domingo, 28 de abril de 2024


 

Pra quem quer olhar

 


Os olhos não mentem. Isso é fato.
Sentem muito quando sofrem
Quando querem riem alto

Eles olham no fundo d’alma.
Acalmam, eles também abraçam
Beijam e até te comem...

Os olhos se vestem de lápis e rímel
Óculos escuros e lentes mentirosas –
São perigosas as suas meninas.

Farol no caminho dos cegos
Tortos quando o amor os cega.

São pretos castanhos azuis verdes
Amarelos e até vermelhos.
A morte na verdade tem olhos brancos.

São francos quando a alma os aperta,
Os olhos enxergam até a bebida
Escondida debaixo do casaco.

Os olhos não negam a facilidade
E nem a doce boba felicidade
Quando olham com o coração.

Flecham. Fecham a avenida.
Moem. Destroem a rival.
Sambam no feriado de carnaval,

Rezam fechados pedindo colírio
e perdão.

O padre tem olhos severos
Destes que inventam o olhar de Deus.

O diabo tem olhares sinceros
Destes que convertem até os ateus.

CRiga.




quinta-feira, 25 de abril de 2024

terça-feira, 23 de abril de 2024




 

Púbere ventura

 


Enquanto ganham a vida singela
Com simples ar de cachoeira
Na grama que se rola,
Se enrola, fuma-se!...

...A gente se enrola mais
E os planos que a gente faz
São pra no máximo no máximo
Um depois de amanhã talvez...

Enquanto a gente se reconhece,
A gente se vê – envelhece!
Vai até onde se avista
O pagamento à vista ainda nos segurar.

Parcelas são migalhas de um sonho.
Eu preferiria não ter idade
Pra sonhar tão alto com um abrigo
Uma cachoeira de sensações
Onde o tempo não pudesse me abalar.

CRiga.



quinta-feira, 18 de abril de 2024


 

Desejo

 


A entrega acaba na morte dos sentidos.
A carne que ferve incendeia segredos muito bem guardados.

Um sorriso de canto, “com licença”.
O perfume tão vivo que te encrusta,
te cimenta no banco duro da solidão.

Calafrios nas ligações elétricas.
Na pele tapete de veludo brotam doces carocinhos,
Braile de explorar o trigal esvoaçante.

Fogo na terra, raiz que não sossega!
Brotam oceanos salivando a maçã que brilha vermelha, 
Úmida distraída exposta à fruteira sobre o púlpito do padre.

Não, mantenha oca a santidade!
Melhor viver assim pela metade
Eternamente ateu, sedento,
Louco poeta de belos palavrões.

CRiga.


quarta-feira, 17 de abril de 2024


 

Trailler da paz das almas

 


Um caminhão passava lotado na rodovia.

E ele câmera lenta. Trôpego.
Observava, ouvia o ronco louco.
Um flash da vida inteira nos olhos sem cor.
Muito pouco a dizer.
Muita vontade de avançar a linha do acostamento.

Na pista tapete de rodovia interiorana,
pouco espaço caso o acaso causasse tropeços.

Não há acasos, caso você não saiba:
na casa do desespero dos fracos,
uma mulher fumava em paz o seu cigarro
entre os braços de um amante mais amoroso.

Era um caminhão lotado de pesadelos.
Os faróis de cor amarela,
para-choque sem dor,
um ronco feroz de animal justiceiro.

E o trôpego avançou a linha do acostamento.

Desde então, justiça ou loucura,
havia mais ternura no asfalto vermelho,
uma abreviação de sofrimentos:

uma mulher que agora amava sem culpa
nos braços do amante agora novo amor,

e um buchicho no boteco da vila
com a conta ainda aberta
de um cliente que nunca mais voltou.

CRiga.




terça-feira, 16 de abril de 2024

Dezesseis

 


Hoje seria um daqueles dias no ano em que eu não esqueceria do 16 de abril (desculpe Soraia, o seu eu esquecia, né? rs), e enviaria uma mensagem pra você de feliz aniversário. “Fatalmente”, nas respostas, tudo viraria aquela zoeira toda de amigos um com o outro, mas sempre com aquele amor de todos os tempos.

Este é o primeiro 16 de abril sem você, meu querido amigo. Que lá em cima você possa brindar com os anjos mais um ano que teria aqui com a gente, ajudando-nos a enxergar que a vida é sempre linda! Te amo!

CRiga.






 

De volta

 


Eu estive longe longe, ilusão
Vagando sobre uma pétala de dente-de-leão.

Caí feito última chuva, em cheio,
Era cheia destruindo os móveis
De um outono coração.

Virei semente incerta do embrião.
Por enquanto a terra é úmida e me abraça
Numa prece ao que resta de um sol de verão.

Não me entregue a boiar no ar sem direção,
Tomara que ela olhe, note o azul sem malícia que não trai.

Eu só preciso de mãos dadas no passeio da calçada
E um caminho novo pra chamar de meu.

CRiga.




sexta-feira, 12 de abril de 2024


 

Dias eternos de amores modernos

 


Lídia olhava a caixinha de música quebrada. Deveria chorar, mas não chorava. A bailarina manca e a música desafinada já não afetavam mais.

Lídia não esqueceu o batom vermelho na bolsa, nem o preservativo comprado, em segredo, naquela farmácia de esquina. A inveja da solteirona do balcão podia denunciar. “Foda-se!”, palavra da moda.

Lídia deixou pra trás uma vida de menina. Perdeu vontade de chorar por brinquedo quebrado, perdeu a atenção nos bordões da mãe, perdeu a doce virgindade lenda das conversas de chá da tarde.

Enquanto destoava nos gemidos, misto de dor e de novo prazer, uma bailarina manca fazia as malas. Não havia príncipe nessa história de amores perfeitos, porque nem Lídia esperava telefonemas de dias seguintes.

Nem mesmo aquele soldadinho de chumbo, herói de outrora a declamar poemas ao pé da caixinha, havia mais – perdeu uma perna na guerra da puberdade, e aposentou-se beberrão numa cadeira de rodas pela cidade dos brinquedos fantasmas.

E o amor, descrito num velho livro de contos de fadas, agora apenas mascava chicletes despreocupado, parado na chuva com guarda-chuva furado, esperando um ônibus qualquer.

CRiga.




quinta-feira, 11 de abril de 2024


 

A doce guilhotina

 


A paixão move à arte,
O amor eterniza a obra.

A paixão escreve a história,
O amor mantém os mitos.

A paixão coroa os gritos,
O amor sibila a paz.

A paixão é o az da rodada,
O amor é o rei do jogo.

A paixão corre solta no pó da estrada,
O amor sopra tranquilo na alma da brisa.

A paixão é a tempestade,
O amor é a casa no campo.

A paixão destrói a fortaleza,
O amor instaura o jardim.

A paixão faz bater nas paredes
A cabeça que insiste pensar,

O amor
A decepa de vez.

CRiga.


terça-feira, 9 de abril de 2024


 

Pra saber se você ainda me ama

 


Esse amor cansado precisando de palavras loucas
Nem que sejam roucas
Poucas no excesso da canção.

Quem disse que velhos amores
Não vêm mais cantar a nossa alma?

Quem disse que precisa de calma
Pra de novo se apaixonar?

Um disco na vitrola não basta.

Eu preciso de um conhaque
Uma fé, que seja café,
Um cafuné perdido na segunda-feira
Que chove uma velha canção.

CRiga.





sábado, 6 de abril de 2024


 

Telefone sem fio

 


Há sim uma ferida escondida em todos nós
Não dar voz é sobreviver
Perdoar é te querer
A sede não permite esquecer
Ser quem?
Além?

A vida não é brincadeira
Você não ligou pra mim um dia
E por um fio não havia por quê.

CRiga.




sexta-feira, 5 de abril de 2024


 

Um suspirar profundo

 


Saudade é coisa que pega a gente, e a gente parece que não quer desapegar.

Uma sensação de dor gostosa, a saudade que não dói. Sabe? Cutucar o canto do dedo, bicho de pé, café meio amargo, aquela cachaça mineira que desce rasgando?

Saudade de alguém é assim, te tira um pouco do ar, você fica meio catatônico, mas gosta da sua própria cara de bobo quando vê a fotografia daquele ser que você quase esqueceu que ama. E percebe que nem o tempão que passou fez você sarar!

É coisa que remexe a gente lá dentro, parece sangue gelado cortando o coração de compasso letárgico. É sentir frio no verão do Rio. É mentir que tá tudo bem, que amanhã a gente vem pra festa, mentir com o que está escrito na testa! Ora, ora…

Saudade é coisa mesmo de curtir, mexer o gelo no copo do Scotch. Uma vontade de esticar o braço, abraçar, pousar as mãos sobre o rosto daquele ser tão distante, beijar! Ah, beijar… No beijo a saudade quase acaba. Mas sentir saudade junto a quem sente a mesma saudade é fogo na bomba!

Tem gente que fala em matar a saudade. Mata não… Deixa ela meio moribunda, mas não deixa morrer porque senão o amor perde sentido. Sentir a saudade começar a reviver é como ver aquela velha orquídea florescer.

Saudade é tocar dó ré mi fá na flauta doce, fechar os olhos e pensar no Bolero de Ravel!

CRiga.


quarta-feira, 3 de abril de 2024

Fotografando espíritos

 


A espera parece mais longa quando a chuva cai. Meus amores, minhas dores – no asfalto molhado todos perambulam com seus guarda-chuvas, cada um com sua cor em uma via sem volta.

A espera é fera que hiberna nas trevas da alma. Ruge uma dor que ecoa do fundo da caverna úmida e que cheira a mato molhado.

Quem espera sempre dança uma valsa de solidão no silêncio da casa fria. Casa com o padre, reza com o bêbado caído na esquina.

Me espera, não vai agora. Eu tenho cartões postais em branco pra gente sonhar. Um vestido de festa e outro de casamento. Um baú vazio mofando no quarto, uma garrafa intocada de licor. Uma cama de solteiro, a gente joga o colchão no chão.

A chuva da espera molhou toda a minha casa, distraída deixei janela aberta pra alguém me invadir. Eu queria ter asas pra voar até alguém. A espera parece mais alta quando o céu se abre e o sol não traz mais novidades.

A espera se transforma, com as nuvens sombrias em torno da lua, na noite que cai da minha estante e se quebra mil caquinhos, um porta-retratos ainda com foto de revista. Um anjo azul de bibelô empoeirado, lembrança de um sobrinho que nasceu, cresceu e viajou ao estrangeiro.

A espera é acreditar em filho de virgem. Uma prece, me esquece, me marca num muro, prefiro ser Madalena. Me atira na vida mas não me espere chorar. No compasso do ponteiro do relógio parado vou te atraindo pra armadilha: serei a bruxa que vai te transformar no sapo, você será meu anfíbio de estimação e terá que esperar um beijo meu te libertar de novo. Só que meus lábios secarão com o ar cortante de outono. Estaremos presos um ao outro.

A espera é o brejo feio e fedido da floresta negra das fábulas que assustam as crianças. É a impossibilidade de contar belas histórias aos casacos pendurados na cadeira da sala de jantar. É a solidão dos deuses loucos. É o dedo em todas as feridas da trouxa autocompaixão. Rasgar a carne, sangrar líquidos sem cor, chorar lágrimas imaginárias e etílicas de guaraná. E dormir soluçando baixinho esperando o despertador tocar pra espera recomeçar com o dia sem as flores à porta.

Café amargo, janela aberta, estou pronta – que venham as cartas em branco que ontem enviei pra mim.

CRiga.




terça-feira, 26 de março de 2024

Correção ortográfica

 


Enquanto finjo que trabalho
Escrevo um rocket pocket haicai –

Que o fogo não vá à brasa
E que à casa não falte brisa.

CRiga.  


segunda-feira, 25 de março de 2024


 

O que nos resta


Paixão platônica
A poesia que ninguém vai ler
Confissões de insônia
Uma solidão que corrói
Um punhal nas costas
Que todo o dia dói.

Esqueça de esquecer
Melhor sobreviver de restos
Que morrer sem teu beijo
O gosto do impossível
O batom vermelho rock and roll.

CRiga.