estes dias passei por lá de carro,
e meu filho mal deu bola
à minha história de primeiro amor.

CRiga.



sábado, 16 de março de 2019

Ampulheta


Observo e desejo ondas
apenas ondas que vão e vêm.
E não percebo que a areia
praia da juventude
um dia acaba cedo demais.

CRiga.

sexta-feira, 15 de março de 2019

A pressa, a angústia


A pressa te deixa presa fácil.
O velhinho anda na calçada,
a criança brinca no parque.
Teu ritmo é teu, o mundo não gira
pra parar na tua urgência.

Certo dessa forma apenas
é o envelhecer mais cedo,
é a birra procurando bronca.
Tua pressa só vai te jogar mais rápido
na boca do pombo da praça,
no inferno da doce amarelinha.

CRiga.



quinta-feira, 14 de março de 2019

Psicanálise


Parece que sou mesmo assim, como todos. 
Não veem a dois palmos do nariz
um em cada direção.

Eles têm seus erros
têm até seus podres, quem não?
Não é questão de perdoar
é questão de não amar.

Agora parece que é assim.
Sempre quando há palmos debaixo da terra
dizem
é que o amor grita sozinho no cemitério.

Ou quando tão frágil feito criança
numa cama ou à beira mar
inventa de contar segredos
ou pedir perdão.

Eu não sei. Eu não sinto.
Há filhos que sentem a falta dos pais.
Será que sou mal?
Será que sou pai?

Será que o coração só funciona
quando a gente vira de volta a ampulheta?
O menino que era amável
é apenas um homem perdido em si.

Ora, vamos, então me arrume um dos seus problemas
dilemas de livros empoeirados na estante
pra finalmente eu poder culpar alguém.

CRiga.

terça-feira, 12 de março de 2019

Aquele penteado que passou pela sala


Passou a vida escrevendo coisas
que poderiam servir para algo
em algum tempo
para alguém.

Não vai morrer, não por agora.
Mas deixa ali registrado
seu profundo arrependimento.

Tem hora que a solidão é tão lucidamente companheira
que quando você pensa em fazer um chá
já está com o cálice de conhaque
nos lábios secos por novidades.

Mas não amou o suficiente.
Deixou o cabelo novo passar despercebido
pela sala da juventude, vem aqui,
deixa te dizer das coisas que não sabia...

Tem é aquela sede de beber
o sangue tão vermelho, explodir
o velho pulso no cateter do caráter
salvar feridos
colar cacos de corações partidos.

A idade traz flashes
e verdades sempre tardias.
A nova juventude não diz nada
e para quê? É apenas juventude.

Aos vinte era apenas juventude.
Aos quarenta não esperava acabar assim
tão sério, sorriso amarelo de velório.

CRiga.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Papiro colado no poste


Andar a pé sem esperar a hora
falar de flores, o jardim secou
em plena primavera.
Não há coisas belas pra se falar.
As flores de plástico estão caras,
O Sol nas bancas foi vendido
grita mazelas no horário de verão.

Há sempre um brasil desses aí
que nos persegue, inconveniente!
Vire logo a esquina, fuja,
brasil mendigo te dando o pão
que o presidente ainda pisa.

O diabo amassa o trigo
pra fornada patriótica,
e Deus amansa a massa
pros discursos da patrulha.

Dá de comer ao Brasil
arroz com feijão sem pimenta
um grão de conhecimento
um sorriso de criança
uma rosa perfumada
qualquer que seja a cor –

apenas flor, nada mais,
não vigie nem invada
meu daltônico jardim.

CRiga.


sexta-feira, 8 de março de 2019

Imemoriais


Desde tempos que busco na memória
nossa história não é das melhores:

algozes nos matando nas trincheiras
freiras nos amaldiçoando nos caminhos
ninhos de cobras nossa cama
lama nos campos nosso lar
mar de baleias e peixes mortos
tortos anjos bebendo cachaça
praça de guerra nossa derrota
nota fria e falsa identidade
cidade que nunca é nossa
fossa no balcão dos bares
ares de inverno polonês
inglês defeituoso na fronteira
cadeira elétrica e masmorra
que porra de mil vidas nós levamos!

Mesmo assim insistes me acompanhar
porque me amas desse jeito
feito filme
desde tempos imemoriais.

CRiga.


quinta-feira, 7 de março de 2019

Fotografando espíritos


A espera parece mais longa quando a chuva cai. Meus amores, minhas dores – no asfalto molhado todos perambulam com seus guarda-chuvas, cada um com sua cor em uma via sem volta.

A espera é fera que hiberna nas trevas da alma. Ruge uma dor que ecoa do fundo da caverna úmida e que cheira a mato molhado.

Quem espera sempre dança uma valsa de solidão no silêncio da casa fria. Casa com o padre, reza com o bêbado caído na esquina.

Me espera, não vai agora. Eu tenho cartões postais em branco pra gente sonhar. Um vestido de festa e outro de casamento. Um baú vazio mofando no quarto, uma garrafa intocada de licor. Uma cama de solteiro, a gente joga o colchão no chão.

A chuva da espera molhou toda a minha casa, distraída deixei janela aberta pra alguém me invadir. Eu queria ter asas pra voar até alguém. A espera parece mais alta quando o céu se abre e o sol não traz mais novidades.

A espera se transforma, com as nuvens sombrias em torno da lua, na noite que cai da minha estante e se quebra mil caquinhos, um porta-retratos ainda com foto de revista. Um anjo azul de bibelô empoeirado, lembrança de um sobrinho que nasceu, cresceu e viajou ao estrangeiro.

A espera é acreditar em filho de virgem. Uma prece, me esquece, me marca num muro, prefiro ser Madalena. Me atira na vida mas não me espere chorar. No compasso do ponteiro do relógio parado vou te atraindo pra armadilha: serei a bruxa que vai te transformar no sapo, você será meu anfíbio de estimação e terá que esperar um beijo meu te libertar de novo. Só que meus lábios secarão com o ar cortante de outono. Estaremos presos um ao outro.

A espera é o brejo feio e fedido da floresta negra das fábulas que assustam as crianças. É a impossibilidade de contar belas histórias aos casacos pendurados na cadeira da sala de jantar. É a solidão dos deuses loucos. É o dedo em todas as feridas da trouxa autocompaixão. Rasgar a carne, sangrar líquidos sem cor, chorar lágrimas imaginárias e etílicas de guaraná. E dormir soluçando baixinho esperando o despertador tocar pra espera recomeçar com o dia sem as flores à porta.

Café amargo, janela aberta, estou pronta – que venham as cartas em branco que ontem enviei pra mim.

CRiga.



segunda-feira, 4 de março de 2019

Acabou, começou!


Não adiantam dores amores flores rimas –
quando desapaixona já era, meu amigo!

Nem chocolate nem jantar caro de um mês de salário
naquele restaurante da propaganda que vocês ouviam
quando de manhã iam juntos trabalhar.

A comida fica seca e mais cara,
o vinho dá dor de cabeça.
A sobremesa tem as calorias que precisa evitar,
daqui uns dias tem balada com as amigas.

Desinfeta, desidrata então os temperos
a gente nem vai fazer aquele prato da tevê.

Desafasta, me dá ar, pega suas coisas e não demora.
Quer a hora do relógio?
É agora: a hora de você só ir embora.

No guarda-roupa cheirando a mofado tem
aquele vestidinho lindo vermelhinho.
O decote ficou fundo demais
ou eu que me afundei de peito aberto em você?

Vestido mofado? Qual o quê!
Boutique e vendedoras que parecem amigas de infância,
um decote novo e um azul da paz que namoro.

Você aparece pra me pegar...
Arrumou o amassadinho do para-choque
botou cheirinho de carro novo.

Criancinha com fome, chega a dar dó!
Ainda bem que me chega todo mês
o carnê do Médicos Sem Fronteira...

Falando em fronteira cruzo a cidade
num táxi que toca Djavan:
“cair nos pés do vencedor
para ser o serviçal do Samurai
mas eu tou tão feliz”...

Dizem
que o amor próprio também atrai.

CRiga.



Quarenta e dois


Espinhosa mata que machuca,
faz tempo que me atravesso.
O excesso não cura, nem o escuro
de um quarto ao meio-dia.

Sei de todos os segredos
até dos que não me contaram.
E eu sei porque sou puro.

Na lente do escritor há uma história,
mas esta fica pra depois –
uma varanda de conselhos e moços,
haverá ouvidos gentis.

Eu sei o caminho, eu já trilhei
com menos responsabilidade.
Sei das pedras, só tenho um sorriso
e a mesma safira sincera
no olhar de confiar.

Vou correr contra o vento,
respirar o bafo gelado, viciado,
prazer em reconhecer!

Não há segredo nem na morte.
Há pedras – e o poeta já sabia muito bem.

Nem que não haja o mesmo sol,
é outono, vou curtir o vento cortante.
Há mesas juvenis na calçada, um convite.
Eu ainda sou o mesmo, me espera,
eu tenho boas novidades pra te contar.

CRiga.


sexta-feira, 1 de março de 2019

Gente tangente


Fatal: falta alma de multidão.
Fatal pra quem?

Desconectado, julgador voraz mas calado.
Desinteressado pela massa,
não caça problemas, não compartilha também.

Feliz desconhecido, amigo do fone de ouvido.
Eremita de camisa social, hiberna na rede,
bate perna e não se importa
em por enquanto não chegar a lugar algum.

Nunca virou alvo, abomina compromissos
e eventos sociais.

Felicidade é relativa.
Você não o verá na vitrine
nem nas selfies da vaidade.

Verdade pra ele é o que de fato faz diferença,
sem crença, lado B ou lado A.
Sua bandeira é apenas um olhar transparente
e discreto.

Odeia convenções, cultos histéricos e acusadores.
Julgador que não condena, não fala,
porque pra ele quem cala
também segue puro e intocado
em frente, independente.

Felicidade é relativa.

CRiga.