terça-feira, 31 de outubro de 2017

Dia das Bruxas


Dedo na garganta e apropriação devida de coisas que não são minhas. Roubo mesmo, se isso me faz bem. Todos eles roubaram de alguém, e ocultaram o crime embelezando a boneca com batom de vinho seco e barato, aquele que escorre no canto da boca de riso artificial dos lábios plásticos, manchando a pele feito espancamento pela metade.

E eu espanco mesmo neste dia, arranco sangue, crio clássicos hematomas de inocência. E um texto roubado no final não é nada que não se possa explicar na posteridade.

Enquanto isso, declaro às autoridades ter visto tua foto três por quatro, guardada culpada pelo crime, desbotada na carteira velha - meu coração não é selvagem, é apenas marginal que comete crimes, acusa inocentes e oculta cadáveres.

Inocente? Você foi embora roubando meu disco do Elvis por causa de Suspicious Mind, apropriação devida. Apropriação de vida, pra sobreviver sem mim na marginalidade…

Feliz aniversário, mas vou ter que te matar mais uma vez agora. Deixe que noticiários contem as mentiras, porque a verdade nós dois sabemos: ninguém morreu, meu bem, ninguém. Textos renascem todo dia, e os discos estão voltando à moda. Menos nós, sobreviventes sem graça, grafados perdidos sem valor moral, feitos classificado de jornal…


CRiga.


segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Cafajestes


Eu me vejo manchando o teu vestido de casamento com o vermelho sangue de meu ciúme doentio – calma, sem páginas policiais: apenas a taça do vinho que a gente não tomou porque você estava tão atrasada pro fatídico dia da noiva, eu te dei carona e nem cobrei a gasosa. Então vai meu bem ficar tão lindamente atrasada pra gente brincar de rasgar vestido no ato consumado da festa da tua felicidade muito bem disfarçada pela pesada maquiagem cara, champanhe e padrinhos que gastaram uma graninha besta em presentes pra te ver feliz nas fotos do futuro álbum. Nem aquela cena ridícula de novela das oito existe mais nas igrejas pra eu te condenar, aquela que o padre pergunta se há alguém que tenha algo a dizer contra esse casamento que fale agora ou cale-se para sempre – diria mataram o mensageiro do amor com um tiro certeiro no peito, e, menos poético, teu noivo comeu tua prima por trás na tua cama ainda quente de manhã enquanto você tomava banho, tua família é uma farsa de corruptos e gente de passados duvidosos, você é a única que presta um pouquinho pra uma traiçãozinha nada demais antes do casamento... Mesmo na Santa Igreja não saberia mentir tanto. Casamentinho de merda! Me devolve então a grana Maria gasolina, Maria mãe de um deus que não acredito, Maria vai-com-as-outras-foi-comigo, ah, Maria! Eu te amaria tanto se você não dissesse sim, carregaríamos garrafas pelas ruas e cairíamos esquinas pelas noites sem fim até que alcançássemos a cama mais uma noite, a gente gritando urros de prazer na madrugada até o amanhecer te chamar praquele empreguinho de merda e o meu eterno vagabundear fingindo trabalhar numa redação de jornal. E só te trairia com escritos mais românticos, não marginais. E você se ofenderia. E por vingança finalmente se casaria, certa de querer ser eternamente infeliz.


CRiga.


sábado, 28 de outubro de 2017

Minha definição de amor


Aquela coisa que eu sei que é o detalhe do que eu mais gosto de fazer sozinho.

E eu faço.

Pensando no detalhe dela.

Para Clau


CRiga.

Queria tanto


Metáforas são as borboletas
enfeitando as rosas que pretendo te falar.


CRiga.

Vinheta



Não precisa daquele buquê de rosas
vivo vermelho
na mesa da varanda do hotel
à beira mar.

O café da manhã do menu
que te dá as frutas da cor de ser feliz.

Ao fundo na direção do sol
(que ainda não te agride por amor),
leves embarcações fazem sorrisos em alto oceano.

Quando aquele jazz de hobby branco
cruza a sala acarpetada
te entregando nada mais que a alma...

...e a marca da margarina!


CRiga.

Aumenta o som


Porque lá eu quero soltar meu grito
e inventar a independência
dos erros que me perseguem.


CRiga.


Calos da caminhada


Eu não tenho simplesmente nada
pra escrever
pra te dizer
te consolar
te deixar mais feliz
menos triste
assim no ar.

Eu não sou mais triste
joguei tudo fora.

Eu não tenho mais simplesmente nada.

Nada é de mais pra mim.


CRiga.


sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Paz na guerra


Sentinela na garoa da madrugada.
Uma rosa hippie, arma baixada,
a saia chita estalou, raio parou o tempo.
O beco se fez luz incidente
no segundo mais eterno
a garoa também baixou.
O tecido virou alma
na esquina, ali, quebranto,
onde perdi o meu amor...


CRiga.


Maximizando formigas


Moleque tostava formigas
com a lupa do sol escaldante.
Foi isso que ensinei pros meus filhos.

Homens preferem a lente ao contrário,
de tostadas viram monstros
que só eles, gigantes tamanduás,
conseguem eliminar.

Essa lupa de aumentar
desvia luz.


CRiga.


Blog mofado


Aqui é o meu refúgio
o lugar onde quero estar.
Aqui, onde a letra boia no ar.
Guardo em nuvens o pensamento
e a modernidade me assusta –
um vento bate e eu me perco
por aí.


CRiga.

Uma sexta, primavera


Podia chover de novo este dia
uma resposta aos meus desencantos.
Eu não ando mais sobre as ruas
não sobrevoo o asfalto da juventude.
Mais fácil mesmo esperar a morte numa sala
enquanto lido com letras que serão esquecidas
produtos de liquidação.

Uma brisa um pouco mais forte ensaia um afago,
o céu cinzento é que não é tão bonito.  
Mas às vezes vale mais a cara triste combinando
guiando um pulso perdido clamando socorro
olha por mim, eu não sou
não quero ser daqui.


CRiga.


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Plantão (a paz nunca é perfeita)


Quando o aroma flower power ensaia.
A saia chita grita o azul da ilha.
A tornozeleira brilha a pele do boi bravo.
E a paz não precisa de metáfora.

Vens resgate da guerra.
Sirene na aldeia
Messias rogando fiéis.
As dores de mais um parto.
Mais um infarto.
A sangria, mais um corte.
Tua infalível sempre morte
uma vez a cada semana.


CRiga.


Tempo derramado


Lágrimas não mais temperam nada.
Eu sou um velho
sem tempero
sem tempo
sem veneno no copo do piano
sem rua se essa rua fosse minha.

Hoje, na pedra da amarelinha,
só o inferno vai me aceitar.


CRiga.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Papiro colado no poste


Andar a pé sem esperar a hora
falar de flores, o jardim secou
em plena primavera.
Não há coisas belas pra se falar.
As flores de plástico estão caras,
O Sol nas bancas foi vendido
grita mazelas no horário de verão.

Há sempre um brasil desses aí
que nos persegue, inconveniente!
Vire logo a esquina, fuja,
brasil mendigo te dando o pão
que o presidente ainda pisa.

O diabo amassa o trigo
pra fornada patriótica,
e Deus amansa a massa
pros discursos da patrulha.

Dá de comer ao Brasil
arroz com feijão sem pimenta
um grão de conhecimento
um sorriso de criança
uma rosa perfumada
qualquer que seja a cor –

apenas flor, nada mais,
não vigie nem invada
meu daltônico jardim.

CRiga.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Hoje eu quero o simples panfletar


Não posso me sentir meio feliz, sentimento de missão cumprida – na sequência a vida vira de novo a ampulheta, me põe pra correr aprimorando acertos, aprendendo com os erros.

Não posso me sentir meio sozinho, aquela velha lucidez incomunicável – há um Brasil que não nos deixa quietos, e quando você quase se acostuma com os desmandos, o seu dinheiro salva senadores e presidentes.

Não posso me sentir meio triste, quem vai sofrer pelos meus problemas? – enquanto olho pros umbigos mais próximos, um menino mata colegas na escola e o tráfico impede outro de estudar.

Não posso me dar o direito de desistir, a cabeça às vezes racha contra o muro que quer me impedir – há um espírito que insiste vestir o manto do brilho discreto de ir além de sobreviver nesta história toda, caminhando ruas e avenidas, e quebrando esquinas enquanto distribuo os panfletos que me cabem distribuir.


CRiga.


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

(novo) Paredão


Inteligência mata
café também.

A burrice é mais bonita
não compromete assim ninguém.

A vida que é bárbara
mas há outras helenas na tevê.

Ninguém mais vê ninguém.
Ninguém sabe mais dos caos
dos maus, dos bons.

Eu quero ir embora,
esta zona não vale mais.

Eu quero ir agora
fugir dessa santa escola
onde cabeças não vão rolar:

elas estão demais ocupadas
assistindo ao Big Brother
no grande dia de eliminação.

No paredão,
dizem que entregou artistas
à caça de comunistas.
Dizem que copiou o grande irmão
de um colega russo, sem perdão.

Dizem que visitou exposição
de homem nu.
Que cuspiu na cara gritando histerias
atropelando o vermelho do sinal.

A vingança veio, véio
vamos votar,
vamos espera-la para o jantar.

CRiga.



quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Uma vírgula no tempo

A cabeça ferve letras, letrinhas.
A louça grita na pia, intrigas.
E eu insisto, aumento a fervura
da panela de pressão das ideias
enquanto corro o teclado
à procura de trincheiras.

CRiga.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Recado


Controle, não conte.
Mine, coma pelas beiradas.
Lembre-se que você tem medo.
Insegurança
Arme armadilhas.
Corroa com seu ácido.
Não deixe chegar, abrir a porta.
Tranque a porta.
Mande seguranças barrar.
Você tem pouca força pra usar.
Você não tem.
Você é pouca.
Você só usa.
Você só força
a sua própria forca.


CRiga.


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A patrulha dos chatos


Não me agradam heróis engravatados
ou muito bem barbeados, cara lisa
verniz dos bancos da igreja polidos pro domingo.
Mas também me chateiam as bandeiras coloridas
que se enfiam até num filme de ação
querendo mudar o sexo dos super-heróis.

Me enoja quem me cobra lados
quem exige assumir uma posição
entre o dedo em riste
e a provocação exagerada.

Entre as flechas podres flechas
do caçador guardião que acerta à esquerda
e do falso índio que desfila nu para a direita.
Pender é morrer flechado
pregado na árvore velha da praça.

Aquela da esquina
que desgarra folhas demais
sujando as calçadas dos senhores de bigode
à direita de quem passa com pressa.

Aquela mesma que se parece
um falo enorme capado
culpado, amordaçado, símbolo da opressão
à esquerda de quem corre da patrulha.

CRiga.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A egotrip da vingança


Vou viver no limite íngreme
da minha alma que já não é tão pura.

E se você não vier de branco
feito anjo me salvar do devaneio,
vou ser mármore tão negra.

E se você não sorrir
e se você não me ouvir
e se você não me abraçar
e se você não existir...

E se você não vier?

Se você não vier
vou renascer das cinzas do que já sou.

Eu sou as cinzas que bóiam no teu ar,
que aterrorizam teus olhos sem cor
numa trágica noite de inverno,
depois do vento insano sem direção
invadir a tua casa decorada
morango de prateleira.

Só que você, metódica,
limpa a tua casa com talento,
lava o rosto petrificado
com sabonete neutro, água morna
e vai dormir,
como se não existisse o dia
que você me deu um beijo.

Como se eu não existisse,
como se eu fosse pedra vulgar
ou mármore tão negra.

Como se eu fosse ressuscitar
sem limites
no teu seguro lar tão puro.

Como se eu fosse o retrato velho
sobre a triste escrivaninha de cedro
esquecida no sótão escuro.

Como se eu fosse vírus
esperando tua hemorragia
me libertar do desespero.

Como se eu fosse o fóssil
daquele tiranossauro rex
que um dia quis ser bonzinho.

Como se eu fosse fácil,
como se eu fosse frágil,
como se eu tossisse sangue
feito poeta do Romantismo.

Vou viver no fútil limite
desta alma que só queria
ter você de fato um dia.

E se você vier assistir a meu desespero,
vou sorrir sarcástico,
dar adeus com a cabeça,
virar as costas
e voar sobre o penhasco.

E só sobrará teu eco dissonante
entre as montanhas seculares
naquela trágica noite de inverno:

“eu amo você...cê...cê...”

E ficará esperando resposta
no limite íngreme do penhasco,
e ficará esperando eu voltar de branco
feito anjo,
pra te salvar da tentação
de vir comigo devanear.

E ouvirá só o som da lágrima
contra a rocha seca,
que não ressoa eco
nem alivia a dor.

E rezará por mim
e pedirá minha proteção,

e lembrará os dias
em que nunca fui anjo
e quando roubei um beijo teu.

E desejará com a alma
eu não estar te vigiando
e continuar não sendo anjo
só pra roubar outro beijo teu.

E você viverá no limite íngreme
da tua alma então tão negra,

perdida no vale das pedras
nas mármores tão puras,

perdida nas noites escuras
que eu fundei
enquanto amei você.

CRiga.


terça-feira, 10 de outubro de 2017

Baixinho



Você não sabe sobre o que falar. E também não tem mais saco pra debater a crise no Brasil.

Então você remexe algo que restou de bom, e repara que nem passado ou presente lhe dão letras harmoniosas. É, meu chapa: você perdeu o lirismo.

Enquanto isso só resta disfarçar, então, essa sensação de imensa incapacidade de construir – um poema, um Brasil melhor.

Amargura, calor pra caralho. Uma música que me diz tudo. Uns dias que não me dizem muito. Um perfume selvagem na memória do coração. Uma adolescência, um saudosismo, um medo do futuro dos meus filhos. Uma emergência em mudar o presente, corpo e alma, nem tanto as enferrujadas engrenagens desta politicagem nojenta que nos acerca nas três instâncias.

Tudo se mistura. Fedores, amores calejados, a paixão que pegou a estrada e se nega a voltar, um pé atrás nessa euforia, o dia, o fim do mês, um disco novo pra comprar. Uma boa conversa no trabalho, a cerveja que não há mais nos dias de semana, uma caminhada no parque. Passos que levem a lugar qualquer que não o morno silêncio pra vomitar.

Você simplesmente não sabe sobre o que falar. Mas quer falar. Quer gritar. Baixinho...


CRiga.


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Jabuti


Às vezes parece
que todo o oxigênio do mundo
resolve te pressionar.

Mas ele uma hora se cansa
e a gente vence.

Respirando!

CRiga.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Filosofia de tempo


Ando muito sério
com as seriedades deste mundo.
No fundo no fundo eu prefiro
a rima que desconcerta
o que parece mesmo não ter jeito.

Feito colher margaridas que viverão
apenas até amanhã à tarde.
Lembrar o dia na praia na ilha
em que não sabíamos onde o futuro ia dar.
Comprar um novo caderno azul,
motivo pra de novo se encontrar.
Falar do teu cabelo novo na sala
forrar a rua com as cartas de amor
que você nunca recebeu.

O passado é perigoso sim,
nos culpa pelo ponto onde chegamos.
O presente me pressiona,
nem tanto impressiona, chata experiência.
O futuro deve dar nalgum lugar
onde eu preciso querer estar.

CRiga.


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Campari


Você beija e eu não beijo,
e a vida segue...
Amanhã, segunda-feira,
o resto da semana ninguém vai lembrar
nem ligar.
Paguei em dia a conta e ninguém liga.
Ninguém liga pra mim.

Quem não paga a conta que eu pago
usa o fogo que não tenho
pra mandar mensagem, agendar encontro,
sob o meu triste e calejado calcanhar.

CRiga.


terça-feira, 3 de outubro de 2017

Mochila em missão


Pra você que tá perdido
eu não tenho o mapa,
nem capa de chuva pra você não se molhar.

Pra você que tá sem rumo
eu quebrei o prumo faz tempo…
Sentimento eu tenho, varia,
mas geralmente dá pro gasto.

Basta você mostrar as caras,
qualquer uma, amo todas!

Para o amigo Danilo Amélio


CRiga.