quinta-feira, 30 de maio de 2019

Todo o céu para você


Menina distraída não viu o cometa.
Cometeu o erro de procurar felicidade
na esquina onde a alma curta
só foge da simplicidade.

A paz era apenas um só anel de Saturno.
Não precisava esperar rubi presente
do namorado que faltou ao encontro.

A lua cheia sorriu cheia de esperar
a busca pouca nem que fosse
romance de novela –
aquele tão fora do alcance dela.

Carnaval de astros e estrelas,
mas ela só via um menino nunca chegar.
Insistia no dia moribundo
da cidade que não sabe ser grande.

Grandes são os olhos de quem sonha.
Quem inventa no zodíaco borrado
uma história inspirada
em querer amar de novo.

CRiga.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Corda bamba


Às vezes a vida é dura, pendura uma peça.
Quem tem pressa
também tem preço.

O cigarro aceso, o arco teso
esperando a fácil presa.

A farsa e o farsante
o sangue
o corante.

Às vezes a gente corre
morre dormindo
sonhando com vida melhor.

Quem tem preço tem pressa
porque a farsa cessa
o sangue cora
e o farsante chora.

Às vezes a vida corre
fácil feito correnteza.
Leva a certeza no curso
de que escura só a noite
que inspira e vence o medo.

Quem tem pressa também tem medo
porque a farsa cessa.
E no final quem tem preço
é quem tem mais medo
de não conseguir chegar.

Quem tem pressa e preço
um cigarro feito pra queimar
um arco feito pra matar.

Uma farsa feita verdade universal
caída estirada
num simples ponto final.

CRiga.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Os noturnos


Os noturnos sabem bem
onde apertam todos os calos.

Alguns
simplesmente se calam.
Outros falam. E falam!
Ensaiando teorias.

Mas na madrugada serena
quase na primeira fornada de pão
sempre pedem perdão.

E com a mão acesa
incerta seta apontada no infinito,
também pedem sem maldade
a santa saideira da saudade.

Para Carlão

CRiga.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Não há lugar ao sol nem ar condicionado


Segurança é insegura, camará.
Cai do galho, se machucar.
Vira os olhos na loucura.
Troca as pernas na correria.
Queima a língua com café.

Só não fica feito paxá fora de moda.
Buda que cumprimenta com o dorso da mão.
Dono de verdades convenientes.
Vem que cem te esperam na fila.
Alguns dando risada. Outros estendendo a mão.

Não importa. Trono é coisa de rei gordo.
Agarra os papéis que te oferecem.
O bobo da corte tem sorte.
Morte é certa pra quem quer pena.

CRiga.



sexta-feira, 24 de maio de 2019

A pele que ferve


Estou louco. Sou. Só agora sei.
Suspeitava.
Suscitam vulcões na pele.
O sangue não é de todo ruim
mas não para de sangrar.

Sintomático. Sinto muito,
automático provoco feridas
em mim e em quem mais amo.

Os pés no chão me esfolam o corpo todo.
Eu desaprendi a voar fugindo da dor.

Um rapaz se matou enforcado
na casa ao lado.
A vida que é muito louca –
a mãe acarinhou seu rosto perguntando-se por que
e o pai quis forrar a garagem
pro morto não sentir o chão gelado.

Na verdade ninguém sabe muito bem
por que a corda nem sempre arrebenta
do lado mais fraco.

Faço um trato –
os domingos não serão mais loucos.
Apenas eu, à beira dos barbitúricos
que um dia mataram Elis.

Eles não vão saber por que –
nem eu sei por que minhas unhas cavocam
sôfregas procurando segredos nus
na pele branca agora em chamas.
E me chamam a atenção.

Eu me chamo louco.
Uma pessoa então comum.

CRiga.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

O ferro velho e a mesma novidade


A conspiração de fim de mundo
imundo conspira.
Inspira feito velha novidade
a insanidade.
Verdade é inventada conforme a conveniência
dos ferros velhos dessa vida.

Não tenho energia pra gastar contra quem julga,
contra quem enferruja
inventando mundos pra protestar.

A energia que eu tinha o conspirador já roubou,
já enferrujou.
Agora me basta o coração na goela
ouvindo do vento dissabores no ar
feito gás carbônico de carro velho.  

E todos dormem na garagem
sem saber que fumaça mata também.

CRiga.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Corretor automático (amor de rede social)

Precisa prestar
postar
a voz
não tem agudo
acentua e consente
amôr
como antigamente.

Não presta
é poste
faca muda
bem pontiaguda
erra e desconcerta
o amor
declaração de computador.

CRiga.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Juntos e shallow now pelo mito


Fique atento a quem tenta,
atenta contra a tua liberdade.

Não se sente e só assista,
não insista – você não sente
o chicote de impropérios?

Não siga o gado ao matadouro,
não ajude o coro ignorante  
dando continência ao falso capitão.

Não pule de cabeça nessa cega defesa –
não existe remédio nem contingenciado
pra cidadão calado com dor na consciência.

Não seja ridículo assim...


Abrigo da rima pobre (desilusão)


Rimei Rosa Maria e o anel
com um bordel muito velho
no centro da cidade.

Precisava correr dos faróis
porque tua aliança rolou na avenida
até um bueiro mais abrigo.

Remei na rota quebrada
água suja corrente na sarjeta.
Chovia horrores naquela noite.

E Maria no bordel amigo me deu de presente
uma rosa sem nome
e seu umbigo pra me esconder do mundo.

Rumei entre suas pernas como rumasse
a lugar qualquer que não fosse guerra.
Eu só queria poder chorar naquela noite
uma rima pobre de qualquer verso meu.

CRiga.

sábado, 18 de maio de 2019

A busca


Nos supermercados
te procuro entre os corredores.
No rock and roll
o show tem muitos rostos teus.
Pelas ruas, encruzilhadas
edifícios frios, albergues,
onde você está?

Meu coração já sabe teu nome
mas a boca não pronuncia.
Cala o passo alado levantando poeira
deixando só o cheiro de rosa
ou jasmim de casa eterna.

Te segui cordões umbilicais
duvidando que tinhas nascido.
O tango aprendi a dançar
pensando seres a diva de um cabaré.

Deixei o cabelo crescer
porque os hippies ainda andam por aí.
Deixei muito cedo o lar dos pais queridos
com um az e um rei de ouros
mas nunca ganhei o jogo.

Meu coração saiu sabendo
que caminho prosseguir,
tropecei na pedra que você atirou
de longe longe, amor,
e te vi virando a esquina
deixando um rastro de gasolina.

Ainda te procuro galerias e museus,
lugares frios, longe longe,
até te encontrar, até cansar
até a morte de fato nos separar.

CRiga.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Engula a vida!


Pode ser caco de vidro - 
diamante sofrido
ou copo americano.

Importante é engolir
com a alma do garimpeiro que agradece
a pepita do dia.

Nunca com o desespero
do alcoólatra no balcão de um bar.

CRiga.

Faro


Não se engane com o perfume.

Há mulheres cuja graça tem a pele
dos poros mais originais.

Não há franceses nem milagres
que inventem a verdade.

CRiga.


quinta-feira, 16 de maio de 2019

Um cinza profundo


Preciso mesmo é de um dia de chuva grossa,
o som das lâminas gotas contra a janela.
Calma. Cama. Silêncio. 
Um sono que vem e vai. 
Meia luz. Sem culpa.

O dia as pessoas nem nada vão parar
para você passar
com sua tristeza disfarçada.
Sua alma pesada, sua vista cansada.

Com tanto a se fazer o precipício soletra
o nada.
Poeticamente.
Pateticamente.

E eu não posso pular. Não quero pular.
A pele denuncia a bigorna sobre os órgãos
fervilhando pequenos vulcões em cordilheiras.
As unhas acendem as lavas às vezes vermelhas
e o coração silencia em letárgico descompasso.

Pleno sol de alma daltônica e afônica
e um sorriso sem graça que provoca afta.

CRiga.

Migalhas


A questão nem é contentar-se
ou não
com o pouco.

Para quem tem nada
a metade é o dobro.

Louco é quem para no tempo da certeza
enquanto o Tempo atualiza os sinônimos.

CRiga.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Finalmente outono


É o tempo das nuvens que me engolem
no final da tarde, melancolia.

Tempo de saudades à noite,
o som do pneu contra o asfalto
no resto de chuva confortante.

Ou da súbita alegria no raio de sol
que invadia e avermelhava a sala.

Tempo de abrir esta canastra
pra alma não mofar.
Pra desmofar
contidas tristezas do verão.

CRiga.


Concha trincada


Às vezes o homem pobre homem
cansa de entender
e se nega, simplesmente.

Deitar e dormir, então.

Mesmo assim insiste
bicho do mato
verme vermelho
mal do século.

Faltam Minas, a varanda.
Faltam a metrópole, a mesa riscada.
Nas entranhas do poeta
o cinza sul tripudia derrubando a poesia
instalando burocrático
a certeza que não presta.

CRiga.


terça-feira, 14 de maio de 2019

Onde eu possa plantar os meus discos


Espero que dos sinais da calmaria deste novo lar
venha aquilo que chamam por aí
“parar de esperar”.

Porque há um momento
em que deixamos de ser aqueles jovens
de petardos literários na ponta d’alma
errando e acertando corações.

É quando deixamos de amar as efemeridades
e nos reapaixonamos pelas coisas
que já são nossas há muito tempo.

CRiga.


segunda-feira, 13 de maio de 2019

Câmera lenta


Meninas brincam de ser adultas
e moças bonitas brigam com novos namorados.

O tempo urge na veia violeta
feito sangue que precisa correr
até o coração que soluça
silencioso
o desejo de amar.

Meninas pulam corda
e moças enforcam sextas-feiras.

À beira do coração que pulsa ofegante
nasce uma flor diferente, descontente.

Silenciosa
enquanto o mundo acaba
cego no barulho do nada.

CRiga.

sábado, 11 de maio de 2019

Agora (ou nunca!)


Estamos nós somente à mesa agora
este palco de atores sem hora.

Podemos assim dizer o que for
destruir tortos planos divinos
desafiar olhares, desafinar no coro
destoar no voo sem nexo
falar sobre sexo e anjos embriagados.

Tocar os dedos frios nervosos
armar a calma, desarmar a alma
relembrar o imemorial
e arcar com as consequências.

Voar, fugir
fundar uma seita
fingir sermos versos de um deus
ou ateus
ou o que quisermos ser além de nós.

A sós somente nós no mundo agora.
Podemos então ir embora, ignorar –
ou simplesmente sorrir
e consentir.

CRiga.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Promessas de para sempre


Se quiseres tomar pra ti
a face da terra que prometi,
verás minhas pegadas eternas num rastro
que te procuraram pelos campos mais altos da esperança.

Porque quando parti te deixando uma promessa
a pressa era voltar um dia a ser feliz.
Havia caminhos opostos, encruzilhadas
malfeitores, armadilhas e até amores.

Mas no cedro mais antigo havia o sinal dos tempos,
a mensagem que machucou a madeira e nos marcou:
nós vamos um dia nos reencontrar.

Até lá, nem valem atalhos nem trincheiras.
O caminho em meio à mata, rosas e espinhos –
hei de carregar o buquê de antigamente
sangrar os dedos numa nova poesia.

CRiga.

Os peixes de nosso aquário


Trocamos textos na rede,
os peixes de nosso aquário.

Peixes verdes de esperança
de trocar as peles numa cama
sob o mar e o gosto
do sal suor em nosso rosto.

Peixes azuis lembrando o céu
da nossa rompida e velha infância
sob a rígida vigilância dos adultos
que não leram Caio Fernando Abreu.

Peixes neon boiando ébrios no ar
na nossa noite tão belamente negra
matando cerveja de bar em bar.

Ops!

Nossos peixes já não bebem mais...

CRiga.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

A quem interessar possa


Tem gente que tanto espera
e que humano não emperra na esperança?

Diz esperar pela hora certa
e que porra de hora é essa
que nunca é a tal da agá?

Empresta sonhos e aposenta outros.
Estanca o sangue vermelho dos desejos,
senta e espera.

E o telefone não toca.
E os sonhos e os desejos passam sorrindo,
e você sentado esperando resposta.
Não levanta, não aposta,
não se coça, abraça o escuro.

De lugares-comuns restamos pós de estante
esperando uma brisa nos carregar,
acomodar em qualquer outro lugar.

Mas que do pó restemos em pé!
Caminhar o caminho sem hora
até a hora certa, de certo, ser vencida.

Quando não há hora certa de saber,
essa latitude que tentamos para negar o solo
mata sementes que deveríamos plantar.

Não quero matar, nem esperar.
Quero pular do alto do penhasco, poder voar.
Quero plantar, sacudir o pó dos ombros,
eu quero fugir, eu quero chorar.

Tem gente que tanto emperra
e que humano não espera desemperrar?

CRiga.


Índia


Rondei capitanias procurando teu vestido
entre bananeiras, seringueiras
nas casas dos índios confusos
cafusos.

Oh, meu amor,
onde foi parar teu corpo
sem o vestido chita que te dei
que tirei?...

Da intriga das terras fundei tua capital
nas matas virgens negras
onde não fulguras mais.

Doce cacau, flor de cactos
desmontei a nau
desmenti rumores
e voltei.

De teu sobrara somente
semente na mata verde
donde brotou o amor que fizemos
à relva molhada de um país tropical.

Odiei meu capitão
meu sol, meu destino.
Escrevi com meu sangue
teu nome na mata triste
que era virgem
agora é morta.

E fui embora
mundo afora
sem rumo
nem mais idioma.

CRiga.