quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Cinedrama



Sou tapete que de vez em quando serve de piso fofo aos piedosos pés descalços, porém carrego o pó do submundo mais sub do possível sub, incrustado nesse pau de cruz à beira estrada que não leva a nada nada, uma cruzinha muito da safada que indica nossa morte em alta velocidade numa estrada esburacada e num carro velho de filme de sessão da tarde, quando em fração de segundo o choque de encontro a um caminhão de lixo lixo lixo dirigido por mim mesmo precede o happy end. Pronto. Ponto final.



CRiga,
em bom dia de chuva desta Primavera...

terça-feira, 29 de setembro de 2015

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Procissão


Destrua os olhos roxos
querendo esconder pecado,
o mais pecado dos pecados
ousar não ter pecado.

O suor do santinho a caminho
daquela fontezinha artificial
não purifica o asfalto caro
amanhã forrado de santinhos
de campanha eleitoral.

Os fogos do céu são bonitos
tão bonitos quanto o fogo
debaixo das saias das meninas.

Não creio em fonte, creio no fogo
que não mente nos olhos roxos
que não sente por pecar
e que vive santo, sem machucar.

O pecado mora aqui mesmo
não precisa procurar ao lado...


CRiga.

(Barueri, dia 24 de junho de algum ano)

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Um beijo, uma mensagem

(foto de István Zsíros - clique para ampliar)


Enquanto d’algumas saem impropérios imperialistas,
d’outras saem inspiração de paz.

“Todo beijo, seja qual for o desejo
Quem há de dizer que não?
Dente, língua, coração
Seja a boca exata ou não
Todo beijo em si é sempre são”


CRiga

 

A Primavera de Laika




Era uma noite chuvosa. Entrei naquela mesma casa que conhecia dos meus sonhos (e que um dia, vários dias, estive de fato, em Diadema). Uma casinha triste, escura, com tijolos à vista por fora e por dentro. Cumprimentei minha mãe e a Karina, e escutei um choro – misto gente, misto cachorro. Janaína, minha querida irmã, estava ao lado de fora, com nossa cachorra Laika ao colo, e quem chorava muito era Laika.

Dia seguinte, dia de sol, lindo. Estávamos no quintal de casa – esta, velha conhecida de nossa infância, no bairro do Campo Limpo. Laika corria pra lá e pra cá, alegre, vibrante, brincando muito como antes. Sobre uma mureta, ela veio por trás de mim, me “abraçou” e me “beijou” muito carinhosamente.

Daí acordei deste sonho, quase com lágrimas nos olhos. Na noite anterior, Janaína me enviara uma mensagem: Laika teria de ser sacrificada, e a Beatriz, minha sobrinha-afilhada, estava inconsolável. Foram muitos os esforços para mantê-la viva, consultas a veterinário, remédios, tudo. Laika estava velhinha, cega e surda. Roçava o corpo contra a parede de tanta dor. E o sacrifício, por mais doloroso que fosse, era de fato a única solução.

Quem já teve um cachorro sabe que o animalzinho vira parente da gente. E é duro lidar com sua perda, assim como é duro lidar com a perda de um parente. Eu perdi Tobi, num enxame de abelhas; Janaína já perdera Coquinho, que morreu nos braços dela à espera de um remédio que chegou tarde; meu pai perdeu Sofia, linda e inteligente, também já velhinha. E tantas e tantas outras histórias devem ter os que já perderam este querido parente da gente.

Um parêntese: nesta manhã, antes de levar Francisco e Caetano à aula de música, eles ensaiavam uma canção na flauta: “Primavera”, de Tim Maia. Coincidência ou consequência, hoje chegou a Primavera, linda, quente, com sabor de renascimento.

Meu sonho era também coincidência ou consequência – mas da triste mensagem de Janaína na noite anterior. E tudo se encaixou como uma novelinha: numa triste noite chuvosa e escura, Laika, doente, ia embora; mas no dia seguinte, na Primavera, ela estava bem, feliz, marota como sempre.

E é esta mensagem que quero passar pra Bia:

O outono e o inverno se foram. Este tempo, quando as folhas caem com esse jeitinho da morte necessária, porque ela faz parte da vida.

Mas agora é Primavera! É quando as flores nascem mais coloridas, as árvores ficam mais belas, tudo renasce após o inverno e o outono. É como a Laika: ela vai porque precisa ir, mas estará melhor, meu amor.

“Porque é primavera
Te amo, meu amor
Trago esta rosa para te dar
Meu amor
Hoje o céu está tão lindo”
"Primavera", Tim Maia


CRiga