quinta-feira, 28 de junho de 2018

Entre o ser e o estar


Estou mais para um solo de guitarra,
sem palavras, um rock batido.
Olhos semicerrados, outra dimensão.
O buraco negro tá sem cor.

Estou mais para o tubinho vazio de creme dental.
Esconder sorrisos, melhor repor a dispensa.
Uma saidinha bem perto, ali na mercearia,
tem dia que é melhor ir só até a esquina.

Mas quem dera o sol do bairro...

Quem dera o olhar da vizinha tão linda
cochichando sobre o muro...

Quem dera o cochilo da paz na tarde,
faz tempo que não chove confortos...

Estou mais para um tolo, um touro velho.
Patético na arena que não quer saber.
Suplico a espada, o toureiro tem pena.
Uma criança me acena sorrindo desesperanças.

Estou mais para o papel em branco
amassado com raiva, jogado no cesto.
Tem épocas em que transbordam pensamentos.
Tem outras em que não adianta mesmo trocar o lixo.

Estou mais para apelar ao que conheço.
Eu me esqueço de mim, faço a barba pra lembrar.
No espelho jaz a cara de quem tá perdido.
Um cara que tá pedindo pra dormir.

Estou mais para dormir que nada ver acontecer.
Eu sou agora o sono eterno de querer fugir.
Faz tempo que não sonho.
Faz tempo que não acordo.

Faz tempo que a alma fugiu de mim.
Ela hiberna não sei onde, incomunicável.

Estou mais para deixa-la dormitar quieta
que acorda-la sem ter o que fazer.

Estou mais para menos.
Mais para não estar.
Faz de conta que você não viu.
Faz de conta que você não leu.
  
CRiga.



terça-feira, 26 de junho de 2018

A festa


Dali em diante, fêmea decidida,
tomaria todas as bebidas da festa.
Amazona bruxa louca varrida
varrendo homens de sua vida.

Glicose na veia nunca faria efeito.
O coma na cama nunca levaria 
esta espécime rara da natureza. 

Nada a deteria, nem os olhos azuis
nem novo romance de guardanapo.
O vestido curto vermelho já incomodava,
queria mesmo era o moletom de domingo.

Pra puta que os pariu os caralhos!
Pra que lágrima se o corpo não dói?

Rodou o gelo no copo de whisky
e uma pontada gelada no peito
acordou o bicho mais sangrento:

Solidão rangendo
mordendo dentro
comendo um salgadinho frio
e um coração.

CRiga.



sexta-feira, 22 de junho de 2018

Procissão


Destrua os olhos roxos
querendo esconder pecado.
O mais pecado dos pecados –
ousar não ter pecado.

O suor do santinho a caminho
daquela fontezinha artificial
não purifica o asfalto caro
amanhã forrado de santinhos
de campanha eleitoral.

Os fogos do céu são bonitos
tão bonitos quanto o fogo
debaixo das saias das meninas.

Não creio em fonte, creio no fogo
que não mente nos olhos roxos
que não sente por pecar
e que vive santo, sem machucar.

O pecado mora aqui mesmo
não precisa procurar ao lado.

CRiga.


quinta-feira, 21 de junho de 2018

Rimar amor com travesseiro


Há perguntas que de tão simples
armam tempestades.

Você me ama?
Por que não gosta mais de mim?

Nem flores nem dores adiantam.
A esperança, a bonança,
rima pobre, roubada poesia,
nada depois de hesitar na resposta.

Mas há respostas que de tão francas
devolvem as coisas no lugar.

Eu não te amo.
Eu não gosto mais de você.

Sem desvios sem rodeios,
seta que aponta firme e certeira
a estrada à beira do precipício –
rota difícil, a vontade é de pular.

Há amor que de tão confuso
não sente nem sabe
se ama de verdade –
não mente mas omite
insiste corrigir e fica sem sentido
na insônia de um coração partido.

Há amor que de tão autêntico
não mente nem acena,
é seco para o sim e para o não.
Não sente pena, diz a verdade,
dorme o sono de quem ama
simples, sem vaidade.

CRiga.



quarta-feira, 20 de junho de 2018

Procuro qualquer rima


Amores.
Dissabores.

Uma cicatriz que não diz –
grita!

Eu tenho pouco tempo
me sangra
me estanca.

A pedra bruta no caminho
é muito cara, meu poeta...

Há um palco de atores que falham
falam dissabores
tentam arrancar amores.

Mas a terra é seca e eu sou o sol ardente
e a falta de chuva também.

Recorro a uma esquina, covardia.
Não existem amores perfeitos –
são mais espinhos que a rosa.

Eu morro a cada tarde, a cada dia.
Há dissabores que têm sabor –  
são vermelhos morangos demais amargos.

Depois de muito tempo eu quis escrever uma poesia.
Ela me soou enjoada, sóbria demais.
Um dia acerto o passo, recompasso, reconto estrelas.
Invento palavras que rimem com qualquer lugar.

CRiga.

domingo, 10 de junho de 2018

O perdão é cinza


Teus olhos são assim
pra mim
cinzas de um tempo sem cor.

Os teus olhos são
um misterioso e eterno cinza de dor.
Quando eu quero de verdade alcançá-los –
miopia!...

Eu só vejo o dia
um dia
todos os dias em que errei.

CRiga.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Ao vivo no Teatro Castro Alves



Meu psiquiatra será um músico?
Meu presente sempre agora.
Uma música sempre linda incidental
que nunca acaba em nosso espiral.

Meu cientista será um poeta?
Meu futuro entende qualquer conta errada.
Soma aí uma trilha sempre presente
que nunca chateia o momento da gente.

Ao vivo eu canto danço trato declamo!
É porque os caras sempre ficam assim 
brilhando sorrindo cantando
na capa do disco que eu sempre garimpo.

Para Caetano e Francisco

CRiga.  



quinta-feira, 7 de junho de 2018

Pecados



Vivemos sob os escombros de nossos medos,
traumas e erros.
É escuro lá, você não me vê, tudo bem:
eu me distraio cometendo pecados
calados num mausoléu ateu.

Original é conter os atos,
não descobrir a ferida profunda.

Capital é a cabeça que pensa,
o coração que só quer recompassar.

CRiga.



quarta-feira, 6 de junho de 2018

Dó, si



Eu não tive o brinquedo que pedi.
Mas vi meu Noel sem jeito
quando contava migalhas do seu bolso.
Ele era muito bravo,
um adulto de dar dó.

Eu comi o x-salada que queria,
ela sacou da condução a ficha no caixa.
No balcão da lanchonete a coca veio quente 
pela metade oferecida 
por um adulto amigo talvez com dó.

Eu vi meu vô pelado na sala.
Ele assoviava, nu com sua dor.
Criança, eu não sabia
o que era sentir dó nem sentir dor.

Eu com dó de mim, matreiro trapaceiro,
minha vó prometeu me defender:
bola de meia em cheio, vidraça quebrada!
Mas quando mamãe chegasse cansada
não brigaria comigo não.

Dó, ré, mi.
Faz um favor pra mim?
Canta um sol melódico 
lá naquele meu futuro melancólico?

Pode ser a partir de si. 
Seja lá o que for 
sem assim tanto dó de mim.

CRiga.



segunda-feira, 4 de junho de 2018

Quermesse


Vida besta procurar preocupação.
Bom é procurar no inverno novo
um tempo antigo de curtir no frio
o mesmo couro da velha jaqueta.

Vem que hoje tem fogos de São João,
vinho quente e quentão
debaixo da saia das meninas –
por isso é que não sentem frio
nem nossos corações partidos.

Mas as intenções são as mesmas.
Uma Maria quer casar,
uma Joana viuvar.
Quando Zé pescar o prêmio
a namorada vai enciumar.
A prima de visita quer ursinho,
ela tem lindos olhos de um verde
que nem a bandeira do Brasil!

CRiga.