sexta-feira, 28 de junho de 2019

Sem ponto cardeal


A nova era já era
e o novo erro é mero acerto.

Não há caminho certo, nem perto.
Aperte o cerco 
do esterco nasce a rima.

Acerte o ponteiro   
porque o poeta é certeiro
e sem direção.

CRiga.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Rimar amor com travesseiro


Há perguntas que de tão simples
armam tempestades.

Você me ama?
Por que não gosta mais de mim?

Nem flores nem dores adiantam.
A esperança, a bonança,
rima pobre, roubada poesia,
nada depois de hesitar.

Há respostas que de tão francas
devolvem as coisas no lugar.

Eu não te amo.
Eu não gosto mais de você.

Sem desvios sem rodeios,
seta que aponta firme e certeira
a estrada à beira do precipício –
rota difícil, a vontade é de pular.

Há amor que de tão confuso
não sente nem sabe
se ama de verdade –
não mente mas omite
insiste corrigir e fica sem sentido
na insônia de um coração partido.

Há amor que de tão autêntico
não mente nem acena,
é seco para o sim e para o não.
Não sente pena, diz a verdade,
dorme o sono de quem ama
simples, sem vaidade.

CRiga.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Sonho espírita


E eu pedia tanto, suplicava os teus olhos,
quando é que você vai me dar teu coração?

Você agora era a parte amor
do teu pai tirano –
em outra vida como mulher eu o segurei
só por tua causa
e morri nas suas mãos.

Agora nesta eu só quero ficar contigo
e que ele entenda, estenda a mão
e reencontre sua parcela perdida do amor.

Fica comigo esta noite
esta vida, qualquer vida!...

CRiga.

terça-feira, 25 de junho de 2019

A festa


Dali em diante, fêmea decidida,
tomaria todas as bebidas da festa.
Amazona bruxa louca varrida
varrendo homens de sua vida.

Glicose na veia nunca faria efeito.
O coma na cama nunca levaria
esta espécime rara da natureza.

Nada a deteria, nem os olhos azuis
nem novo romance de guardanapo.
O vestido curto vermelho já incomodava,
queria mesmo era o moletom de domingo.

Pra puta que os pariu os caralhos!
Pra que lágrima se o corpo não dói?

Rodou o gelo no copo de whisky
e uma pontada gelada no peito
acordou o bicho mais sangrento:

Solidão rangendo
mordendo dentro
comendo um salgadinho frio
e um coração sem jeito.

CRiga.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Procissão


Destrua os olhos roxos
querendo esconder pecado.
O mais pecado dos pecados –
ousar não ter pecado.

O suor do santinho a caminho
daquela fontezinha artificial
não purifica o asfalto caro
amanhã forrado de santinhos
de campanha eleitoral.

Os fogos do céu são bonitos
tão bonitos quanto o fogo
debaixo das saias das meninas.

Não creio em fonte, creio no fogo
que não mente nos olhos roxos
que não sente por pecar
e que vive santo, sem machucar.

O pecado mora aqui mesmo
não precisa procurar ao lado.

CRiga.


terça-feira, 18 de junho de 2019

Rocha lisa (canto do desencontro)


Duro é quando a água para
de bater na pedra,
e você tem tempo de querer sentir
nos olhos o sal.

O mar secou, diria Drummond.
Eu não sou duro, José.
Eu sou a água
que parou de bater na pedra.

Eu sou também a pedra –
rala lisa nua de cara exposta
ao vento cortante que vem num assovio
do leito deserto um dia mar.

De repente a onda (eu espero)
vai me levar.
Explodir como nos pesadelos.
Daí posso ver teu rosto refletido na lua vermelha
enquanto submerjo levemente morto
no mar do desengano.

Mar tranquilo sem tempestades
tubarões e godzillas.
A tal da bonança.

Quando tarde demais os escafandros descobrirão
uma carta borrada no bolso do surrado jeans –
apenas uma poesia pra você, nobre arqueologia!
O dia em que eu finalmente decidi
te procurar nos versos que não saíam.

Pois duro era quando a pedra rolava o penhasco
e você, na beira do precipício,
me esperava encontro marcado.
Sempre nos desencontramos...

Eu não honrei canções...
Não te esperei feito pedra postada à beira-mar.
Eu me gastei. Virei cascalho. O vento me levou.
O mar voltou a ser o mar.

E você, aros pretos nos olhos cansados
da lua vermelha,
resolveu sangrar a lágrima
que meus olhos não conseguiram chorar
àquelas tardes.

E era muito tarde.
As letrinhas já subiam
dando os créditos no final do drama.

Quem ama em silêncio
encrudesce a poesia...

CRiga.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Quermesse


Vida besta esta de procurar preocupação.
Bom é procurar no inverno novo
um tempo antigo de curtir no frio
o mesmo couro da velha jaqueta.

Vem que hoje tem fogos de São João
vinho quente e quentão.
Tem é fogo também debaixo
das saias das meninas –
por isso é que não sentem frio
nem nossos corações partidos.

Mas as intenções são as mesmas.
Uma Maria quer casar
uma Joana viuvar.
Quando Zé pescar o prêmio
a namorada vai enciumar.
A prima da cidade quer ursinho
e ela tem lindos olhos de um verde
que nem a bandeira do Brasil!

CRiga.


sexta-feira, 14 de junho de 2019

Corrosão


Estamos em falta, mas você ainda sorri.
Talvez hajam dedos que nos enganem
sejam aqueles sobre os teclados
ou por baixo dos pijamas.

Os sóis também enganam.
A alma está congelada
perdida na estrada
presa na gruta, no escuro,
não grita, paralisada.

Você despeja areia de ampulheta
sobre meus ombros.
O sorriso é de pena?
A paciência é de ouro?
O amor é que nos prende?...

CRiga.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Assaltaram a gramática


Azidéia, minha querida!
Ainda com a, cento –  
sinto que revolucionárias
mais de cem ainda fervilham.

Pelo menos o velho verbo flexiona
o bom sujeito que um dia eu fui.

CRiga.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Deep sorrow


É um corvo velho depenado
no subterrâneo frio do centro da cidade.

Seu ópio é combinar cores na salada
nos dias de semana.
Suas mãos têm o odor do almoço pronto.

Seu hibernáculo captura novas melodias
pra ouvir-se profundamente
silenciosamente só.

Seu amor pra dar é um pedido eterno de perdão.
Seu sono agrada porque o transporta
a outro lar que não um pseudo escritório.

Seu amor precisa de amor, mas não quer.
Seu sono é longo e quase eterno
câmera lenta que perturba.
Um inferno com sofá pra cochilar.

Nunca vai pedir o desvio do teu olhar.
Cansou de ser cansado
não quer direito de descansar.

Precisa não apagar sorrisos, talentos.
Os medos são contados nos dedos de uma mão.
Dedos finos, medos grandes –
no caminho que apontam
há sua cruz desacreditada.

Não tem direito de chorar,
mensagens prontas obrigam a agradecer.

É um fio do tapete farrapo à porta trincada
da casa condenada pelo tempo.

Santos andam sobre as águas,
heróis voam vigiando os bons.
E ele sabe muito bem que é.

Será que consegue afundar?
Será que consegue cair?

Não consegue. Nem chorar.

CRiga.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Dó, Si


Eu não tive o brinquedo que pedi.
Mas vi meu Noel sem jeito
quando contava migalhas do seu bolso.
Ele era muito bravo,
um adulto de dar dó.

Eu comi o x-salada que queria,
ela sacou da condução a ficha no caixa.
No balcão da lanchonete a coca veio quente
pela metade oferecida
por um adulto amigo talvez com dó.

Eu vi meu vô pelado na sala.
Ele assoviava, nu com sua dor.
Criança, eu não sabia
o que era sentir dó nem sentir dor.

Eu com dó de mim, matreiro trapaceiro,
minha vó prometeu me defender:
bola de meia em cheio, vidraça quebrada!
Mas quando mamãe chegasse cansada
não brigaria comigo não.

Dó, ré, mi.
Faz um favor pra mim?
Canta um sol melódico
lá naquele meu futuro melancólico?

Pode ser a partir de si.
Seja lá o que for
sem assim tanto dó de mim.

CRiga.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Todo dia ela faz


É que eu não estou para romances.
Mantenho estandartes da seriedade
os meus óculos de grau.

Natural que faltem versos, prosas.
Nem tem a ver com espelhos
ou mensalidades da academia.

Corpo padece mesmo
é no cordão da multidão
é na falta de inspiração
é quando o pão vira o dia
perfeito na verdade do não.

CRiga.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Sonhar com mortos


Era então aquele mesmo sorriso da juventude que eu perdi. Passou fingindo-se distraída, quando vi teu rosto e os aros pretos me chamando num abraço, num beijo, o brilho! “Tem certeza?”. Eu tinha!

Outro dia voltei a te procurar, agora eu fingindo assuntos importantes. Você deu novamente a luz da graça, agora amiga conversando num sofá de uma casa de um antigamente na sua vila. Mas esperando minha certeza vociferar leões. Tudo ficou bem, apenas uma visita de bons amigos novamente, eu saí triste como naquele corredor da adolescência em que eu disse não...

Desde então não sei – durmo esta vida, acordo sonhando, sobrevivo. Não sei se coloco na vitrola aquela nova música francesa que tem a cara da manhã que não tem você. Ou se falo a língua morta de te fazer vir de novo me visitar, antigo amor num sonho, com gosto de café amargo pela manhã...

CRiga.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

A vida cavalga


É o inverno que muda as coisas, me faz lembrar de você de novo como se eu fosse a culpada por não ser feliz. Talvez seja mesmo, talvez você nem se lembre mais de mim, então remexo velhos pertences e não me encontro, só encontro você. Remexo números, não te encontro, ligo à telefonista, simpática, quase chora comigo, esses homens que nos esquecem são foda... Esse é o número mais próximo, então ligo, você não está mais lá, mas alguém diz “ele está em tal lugar”. A telefonista me dá então a porra do número do tal lugar, sem certeza penso te encontrar, alguém atende pelo teu nome, te encontro, é você, meu antigo amor!

Simpático como sempre! Casado, mas simpático. Com um filho, mas tão amoroso como sempre. Mudei de casa, você não sabia, e você me disse que foi me procurar numa noite com flores e vinho às mãos, e que por isso não me encontrou. Mentirinha bonitinha, me conquistou. Que saudades de você, do seu beijo, do seu abraço, do seu amasso. Acho que aproveitei pouco, muito pouco, não te dei devida atenção, eu sei, me arrependo, sou libriana, quero tudo vindo, quase nada indo.

Mudei de jeito também, você não sabe? Não saio mais em tantas baladas, parei de fumar, me conheço mais, gosto mais de mim, estou só um pouquinho mais gordinha, sem tanta diferença, acredite, estou mais bonita. E não cavalgo mais, você acredita? Eu também. Só falta você pra completar, mas não tenho coragem de dizer. A vida cavalga, eu parei.

Determinado momento você disse que é importante agarrar as chances quando elas vêm. Não esperar que aconteça, apenas estar esperta para a hora que acontecer. Sei que não foi por querer, mas parece que isso me feriu lá dentro, sem você perceber. Eu sei que não foi por mal, meu amor, nada vai me fazer tão mal quanto esta vontade de te pedir desculpas sem tempo, essa vontade louca de voltar no tempo e te agarrar, esperar que aconteça e estar esperta para fazer acontecer.

Bem, me ligue um dia também. Vamos sair, quase eu disse, tomar um chope, você não pode, agora tem família e não vou insistir. É errado, nem sei se tenho coragem. Acho que teria, te beijar de novo como antes valeria. Matar-me mais um pouco por não ter você, recriar-me por segundos eternos nos teus braços que um dia me tiveram mulher.

É o inverno que muda as coisas assim, faz a gente amanhecer cinza com saudades do passado que passou entre os dedos, feito areia de ampulheta que a gente não agarrou. Eu te amava e não sabia, me perdoe, meu amor. Seja feliz, seja feliz, vou desligar. Eu ainda tenho a poesia que você fez pra mim, preciso desligar pra não chorar. A vida cavalga, eu não mais...

CRiga.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Dias eternos de amores modernos


Lídia olhava a caixinha de música quebrada. Deveria chorar, mas não chorava. A bailarina manca e a música desafinada já não afetavam mais.

Lídia não esqueceu o batom vermelho na bolsa, nem o preservativo comprado, em segredo, naquela farmácia de esquina. A inveja da solteirona do balcão podia denunciar. “Foda-se!”, palavra da moda.

Lídia deixou pra trás uma vida de menina. Perdeu vontade de chorar por brinquedo quebrado, perdeu a atenção nos bordões da mãe, perdeu a doce virgindade lenda das conversas de chá da tarde.

Enquanto destoava nos gemidos, misto de dor e de novo prazer, uma bailarina manca fazia as malas. Não havia príncipe nessa história de amores perfeitos, porque nem Lídia esperava telefonemas de dias seguintes.

Nem mesmo aquele soldadinho de chumbo, herói de outrora a declamar poemas ao pé da caixinha, havia mais – perdeu uma perna na guerra da puberdade, e aposentou-se beberrão numa cadeira de rodas pela cidade dos brinquedos fantasmas.

E o amor, descrito num velho livro de contos de fadas, agora apenas mascava chicletes despreocupado, parado na chuva com guarda-chuva furado, esperando um ônibus qualquer.

CRiga.


terça-feira, 4 de junho de 2019

Agenda


A tela em branco me desafia:
mais um dia eu preciso te dizer
que a vida precisa de poesia.

Nem que seja assim pueril
rimas pobres, versos fáceis.

Florezinhas coloridas num vaso
no beiral da janela antiga
da ruazinha de paralelepípedos
da cidadezinha que a gente imagina.

Um rosto antigo que vem nos visitar
um espírito que mexe a gaveta na madrugada.

Mãos dadas num sonho meio amargo
chocolate guardado, as dores pela irmã querida.

Frio desafio, notas coloridas
na doce sexta de inverno.
Mais vale forçar o pulso e deixar-me leve
que morrer no tráfego a caminho da Capital.

CRiga.


segunda-feira, 3 de junho de 2019

Demônios me visitam


Eu bebo um gole.
Esta vida não me pede muito mais
do que isso agora.

Não sei de trilhas
atalhos ou trincheiras –
cedo ou tarde a hora chega
e eu não vou ficar contando estrelas.

O corpo que ferve já nem sente
as unhas que procuram frear a pele
que denuncia um mal que dorme.

Quero logo terminar as obrigações.
À noite sei mais de mim, não saio,
fico em casa, talvez um rock
e mais um gole.

Eu fico em mim com a certeza
que sei fazer o que me proponho,
mas não sei controlar as feras feias
que forçam as grades
como a Monga do Playcenter.

Minha pele são as grades.

Esta vida de criação cristã
me fez ter medo de lobo mau.
Ele bebe comigo
depois vai embora.
Então eu pago a conta
e faço de conta
que Deus vai me castigar.

CRiga.


sábado, 1 de junho de 2019

Os olavetes


Enquanto palhaços distraem o circo
camundongos milicianos virtuais
roem por baixo o picadeiro.

O bobo da corte conduz o gado
com conselhos que vêm do esgoto:
no submundo há um barulhinho de teclado
enquanto o rato-rei brinca de mover peões.

CRiga.