sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Memória posta à varanda


Daqui nunca há a melhor vista.
Nunca se alcança a pepita da tua pista,
pegadinhas de lua na rua que era minha
na memória de um coração caco na esquina.

Há vários precários caminhos,
vulgares cliques de modernidade.

Porém nunca houve pressa nos passos –
apenas teu sorriso calmo de quermesse
e um medo bobo de pular a fogueira
dos teus olhos.

Ponho à prova o pouco espaço no ar
que meu espírito tem para voar
até você.

Mudar a resposta do garoto tolo,
esperar-te numa nova carona.

Cafona, entrar na escola flores às mãos
e perguntar em cada sala por você.
Eu tinha tanto a te dizer
desde o início...

Edifícios hoje me bloqueiam
e mentalizo uma velha canção  
para vencer o concreto novo e frio.

O eco me devolve apenas um assovio,
um tom de melancolia, desencontros.

Daqui nunca mesmo se tem a melhor vista.
Por favor me dá uma pista,
onde é que você está?...

CRiga.



...o infinito!


Enquanto digo que leio Drummond
acho que você lê nos meus lábios
que eu queria mesmo
era roubar um beijo teu.

Roubar, não...
Talvez entre o pronunciar de “pito”
e “infinito”
apenas capturar o teu rosinha batom
num toque (ainda) sem o desejo da carne.

Depois emprestaria o livro com uma condição:
de nunca me devolveres se não quiseres
que eu roube-capture novamente
aquele teu beijo antes do infinito.

CRiga.


quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Ampulheta



Observo e desejo,
tudo são apenas ondas.
E não percebo que a areia
praia da juventude
um dia acaba cedo demais.

CRiga.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Pau oco



No meio da praça penitência
na silenciosa romaria
à escadaria da catedral,

não me bata a carteira
não me roube a certeza
que o meu tempo já passou.

Na via crucis ainda há uma oração
que precisa seguir cega, sem rancor.

Tire sua juventude do meu caminho
que eu quero passar, muito devagar,
quero te comer com os olhos
aqui do alto do meu andor.

CRiga.



segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Insepultos



Somos culpados por esse gosto de vinho seco
que morre na boca sem o beijo.

A sensação do fogo contido
do erro, do engano fingido,
do gaguejar, do quase chorar num corredor qualquer
da vaga memória do coração partido.

Tua foto de óculos pra disfarçar o passado
e minha foto sem espírito, com sorriso universitário...
Cicatrizes que teimam sangrar marcando passos.

Somos condenados
por esse morto enterrado em cova rasa,
sem justiça, sem defesa.
Jaz na terra um aro preto já quebrado.
Jaz na lápide um sorriso triste desbotado.

Tempos assim de triste outono,
da terra fofa nascem as letras cinzas,
plásticas flores que a gente sempre rega.
Então ao pé da cova a gente para e reza
queimando as testas nos tocos de vela.

O sangue e o vinho se misturam na lama
depois de a chuva densa encerrar a tarde.
É a hora de apagar as letras e podar as flores,
apagar as velas e podar as dores
fugir às pressas e chorar baixinho.

Pois somos apenas os culpados
por esse gosto de passado insepulto
gosto seco
feito o beijo que a gente não deu...

CRiga.



sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Doux guillotine



A paixão move à arte,
o amor eterniza a obra.

A paixão escreve a história,
o amor mantém os mitos.

A paixão coroa os gritos,
o amor sibila a paz.

A paixão é o az da rodada,
o amor é o rei do jogo.

A paixão corre solta no pó da estrada,
o amor sopra tranquilo na alma da brisa.

A paixão é a tempestade,
o amor é a casa no campo.

A paixão destrói a fortaleza,
o amor instaura o jardim.

A paixão faz bater nas paredes
a cabeça que insiste pensar,

o amor
a decepa de vez.

CRiga.



quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Documentário



O que é lixo pra tua lente
é leão que mato na tua frente
em apenas mais um dia
dos meus apenas dias.

Só que eu mato um leão, mermão,
mas não mato a fome não...
Remexo lixo, machuco a fome,
olha os home!

Corre logo ou vai preso,
come logo ou vai morrer mais cedo
mais esperto, muito perto
daquela lente da premiada indiferença
e do leite a salvo feito sentença
ao lado de uma porta fechada.

Captou a melhor imagem?
Que bom, posso seguir sossegado
roubando o tíquete premiado
pra estreia da tua movimentada sessão.

Daí não chora não, mermão –
tudo só será leite derramado...

CRiga.



quarta-feira, 19 de setembro de 2018

(novo) Paredão



Inteligência mata
café também.

A burrice é mais bonita
não compromete assim ninguém.

A vida é que é bárbara
mas há quem veja helenas na tevê.

Ninguém mais vê ninguém.
Ninguém sabe mais do caos
dos maus, dos bons.

Eu quero ir embora
esta zona não vale mais.

Eu quero ir agora
fugir dessa santa escola
onde cabeças não vão rolar:

elas estão demais ocupadas
assistindo ao Big Brother
no grande dia de eliminação.

No paredão
dizem que entregou artistas
à caça de comunistas.
Dizem que copiou o grande irmão
de um colega russo, sem perdão.

Dizem que visitou exposição
de homem nu.
Que cuspiu na cara gritando histerias
atropelando o vermelho do sinal.

A vingança veio, véio
vamos votar,
vamos espera-la para o jantar.

CRiga.



terça-feira, 18 de setembro de 2018

Drops



Beijava o drops cereja
com promessas de para-sempre.

Mas o para-sempre perdeu o gosto,
e no bolso coube a vida inteira
dentro da carteira, uma foto desbotada.

Relançaram o drops nesse verão.
E eu não beijei,
só lembrei...

CRiga.



sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Cafajestes


Eu me vejo manchando o teu vestido de casamento com o vermelho sangue de meu ciúme doentio – calma, sem páginas policiais: apenas a taça do vinho que a gente não tomou porque você estava tão atrasada pro fatídico dia da noiva, eu te dei carona e nem cobrei a gasosa. Então vai meu bem ficar tão lindamente atrasada pra gente brincar de rasgar vestido no ato consumado da festa da tua felicidade muito bem disfarçada pela pesada maquiagem cara, champanhe e padrinhos que gastaram uma graninha besta em presentes pra te ver feliz nas fotos do futuro álbum. Nem aquela cena ridícula de novela das oito existe mais nas igrejas pra eu te condenar, aquela que o padre pergunta se há alguém que tenha algo a dizer contra esse casamento que fale agora ou cale-se para sempre – diria mataram o mensageiro do amor com um tiro certeiro no peito, e, menos poético, teu noivo comeu tua prima por trás na tua cama ainda quente de manhã enquanto você tomava banho, tua família é uma farsa de corruptos e gente de passados duvidosos, você é a única que presta um pouquinho pra uma traiçãozinha nada demais antes do casamento... Mesmo na Santa Igreja não saberia mentir tanto. Casamentinho de merda! Me devolve então a grana Maria gasolina, Maria mãe de um deus que não acredito, Maria vai-com-as-outras-foi-comigo, ah, Maria! Eu te amaria tanto se você não dissesse sim, carregaríamos garrafas pelas ruas e cairíamos esquinas pelas noites sem fim até que alcançássemos a cama mais uma noite, a gente gritando urros de prazer na madrugada até o amanhecer te chamar praquele empreguinho de merda e o meu eterno vagabundear fingindo trabalhar numa redação de jornal. E só te trairia com escritos mais românticos, não marginais. E você se ofenderia. E por vingança finalmente se casaria, certa de querer ser eternamente infeliz.

CRiga.


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O pântano



Estamos apenas eu e você
e eu preciso te socorrer.
Não adianta me negar a mão –
você pode me puxar pra dentro
ou pode deixar-me te salvar do desalento.

O problema é que eu não te perdoo
mas tudo bem: não tem mesmo jeito
de a gente continuar sem se abraçar
na nossa velha tempestade.

Não temos caminho certo, como sempre.
Você errou, eu desviei-me dos abrigos.
Amigos são apenas bibelôs de estante
somos apenas a lenda de uma fotografia.

Não adianta culpar leões:
a psicologia viaja na facilidade
de convencer que os culpados não somos nós.

Andamos demais nos equilibrando na palavra –
perdão.
Piada mal contada de quem ama um ser
ao alcance de uma simples mão.

Aprendemos que o não é não.
Quando quebramos a regra sem o manual de instrução
o vaso trincou e o caco feriu jardineiros.
Nunca soubemos curar feridas
nem nunca soubemos da dor.

É importante te salvar, eu sei,
porque mais importante agora é vigiar.
O que nos resta é preparar o tapete verde
e sair à francesa pra vida desfilar.

Nossa Paris é a paz de um abraço.
Havia fotos de uma viagem feliz,
você as enterrou no pântano dos erros.

Agora só restamos eu e você.
Esqueça, as fotografias já se foram.
Não seremos nós os personagens do final feliz,
você sabe bem.
Cabe a nós, abraçados no negrume,
picar as trilhas e abrir caminho
enfeitar as pontes e colorir esquinas.

Eu não me perdoo
o mundo é um voo no escuro.

A gente morre junto
e o mundo recomeça agora.

CRiga.



O gatilho



Ainda a fórmula drástica: os perdões perdoam até a memória eletrificar os neurônios e desejarem apenas que a tua morte seja digna. Comparecerão ao teu enterro e até chorarão uma lágrima sincera, mas os cochichos dirão que porque morreu não se tornara santo. Nem tenho esta pretensão.

O perdão é uma coisa muito foda de cada um. Na verdade, não existe. Foda pior é não conseguir se perdoar. Preciso extrair disto um bom epitáfio – quem nunca não perdoou que puxe o gatilho da mágoa e aponte o dedo diminuindo o diminuto eleito culpado. Faz bem não perdoar. Bem pra quem, não se sabe bem.

Mas eu concordo com o imperdoável, sou dele a alma que não descola do corpo putrefato. Por isso sigo amável. Um eterno olhar de bezerro doente. E uma fúria de tirar o fôlego até a alma sufocada entulhada no canto da casa lembrar-se que viver assim é estar sempre só e tudo bem. Deixe-me chorar os bons passados que sei que também não me perdoarão. Eu não tenho mesmo saída.

Nem gatilhos tenho direito de puxar. Eu aprendi comigo a perdoar de tudo. Menos a mim mesmo.

CRiga.



Trafiquei na esquina um feliz aniversário


Dedo na garganta e apropriação devida de coisas que não são minhas. Roubo mesmo se isso me faz bem. Todos eles roubaram de alguém e ocultaram o crime embelezando a boneca com batom de vinho seco e barato, aquele que escorre no canto da boca de riso artificial e plástico manchando a pele feito espancamento pela metade.

E eu espanco mesmo neste dia, arranco sangue, crio clássicos hematomas de inocência. E um texto roubado no final não é nada que não se possa se explicar na posteridade.

Enquanto isso declaro às autoridades ter visto tua foto três por quatro, guardada, culpada pelo crime, desbotada na carteira velha - meu coração não é selvagem, é apenas marginal que comete crimes, acusa inocentes e oculta cadáveres.

Inocente? Você foi embora roubando meu disco do Elvis por causa de Suspicious Mind, apropriação devida. Apropriação de vida pra sobreviver sem mim na marginalidade.

Feliz aniversário, mas vou ter que te matar mais uma vez agora. Deixe que noticiários contem as mentiras, porque a verdade nós dois sabemos: ninguém morreu, meu bem, ninguém. Textos renascem todo dia e os discos estão voltando à moda. Menos nós, sobreviventes sem graça, grafados perdidos sem valor nem moral, feitos classificados de jornal.

CRiga.



Lápide


Cairia mil precipícios se soubesse
que tudo se apagaria em frente à minha lápide –
a vergonha,
o teu perdão que ressurge máquina de triturar alma
naquela triste ira de esfarrapar o farrapo.

O fiapo do trapo do tapete
da trincada porta rangendo desculpas
do casarão velho abandonado
na cidade fantasma desta alma.

Que no jazigo sem enfeites
o piso tenha espaço pra você pisar
com teu merecido ódio.

Que o teu riso tenha tempo
de ainda gargalhar ao vento.

Que volte a ler o velho livro de poemas.

Que o teu amor redesperte
bem perto
me enterrando cada vez mais fundo
e distante.

Não tenha dó de mim –
apenas não piche nada no mármore eterno.

Nem a pedra fria merece monstros
cujas sombras ainda escurecem lares –
quais sejam eles onde for.

CRiga.

Confessionário


Acalme seu espírito, dizem os sons do dia.
Não arrume mais problemas ou soluções.
Está tudo em seu lugar,
no lugar que você deixou.

Você sempre se deixou levar,
pena livre que boia no ar.

Mas há brisas que de vez em quando
entortam o ritmo, e eu voo longe
longe, longe...

Deixo-me pousar na pele morena
naquela mesma cena de um corredor ginasial.

Deito-me no banco do ponto de ônibus,
a gente ia junto trabalhar.

Eu passo pela velha quermesse
e no pó da terra batida
me bate sempre o mesmo arrependimento.

Embarco no vento, você está lá
passando pela minha rua.
Eu queria ter forças para lutar
para pousar sobre os teus ombros
e você me levar.

Mas a pena que boia também escreve caminhos.
Culpa minha ter confiado nas brisas
perdido tempo com verbos imprecisos.

Escrever é acalmar o espírito.

CRiga.


Uma canção ao imemorial



Eu te chamo em melancólicos sinais
porque te chamar talvez seja a solução
dos meus pobres dilemas, um perdão.
É um respirar quebrado, um pedido de socorro,
mas você não ouve este meu mais novo clichê.

Eu me agarro àquela juventude tão singela
feita estátua de areia que dissolve
quando a sirene ecoa despertando o dia.
O meu tempo já passou, a maré me engoliu
e eu não vi você passar de novo por aqui.

O que eu vi foi uma única foto
você na praia, os aros pretos de antigamente.
E eu me reconheci – eu vi você sorrindo
talvez pedindo para eu voltar.

Há um sol que me entristece, preferia a chuva,
tenho tido muito tempo de pensar muito em você.

Tempos em tempos você me invade sem querer,
e eu estendo os braços da memória
murmurando frases desconexas, como num sonho,
pra gente um dia ficar junto.

Mas como são impossíveis as possibilidades!...

Você foi embora naquela carona com teu pai
e eu fui a hora de quebrar a esquina louca.
Aquele caminho de chorões numa floresta sem luz
que deu aqui, onde continuo completamente perdido
completamente apaixonado por você!...

CRiga.



quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Ponto de desencontro



Só te chamei pra perguntar se é só eu quem sofre essa dor de desencontro. Se é sou eu quem sente esses sinais do tempo, nos sonhos, quando a gente se encontra e acorda triste, feito coração partido pela metade. Se só sou eu quem se sente boiando num céu azul de missões, feito enfeite pendurado no teto, de lá pra cá, à mercê dos ventos que entram pelas nossas janelas abertas. Por favor, fique e me diga que não sou eu apenas quem espera um dia, nesta vida ou não, estar ao lado da alma dos tempos imemoriais.

Sim, isto tudo parece loucura, é muito mais poesia romântica que sensatez, tudo bem: não precisa se sentir sem jeito por atender ao chamado de alguém que você não via há tempos, alguém que não consegue deixar-te apenas sobrevivente. Não me olhe assim, com esse rosto de quem quer condenar Nero à própria fogueira, e fugir deixando para trás as cinzas que também são suas. Eu sei que você se disfarça como eu, à espera, à espreita, de longe, não quero nem te desviar de qualquer caminho que te faça segura sobrevivente, apenas quero uma resposta que nos conforte por ora, o resto de nossas vidas.

Eu só quero saber se você também sente um coração nublado de vez em quando, quando você acorda, uma vontade de uma lágrima apenas no canto do rosto gelado pra lamentar essa ausência de você mesmo. Só quero saber se você também carrega consigo estas mesmas saudades do que nunca foi, mas com rostos e almas tornadas penduricalhos brilhantes naquele teto azul de um deus sozinho lá em cima, brincando de missões.

Se você não quiser responder, tudo bem... Vamos voltar à vida de sobreviventes com sorrisos e afetos fáceis e outros sinceros também, de luta intensa no silêncio descomunal e confortante de deuses solitários, perambulando por aí de jeans, tênis e óculos de aros pretos, procurando sentido nas fáceis multidões. Vamos voltar aos nossos tetos reais sem penduricalhos, sonos pesados de cansaço, sonhos de veludo, manhãs de cheiro de asfalto molhado e luzes amarelas refletidas no chão dando o tom de desencanto pelo resto do dia. Pelo resto da vida.

Vamos enfim lamentar este encontro ou apenas beber ao reencontro cômico regado a fantasias sinceras. E vamos rir disso tudo então, dizer como seria se você tivesse voltado a passar naquela minha rua, como seria se eu tivesse dado a resposta sincera e não aquela defensivinha de garoto bobo. Comemorar como a vida é louca, esse vaivém de gente que nos invade e que parte sem dizer adeus.

A gente então pode rir alto feito gente feliz, e não precisamos nem mais tocar nesse assunto tão amargo e perigoso. Forçando a hora de ir embora, vamos olhar nos relógios procurando muros, trincheiras e saídas de emergência nos ponteiros. Vamos fugir dessa situação embaraçosa e caótica de falar sobre coisas e tempos que precisam ser descoisadas e arrancadas do DNA das horas. Vamos fingir olhares apressados mas saudosos, firmes na despedida. Vamos nos despedir apenas com um tchau, foi legal, enfim...

Ou vamos talhar com o punhal seco dos tempos a ferida, olhares molhados, bocas trêmulas e mãos dadas sobre a mesa do bar vazio. Vamos escancarar essa doideira de sentir saudades do que nunca foi, mas deveria ter sido não fossem os ventos na janela sempre aberta daquele aventureiro deus onipresente. Vamos amaldiçoar os desencontros e admitir que não estamos mais prontos pra reconstruir passados que não passaram. Vamos apenas pôr na mesa essa intensidade de nos sentir almas tão ligadas no tempo, que se encontram de quando em vez nos sonhos, em outra dimensão. Vamos fazer um pacto sem prazos nem condições – apenas de confiança em planos divinos e seus penduricalhos brilhantes que só precisam de polimento. Vamos chorar de verdade. Vamos chorar a verdade. Vamos esquecer da verdade.

E vamos embora, enfim, apenas demarcando território: eu sou seu, você é minha e ponto final, os desencontros a gente resolve depois. Um brinde, meu amor, um brinde aos nossos desencontros necessários à sobrevivência da poesia e dos doces barulhinhos que fazem os penduricalhos do teto de deus, quando bate um vento de saudades e eles se esbarram no seu céu azulzinho de missões.

Adeus, meu amor, até mais, até o próximo vento de janelas abertas. Até o teto azul finalmente nos soltar e cairmos ex-penduricalhos, mas de pé, sem mais necessidade de polimento e de desencontros. Apenas nós, um encontro marcado, sem segredos, e uma casa com penduricalhos de anjinhos à porta. E aquele doce barulhinho à leve brisa, na varanda, aos finais das tardes que finalmente serão nossas.


CRiga.



segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Eu não tenho os pés no chão


Eu caminho sobre ovos
e você não precisa saber quem eu sou.

Definitivamente sob esta casca arcaica
de um homem que sabe bem o que quer
há um carinha aí...

Que coloca “Estrangeiro” do Caetano no vinil
mas gosta mesmo é de “Estranged” do Guns no CD.

Que procura textos nas velhas anotações
mas que pulsa vermelho a invenção de novas paixões.

Que ainda se enrubesce
na frente da garota mais bonita.

Um viajêro solitário
nas canções de 11 minutos.

Eu não ando sobre o teu asfalto.
O meu é o molhado pela chuva
há o cheiro, o som do pneu contra o solo
às noites de agradável solidão.

E uma sensação docemente melancólica
alcoólica, etérea,
sou um bobo feliz
estereofônico.

Meu velho walkman ainda passeia
sua luzinha vermelha
na noite dos dias de semana.

CRiga.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O segredo entre os lábios



À busca-captura do espião,
anarquiza, devassa,
e na ponta da língua
arma a louca peleja de esgrima.

Depois denuncia, devaneia:
boca no mundo, sorve o abrigo,
o doce crime sabor pêssego morno
ou veluda manga da estação.

Na invasão incendeia o esconderijo
consumindo os segredos quentes,
e o fogo toma todas as paredes
até a queda depois da explosão!...

A chama que resta, então morna,
só emana saudades metafísicas...
a relva molhada, o cheiro de chuva,
o gosto da fruta que sacia.

CRiga.



segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Quarenta


Agulha travada
na sujeirinha do velho vinil –
uma nota só no solo triste de uma guitarra
e num grito mixado de solidão.

Meio emeéle
no vidro do perfume francês –
um cheiro só na fragrância de perder os rumos
insistindo em guardar lembranças.

Fotografia desbotada
no bolso do surrado jeans –
uma cor de pó gritando no assoalho comido,
um nome rangido, abafado.

Botão de rosa pendurado
no caule quebrado do abandono –
plantas revirando em nó no sedento jardim do quintal de pedra
invadindo a casa, um dia lar.

Morri, vivo,
procurando tolos atalhos
nas coisas que mofaram,
nos objetos sem objetivos.

Um dia desistiram de mim,
sem me avisar, não foi por mal –

sexta-feira eu programo
meu próximo inferno astral.

CRiga.