quarta-feira, 31 de maio de 2017

Limo no fim do dia


Faca cega não corta palavras, e hoje há um papel amassado afixado na porta da geladeira com um imã daqueles bem bregas. Hoje desperdicei o fio falando sobre o que não vai mudar a vida de ninguém. Agora que é fim de dia nem precisava assim nada tão profundo, bastava um mundo onde por um segundo se pudesse sonhar (ou rimar ricamente...). Não estou mais afiado. Pedra gasta. Cerveja quente. Coca-Cola sem gás. Vinil riscado fritando ovo insistindo gritar na vitrola mono de uma caixa só. Um nó na garganta – o fim do dia não traz o sorriso de missão cumprida porque a louça grita silenciosa na pia...


CRiga.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Detesto cobrar e ser cobrado


Estes olhos sinceros de mar
talvez façam o papel da doce maresia.

Da espera pela boa porção de camarão,
pelo sol preguiçoso no final da tarde.

Mas há um barco à busca do peixe
que precisa da gasolina.
Há a menina que pede um biquíni novo
senão vai usar o maiô do desprezo.

Se te dei a corda que ainda sei trançar,
não me trate como pirata em alto mar.

Sei navegar, precisamente.
Sobreviver,
necessariamente.


CRiga.


segunda-feira, 29 de maio de 2017

Ritmo do envelhecer


Coloquei nos olhos o sal,
lágrimas de fel sem gosto.
Faz tempo que a gente não chora
não cora, sem vergonha.
Faz dias que a vida corrida
é ferida que volta a coçar.
No final do mês o vil metal,
nada vale o que não vi.
No final da vida o arco-íris,
lado errado sem pote de ouro.
Ritmo é o barulhinho do teclado,
ao lado os vizinhos fazem amor.


CRiga.


quarta-feira, 24 de maio de 2017

Headphone


Dias que não voltam.
Apenas uma pluma molhada
na calçada de nosso carnaval.

O tempo que me resta
é a guerra que ninguém vence.
Esta terra arrasada sou eu,
nada floresce, eu me engano,
os dedos correm sem destino certo.
Como ontem, o desejo é frio.

Um contrabaixo me controla no solo.
Um voo em plena tarde
interrompido pelo barulho
que a louça não faz na pia.

Eu paro com o trabalho,
mas me pesam obrigações.
Necessidade de rapidez arcaica
ao escrever um poema sincero
antes da execução das seis da tarde.


CRiga.


sexta-feira, 19 de maio de 2017

Margaridas na calçada


Não sou nada que mereça
este teu singelo sorriso
de eternas boas-vindas.

A não ser que estejas me convidando
para o tempo das calças jeans surradas
bolsos íntegros porém vazios
margaridas colhidas na calçada.

A gente se armou de caras armaduras,
a gente se amou mas esqueceu.
O bronze pesa na cintura sem jogo,
perdemos o jeito de gritar o gol. 

Não quero estar assim alerta,
dar respostas exatas de planilha.
Esteja certa, daqui a pouco
a agenda na cama sem sono
será o amor frio de uma calculadora.

Vem, me convida, não anote.
Me dá a sorte de rever a noite
que a gente vai reinventar.

CRiga.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Papai, traz uma bala?...


(fotos de Evandro Teixeira)

São moleques meninos de bolsos furados
que perdem as balas no alto do morro
entre barracos,

mas são pais que choram a bala perdida
ardida nas camisetas furadas
dos filhos que acharam sem procurar.

São meninos e meninas abandonados em sacos
são feitos fardos que não se quer carregar,

mas são pais de verdade os que tomam nos braços
o recém-fardo, e feito conto de fadas,
se transformado belo sobrevivente dos jornais
é transformado também futuro adulto pesado
feito fardo travado no coração magoado.

Quem merece a bala que não é doce perdido,
o abandono que nem a escuridão deseja abandonar?

São pais que choram filhos de bala perdida
são crianças que choram sozinhas, roucas
esperando pais voltarem das esquinas loucas
trazendo a bala resgatada do bolso furado
com doce sabor de redenção.

CRiga.


quarta-feira, 17 de maio de 2017

Saudosismo na ponta da língua


Há na gente essa língua lambendo,
dente mordendo lábios.
Vontade.
Jazz do bom.
Concentração no trabalho.
Sensação de ser paralelo,
professor, reaprendiz.
Há um olhar no imaginário horizonte,
a busca pela juventude com respostas.
Tuas costas sobre meu peito,
a transa no verão.
As mãos dadas são sinceras,
não tenho mais olhos pr’outras belas,
é verdade, meu amor, são só pra você!
Enquanto a gente aprende o encaixe,
os garotos quase na adolescência
voltam a curtir o Lego guardado
no guarda-roupa sempre mofado.
É que só quero escrever uma poesia
que não me comprometa mais um dia –  
hoje resolvi ser resolvido!

O entalhe do punhal sobre o cedro
é o mesmo da faquinha fajuta do 1,99.
Corta pra gente o pão de hoje,
alimento do sempre
o mesmo bom antigamente.


CRiga.


terça-feira, 16 de maio de 2017

Chuva ladeira


Serei somente o galhinho levado
pela enxurrada. Ruas artérias,
durante a sarjeta. Que seja.

A caminho do córrego claro.
É claro que sonho navegar
no rio.

Agora, meio-fio,
e na hora certa
canal certeiro à certeza
de nunca mais apenas boiar.


CRiga.


segunda-feira, 15 de maio de 2017

Questão de escolha


Quer caminhar no veludo,
pantufa.

Bom é ser faquir que estufa o peito
respira fundo
e serpenteia entre o aço.

O picadeiro é sempre o mesmo,
depende só da temporada.

A moça loira bonita ainda te vê,
mas você, coadjuvante,
planeja os banhos no elefante
até poder ficar na paz da aldeia.

Quer a prova da terra fofa,
anda descalço, pisa na pedra,
a sola se assola mas vira calo.

Cala a boca, não reclama,
quem ama dormir no ponto
perde a caravana da paz do amor.

CRiga.


sexta-feira, 12 de maio de 2017

Lacunas na semana


Algumas coisas acontecem
e não são no meu coração.
A semana vira curta
mas os dias são sem fim.

Eu hoje estoco textos
pra não falhar um dia
com você que me espia.


CRiga.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Não há lugar ao sol nem ar condicionado


Segurança é insegura, camará.
Cai do galho, se machucar.
Vira os olhos na loucura.
Troca as pernas na correria.
Queima a língua com café.

Só não fica feito paxá fora de moda.
Buda que cumprimenta com o dorso da mão.
Dono de verdades convenientes.
Vem que cem te esperam na fila.
Alguns dando risada. Outros estendendo a mão.

Não importa. Trono é coisa de rei gordo.
Agarra os papéis que te oferecem.
O bobo da corte tem sorte.
Morte é certa pra quem quer pena.


CRiga.

Padrinho


Lá na casinha, dias de festas juninas na doce infância,
minha dupla sertaneja preferida!
Padrinho e tio Polaco -
“Inhambu-xintã e o Xororó”,
“se você no céu conseguir entrar,
abra um buraquinho para eu passar”.

Junto a minha prima numa praça da mesma infância,
ele segurava o selim da bicicletinha
para eu e ela aprendermos a se equilibrar.

Já adulto, aprendi a dirigir.
Não sem antes ele no banco ao lado
numa estradinha interiorana
me dar “os toques” de um bom motorista.
Na praça de Pinhalzinho deixei o carro morrer,
e ele, com a mesma serenidade de sempre:
“calma, calma…”

Doces são as lembranças…
E você no céu,
com certeza,
conseguiu entrar!

Dedicado ao grande tio e padrinho, Irineu
que ganhou o céu no dia hoje, 11/05/2012


CRiga.



quarta-feira, 10 de maio de 2017

Brisa na esquina


Desde quando você não passou pela minha rua,
fui pedra na esquina
atirada na vidraça, você me quebrou.

Então quebrei caminho, um atalho,
pra esquecer os teus passos
aqueles frios, compassados,
quase descalços
no asfalto quente da ladeira sem fim.

Há uma prece no vento que por um tempo
se calou, mas eu vi tua fotografia.
Eu vi o dia em que você, distraída,
atropelou os carros da avenida
pra desviar da minha rua.

Desde então apago tuas pegadas. 
Mudei-me, distantes cidades,
o estado de espírito.

Minha rua tem agora edifícios
e um quê de falso aconchego.
Mas eu ladrilho de muitos brilhantes
boas lembranças
se é pra você passar.

CRiga.



segunda-feira, 8 de maio de 2017

I feel good


Segunda-feira de sol
nem sempre é só amor
nem sempre é só trabalho.

A busca pelo vil metal
uma nova forma de sobreviver.

A entrega em pitadas, receitas de domingo.
A falsa embriaguez, a falta que nos faz.

A música pra mim, o tempo que perco
eu não te ganho mais, onde estamos?

Créditos que vão embora, um cartão
pra depois a gente jogar fora
esquecer daquele emprego infernal.

A pele ferve faz tempo,
há um novo tratamento até a próxima alta
ou até um novo remédio resetar o sistema.

Eu tenho pena de quem me odeia
mas eu também odeio.

A semana começa com um sol sorrindo
um dia lindo pra dizer um não.

CRiga.


sexta-feira, 5 de maio de 2017

Maldizeres, maldições


Minha pele ferve não sei o que.
Eu não devo. Devo estar enganado.
Eu tenho amado devendo amor.
Eu temo arrancar sangue das feridas.
Eu. Eu. Eu.
Meu corpo não me responde.
A rima pobre se esconde.
Não quer presenciar o funeral.
Eu não sou mal. Talvez desequilibrado.
Eu tenho sim o medo da carne romper.
Vergonha do meu corpo marcado.
Serenamente, sinceramente,
quem mente sou eu, minto pra mim,
eu não posso confiar.
Eu. Eu. Eu.

“Corre ácido sulfúrico
na veia violeta.
Sangue venenoso,
maldizeres, maldições.

Não leve a mal o corpo que demonstra,
ele só se veste, na pele branca,
das feridas que a alma tem.”


CRiga.


quinta-feira, 4 de maio de 2017

Satélite


Não há nestes dias estranhos
aquele que me diga “você não pode”.
Por isso enquanto der eu avanço,
danço conforme minha composição.

Minha música tem a simplicidade
dos primeiros garranchos de um garoto
que aprendeu a ler com revistinha da Mônica
e a doce irmã ajudando nas sílabas mais difíceis.

Minha dança tem o olhar de quem chama
à valsa sincera dos quinze anos, sem sedução.
Apenas flores no salão, o vigor da juventude,
o brinde dos amigos, tudo vai certo,
se a força acabar a gente acende vela.

Minha pintura tem as cores que me dão,
as que estão nas vozes das fadas
e das bruxas que têm algo de bom.

Minha poesia tem caminho que sei,
não preciso fincar avisos nas árvores da mata.
Eu me perco mesmo assim,
e é assim que vale mais.

Porque reencontrar-se é sempre luz.
É declamar um texto aos amigos,
rir com os queridos,
dedicar-se na escolha da canção.

Brigar só pelo pescoço da galinha caipira
que sobrou lá no fogão improvisado
da panela de barro da patroa.

Disputar quem viu mais estrelas cadentes
satélites, constelações, 
aquela lua cheia do Dark Side
nascendo lá no vale.

Só não vale inventar o medo.
Meu amor, me deixa amanhã
não acordar assim tão cedo?

CRiga.



quarta-feira, 3 de maio de 2017

Rio (para Carlinhos Brown)


O Rio é lindo,
continua indo
rumo que não sei...

No Rio vi teu riso
pendurado no Cristo Redentor,
no Rio vi a dor
do Brasil ausente
no palco rock’ n’ roll...

O Rio é do Brasil,
mas teve um Carlos brasileiro
que bateu lata e pandeiro,
mas levou lata na cabeça...

O Rio corre o mundo
bate fundo no coração da gente,
mas lá o Brasil alegre
pode parar num farol qualquer
com Carlinhos brasileiro
vendendo drops barato
pra gringo muito caro...

Cauê,
17 de janeiro de 2001
No Rock in Rio a galera jogou muita garrafa d’água na cabeça do Carlinhos...


terça-feira, 2 de maio de 2017

O que os aros pretos não escondem


Saudade é coisa que pega a gente, e a gente parece que não quer desapegar. Uma sensação de dor gostosa, a saudade que não dói. Sabe cutucar o canto do dedo, bicho de pé, café meio amargo, aquela cachaça mineira que desce rasgando? Saudade de alguém é assim, te tira um pouco do ar, você fica meio catatônico, mas gosta da cara de bobo quando vê a fotografia daquele ser que você quase esqueceu que ama. E percebe que nem o tempão que passou fez você sarar! É coisa que remexe a gente lá dentro, parece sangue gelado cortando o coração de compasso letárgico. É sentir frio no verão do Rio. É mentir que tá tudo bem, que amanhã a gente vem pra festa, mentir com o que está escrito na testa! Ora, ora… Saudade é coisa mesmo de curtir, mexer o gelo no copo do Scotch. Uma vontade de esticar o braço, abraçar, pousar as mãos sobre o rosto daquele ser, beijar! Ah, beijar… No beijo a saudade quase acaba. Mas sentir saudade junto a quem sente a mesma saudade é fogo na bomba! Tem gente que fala em matar a saudade. Mata não… Deixa ela meio moribunda, mas não deixa morrer porque senão o amor perde sentido. Sentir a saudade começar a reviver é como ver aquela velha orquídea florescer. Saudade é tocar dó ré mi fá na flauta doce, fechar os olhos e pensar no Bolero de Ravel!


CRiga.