quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Pré-Carnaval


Eu não entrei no clima,
eu já sou as cinzas da quarta.
Será que o assassino do Rei Momo
me deixará sorrir em sua onipresença?

Ele me toma a alma
a calma, a rima rica.
Áspero, vaidoso, soberbo,
mas não sai de fantasia.
Noite e dia
martela o coração do folião.

Eu nem espero samba
nem suor nem cerveja.
Apenas a certeza
que a paz ainda pode existir...


CRiga.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Passeio pelo Ibirapuera


Um passeio pelo Paço,
um tropeço não é nada.
Paciência no passo, rapaz,
porque o passado é fugaz.

Um passeio assembleiano,
um momento, por favor:
desacelere o passo, me dê espaço
porque o passado será fútil.

É um passeio apenas,
não tropece em você...
Pedras serão pedras, elas passam,
e o passado será apenas
a pedra do mais belo monumento
num passeio pelo Ibirapuera.

CRiga.



terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

As mãos do pastor



Eu não quero mais este querer,
ser, estar a todo tempo
em todo lugar.

Eu não quero mais este perder,
posso deixar de ganhar
anos a menos pra viver.

O que quero é deixar para trás
o que todos querem abraçar.

O que eu quero é fugir da fogueira
vaidade, a cidade de São Paulo eu amo
menos todos que só querem se engolir.

Eu não quero de graça,
nem graça de um Nosso Senhor.

Eu quero é não sentir a dor
das mãos do pobre pastor
dobrando santinhos pra eleição.


CRiga.


Serenidade


Bom caminhar na terra árida
como quem caminha distraído
num jardim da primavera
num dia de sol.

Despejar aos poucos as pedras mágoas
guardadas nos bolsos furados,
livrar-se do que não faz bem
sem magoar ninguém.

Imaginar o futuro verde, boiar nas águas azuis,
esquecer das mãos cansadas do velho pastor
que se escraviza todo dia
nos envelopes do político.

É preciso viver assim,
descompromissado com o erro
desapaixonado dos papéis.

Eu preciso de botas pras novas léguas,
as botas que eu comprei num sonho
marrons cor da minha terra -
esta eu já posso dizer minha.

Eu preciso viver a intensidade do teu sonho,
nele estão o jardim da primavera, os sóis,
o futuro verde, as águas azuis.

O compromisso com o nada ter
e a paixão renovada na folhinha
que nunca vai correr veloz
fugindo assim de nós.


CRiga.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Sobre a fogueira


O cheiro queimado de carne,
a minha carne
sobre a fogueira do inferno alheio.

Terroristas são apenas terroristas,
deixam pistas do ódio enrustido em orações de sua língua.
Marcam a pele branca mais leve e mais fácil
com o fogo da ira que sai de suas narinas.

É dragão com patas de elefante louco!
As costas não suportam,
as minhas costas viram tapete em seu safári.
E como pesa carregá-lo baforando excentricidades.

É o aviso da caveira
numa receita de floral de Bach.

CRiga.


domingo, 19 de fevereiro de 2017

Sinceridade


Quero ser justo – mente!
Dente sem juízo.

Quero ser simples – tente!
Pena que boia no ar.

Quero ser sempre
saudosista assim pra frente!

Acreditar...

Eu sou justamente
simplesmente assim:

olho no olho
a calma, a gente,
apenas quem crê.

CRiga.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Gangorra


Aperto na aorta.
Urgência. Um saco!
Inês não está morta.
Quer tempo. Precisa.
É fato. Vem logo...
Acerto, erro, água, fogo.
Ponto positivo, xis nas costas.
Sexta que não é 13,
à noite há bruxaria.
Corta o rosto, faça a barba,
evite o molho, evite o sal.

Tudo isso faz muito mal.


CRiga.


Estação dos olhos verdes


Eu não tenho muito tempo, me devolve este sorriso.
Entre a vida sem lugar para sentar no banco do trem
e a morte presa às orações que não acredito,
eu insisto te procurar porque daqui a pouco
seremos apenas pó na multidão difusa.

Não és musa, nem amor de uma vida.
Apenas verdes olhos distraídos
preenchendo o nada nesse ar
muito devagar.
A porta se abre, você se esvai feito gás neon
deixa um rastro colorido,
florido vestido da ternura.

Eu tenho todo o tempo do mundo,
me devolve o pouquinho que você tomou.

Entre a morte de voltar às ridículas orações
e a vida de corações confusos,
eu continuo, no escuro,
até a próxima estação.

CRiga.



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Olhe o lado bom


Não será toda vez.
Mas toda vez que for
valerá pelas que não foram.

Você tem de onde tirar
o sustento da família.
Mas quem vai sustentar
o corpinho do meu filho
quando ele cair da bicicleta?

Há os dias de semana
que você poderá aproveitar.
Mas encontrarei nestes dias
amigos, filhos,
o amor de aproveitar?

O peito pesa nestes dias
que você precisa matar estes poucos de si.
Compensam os meses, anos,
que você envelhece por antecipação?

Não será toda vez.
Mas toda vez que for
o coração baterá mais rápido,
mais letárgico – uma pata de elefante
esmaga aos poucos por dentro o peito
até que valha a pena conseguir enxergar
o tal do lado bom
das coisas que te matam.


CRiga.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Sapato velho


Uma das piores sensações de um homem é o estágio em que ele sente vergonha de seus sapatos. É quando toda a humildade que ele sempre cultivou não vale mais que a falta de lustre e couro. Quando o engraxate se torna padre confessor.


CRiga.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Crônica da saudade do que ainda não foi


Eu hoje sonhei que barbeava meu filho. O rostinho era o mesmo, de criança, suave, bonito, pérola de infância aos 12 anos. Apenas alguma “barba” havia, lisinha, e eu era só o medo de lhe cortar. No final deu tudo bem: barba feita, sem machucar. Seus olhinhos azuis me encaravam sérios, sua meninice que sempre me comove me deu força. Afinal, sonhos são assim, estranhos, mas que te pegam de alguma forma.

Acordei, e eu era agora uma triste sensação, o dia em que não mais terei aquele rostinho de criança para olhar, beijar, acariciar. O dia em que seus olhinhos azuis poderão ser apenas os olhos perdidos de um rapaz procurando identidade ou minhas lâminas de barbear. O rosto do cara desviando do meu na festa que não será mais minha, à procura do que será seu. Será o momento em que caída toda a areia do tempo, a ampulheta revelará depois do vendaval da idade: tens pouco o que lhe interessa.

Corri ao seu quarto, cama vazia, ele este ano começou a estudar de manhã. Acorda mais cedo que eu e a mãe, arruma suas coisas, um copo de leite com chocolate, pega a blusa em nosso quarto e corre pra pegar a van que ele reclama nem conseguir fechar a porta, observado pelos adolescentes com olhares sonolentos de irrelevância. E me veio de novo a brisa fria de uma futura solidão: a saudade do tempo em que eu poderia dizer bom dia, boa aula, eu te amo. Depois será boa tarde, onde vai, fica em casa conversar, eu tenho um conselho, deixa eu te falar...

Tomei café, fui trabalhar. Ritmo forte, correria, muita ideia pra ter e executar, o dia a dia que te toma os sonhos e a essência. Mas no meio da tarde, um estalo, me veio a imagem de meu filho e seu rostinho de criança. Parei tudo, parei aqui: será que um dia precisarei ensiná-lo a se barbear? Será que um dia vou me perdoar pelo tempo que insisto em perder?

Mas o engraçado mesmo é sentir saudades do que ainda não foi. Meu filho hoje vai dormir mais cedo, e eu preciso lhe encontrar. Amanhã eu preciso acordar mais cedo, e que bom: ele ainda não precisa se barbear!

CRiga.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Tristeza



Desfila sorrateira
às vezes montada no cavalo
do monumento no Ibirapuera.
Ou estampada nos olhos do anjinho
da fontezinha do bulevar.

É uma respiração profunda
tentando dar ritmo ao dia
e ao coração cansado.

Câmera lenta, você tenta engolir,
é café amanhecido.
Um drama de atores sem fama,
uma cama que não quer te largar.

Pousa nos teus ombros as mãos pesadas
enquanto em frente a um computador
você se pergunta como se deletar dali.

Marca com as unhas por dentro do peito
feito prostituta velha, bruxa fedida.
Gata preta no cio te gritando
lá no fundo da cabeça que pesa bigornas.

Beija sabor sangue, congela o estômago,
amarga a garganta, chuta os testículos.

Sopra um vento polar na nuca,
parece que nunca existiu verão.


CRiga.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Dias eternos de amores modernos


Lídia olhava a caixinha de música quebrada. Deveria chorar, mas não chorava. A bailarina manca e a música desafinada já não afetavam mais.

Lídia não esqueceu o batom vermelho na bolsa, nem o preservativo comprado, em segredo, naquela farmácia de esquina. A inveja da solteirona do balcão podia denunciar. “Foda-se!”, palavra da moda.

Lídia deixou pra trás uma vida de menina. Perdeu vontade de chorar por brinquedo quebrado, perdeu a atenção nos bordões da mãe, perdeu a doce virgindade lenda das conversas de chá da tarde.

Enquanto destoava nos gemidos, misto de dor e de novo prazer, uma bailarina manca fazia as malas. Não havia príncipe nessa história de amores perfeitos, porque nem Lídia esperava telefonemas de dias seguintes. 

Nem mesmo aquele soldadinho de chumbo, herói de outrora a declamar poemas ao pé da caixinha, havia mais – perdeu uma perna na guerra da puberdade, e aposentou-se beberrão numa cadeira de rodas pela cidade dos brinquedos fantasmas.

E o amor, descrito num velho livro de contos de fadas, agora apenas mascava chicletes despreocupado, parado na chuva com guarda-chuva furado, esperando um ônibus qualquer.

CRiga.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Não caia do cavalo, mais uma vez


O dia que começa rangendo os dentes...
À minha frente, desafios de recortes de jornais
onde o papel ignora quem quiser.

Esse contorcer de veias e artérias
acelera o pulso, atormenta o espírito.
Deveria ser velho conhecido de mesa de bar.
Ele é o monstro cotidiano que te come pelas beiradas
e te recria pro novo dia.

Porque o conforto confiante é a espora invisível
que machuca o cavalo manso que te carrega,
e que te derruba.


CRiga.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Atrás dos olhos azuis


Há gente que não acredita que estou lá. Mas cada vez que estou em algum lugar, tenho certeza de onde não quero ficar.

Quando falta o adjetivo costurando o verso que você procura lá no fundo, até forjando doces memórias, é porque morre um pouco de ti no moedor de carne das avenidas, das vidas que não te importam. Adoece o talento de curar feridas d’alma elogiada apenas discreta. Impossibilita o trago na fumaça confusa, fazendo das nuvenzinhas sem graça que pairam sobre teus pensamentos o doce algodão doce com gosto que ousa um Drummond.

Há um poente doente, o dia de sol que não vi, o calor que não senti. O ar condicionado me rouba a tentativa de brisa, porque a briga das máscaras neste sempre carnaval me afasta, me gasta, me dá gastura e vontade de fugir.

Os atores são os mesmos, os cotovelos invisíveis querendo espaço no alto verbo, no alto relevo. Às costas as pás cavam as covas, dê um passinho, por favor... O chão de madeira velha é polido pro tapete bem deslizar.

Ferino, felino, rapina, estou em cima sem você me sentir. Sem braço, mais um João, finge-se aleijado, mais um abraço, beijinho de oi e de tchau. Eu hoje nem beijei meus filhos, me deixe afundado na honestidade que luto pra não se envergonhar.

Faz tempo que não vejo gente assim, aliás, me faz um bem não reconhecer de cara: meus olhos azuis, fiéis como um cão, são estes mesmos que você sempre verá.

CRiga.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Os garotos guerreiros


A vida que segue
também mede a resistência.
Se tem medo, nem vai –
fica em casa debaixo do cobertor!

Até que o barulho ensurdecedor
das crianças brincando na sala
te derrube no assoalho da ilusão:

são elas as donas de sua vontade
dos seus passos, dos seus medos.

Quando eu era moleque
brinquei sozinho de matar dragões.
Meus meninos dizimam exércitos
num jogo de computador.

Diferenças não fazem diferentes.
Por eles suporto qualquer guerra,
não há terra que eu não vasculhe
procurando risadas, sorvetes
e as doces conversas do jantar.

Fossem comigo ao campo inimigo,
cantariam, contariam piadinhas.
A batalha seria mais linda e leve,
seria breve, e a gente venceria.

A gente voltaria tomando sorvete,
contando os dragões que tiveram fim.
Quando eu era moleque, faz tempo,
sempre quis guerrear assim!

CRiga.


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

As doces receitas de nossas vós


Há um ritmo da vida que confunde a alma.
É quando você não reconhece que ela acontece,
que o sol vai nascer independentemente
do que você resolveu achar dela.

A deliciosa surpresa é quando na coragem da luta dura,
na tristeza de descer degraus, de subir ladeiras,
você se depara com você mesmo no topo
sorrindo – marotice!

Que idiotice amaldiçoar seja lá o que for,
que invencionice adotar a dor
como inspiração de poesia.

Todo dia nasce conforme a receita de bolo
que tua vó guardou num caderno do antigamente.
Dona Maria Leite, vovozinha Aparecida!


CRiga.


domingo, 5 de fevereiro de 2017

Meu domingo com Caetano


Domingo é mais que o dia
de lembrar como a semana foi.

É o dia de fuçar fotografia
relógio velho do avô
que ainda funciona muito bem.

O bilhete que você guardou,
o disco novo que você ainda não tocou.
A arrumação pela metade
que nunca ninguém vai arrumar.

A vontade de chutar a segunda,
sempre há uma segunda chance:
o dia em que o lance duvidoso
é o pênalti que você precisa.

Domingo é sempre lindo,
é a semana à frente vindo
com aquele ar de engolir.

Mas o que me importa mais, meu domingo,
é meu filho, sempre tão lindo,
que continua triste procurando o sol
que não o sol que a gente
conheceu sempre tão bem...

Domingo é sempre lindo.
Só meu filho que não percebeu.

CRiga.



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Montanha russa


Você quis o perigo,
flertou sem admitir o medo.
Depois da subida, a queda –
mas uma hora
tudo vai parar.

Daí de novo você vai querer provar
que, ainda vivo,
não tem medo do perigo.

Tristeza maior é não arriscar,
pior é morrer ainda respirando
mas ruim é viver
também perdendo o ar.


CRiga.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A bola démodé da vez


Esta é a era do insano fora de moda –
triste também é ter de recorrer
à moda pra lhe esculhambar.

É muro, duro feito cowboy,
nem Hollywood mais dá bola.

Assola, ameaça.
É ultrapassado.
É Chaplin brincando equilibrando o globo,
comédia sem a menor graça...



CRiga.

O desafio


Quando a folha começa
em branco,
um traço, um tranco
começa a história.

Pode ser uma memória de infância
até um amor que passou.
Mas o pulso quer insistir, correr
machucar o papel com a ponta do punhal –
vale também com caneta especial.

À luz de velas, luz elétrica
vagalumes ou olhos de gato.
Sobre o apoio da mesa riscada do bar,
sobre a capa do velho vinil
do flash back que não toca mais.

Basta não ter medo do branco
ninguém é santo nem demônio
todo mundo amou e odiou
sorriu, chorou, morreu um dia
renasceu no outro contando
como é ardente aquele inferno
ou como é chato aquele céu.

A nossa vida tem todos os defeitos,
os pesos que o papel pode suportar.
Mesmo o borrão da lágrima que cai
escreve o tempo que o espírito precisa
pra se reencontrar.

Desafio é encontrar palavra
pra alma que é certeira,
mas sem simples tradução.

Quando a folha termina
escrita,
ela não imita
nem nunca encerra a história.

Insista.
Queremos ler-te linhas,
ver-te vencer os brancos.
Traduzir-te.

Para Danilo


CRiga.