terça-feira, 29 de maio de 2018

Assaltaram a gramática



Azidéia, minha querida!
Ainda com a, cento - 
sinto que revolucionárias
mais de cem ainda fervilham.

Pelo menos o velho verbo flexiona
o bom sujeito que um dia eu fui.

CRiga.



sexta-feira, 25 de maio de 2018

Uma linha escrita na agenda em branco


Rápido, me dê um segundo de sua atenção.
A alma clama a velha chama, me chama,
me queima, me fere,
me dê uma poesia.

Só não espere a vida acabar assim.
Desfie o novelo do aço, ele te enferruja.
Fuja da máquina que ferve os miolos,
que mói o que da alma é corpo.

Não é o frio, nem o fio de voz.
É o abandono, é o rolo compressor
que enterra a dor da margarida no asfalto.
E ela fica lá, desfolhada, amargurada,
pra sempre presa num sorriso amarelo
entre os carros que correm a avenida.

Por favor, olhe pra mim.
Colhe minha última pétala branca.
Aproveite a brisa e solte à sorte
o pouco que resta de mim.

CRiga.


sexta-feira, 18 de maio de 2018

Mais direto, impossível.


Você não é obrigada a me ver, por dentro. Eu não tenho medo de perder dinheiro. Tenho medo é de me afundar aqui sozinho. Eu tenho vontade de dormir a manhã inteira. Tenho vontade de fazer o melhor almoço. Tenho vontade de odiar um chefe. Tenho vontade de chegar cansado e limpar a casa à noite. Se há algo mais próximo ao tal mal do século, não há boa venda que me salve do precipício. Por isso não me importo e só te sigo. Eu sei, ninguém é obrigado a me seguir.

CRiga.

Cláusula



Você pra mim
Eu sou você, eu sou assim
Na saúde e na doença
Seis meses adiantado
Me chamaram, meio período
A casa agora é bem melhor
Me chamaram no sudeste
Apesar dos ratos no muro
Apesar dos gritos caninos
Apesar do tamaninho era nosso
Largamos passos corajosos
Até também o lugar ao sol
Perto de um rio que você conhece bem
Lá o carro grande quase nos atropelou
Recolhemos agora passos em dia
De novo tempo de encaixotar pertences.

Você me culpa, eu sou a culpa
Por isso te sigo pra acertar.

Não é mais uma cláusula
Que vai nos enclausurar.

CRiga.



quinta-feira, 17 de maio de 2018

Deep sorrow



É um corvo velho, depenado,
no subterrâneo frio do centro da cidade.

Seu ópio é combinar cores na salada
nos dias de semana.
Suas mãos têm o odor do almoço pronto.

Seu hibernáculo captura novas melodias
pra ouvir-se profundamente
silenciosamente só.

Seu amor pra dar é um pedido eterno de perdão.
Seu sono agrada porque o transporta
a outro lar que não um pseudo escritório.

Seu amor precisa de amor, mas não quer.
Seu sono é longo e quase eterno
câmera lenta que perturba.
Um inferno com sofá pra cochilar.

Nunca vai pedir o desvio do teu olhar.
Cansou de ser cansado,
não quer direito de descansar.

Precisa não apagar sorrisos, talentos.
Os medos são contados nos dedos de uma mão.
Dedos finos, medos grandes –
no caminho que apontam
há sua cruz desacreditada.

Não tem direito de chorar,
mensagens prontas obrigam a agradecer.

É um fio do tapete farrapo à porta trincada
da casa condenada pelo tempo.

Santos andam sobre as águas,
heróis voam vigiando os bons.
E ele sabe muito bem que é.

Será que consegue afundar?
Será que consegue cair?

Não consegue. Nem chorar.

CRiga.



quarta-feira, 16 de maio de 2018

“Se essa rua fosse minha...”



Havia aquele “H” da hora.
Aquele “D” do dia.
Areia de ampulheta explodiria
incontrolável pelas veias
pelas peles 
e vidas à fora.

Escolheu não passar mais por minha rua.
Havia a distração do dia, a hora da decisão.
Não mais regar as flores do canteiro central.
Não mais ladrilhar o asfalto pra você brilhar. 

Culpa minha.
Garoto pequeno e bobo demais,
suas respostas tão pequenas e bobas quanto.  

Na hora H, no dia D.

Na rua R, um garoto P.

Às vezes B.

E uma saudade S.
Imemorial.

CRiga.



quinta-feira, 10 de maio de 2018

Viver não é ter (de saída)



Mas há de se dar graças sim pelos pés
que você ainda tem pra caminhar.
Portanto deixe seus melhores rastros,
assim você nunca vai se perder.
De quebra, leva consigo os bons.

Saber que você não viu o filme inteiro.
Dê graças sim pelos olhos que passeiam
dando signo às cores encrustadas
nas pedras no caminho, valiosas.

Pegar pela garganta o leão feroz
ou simplesmente acariciar a velha juba,
tá bem, eu não quero mais brigar.
Dêmos graças à paz da experiência.

É faro, não se engane com o perfume.
Há mulheres cuja graça tem a pele
dos poros da verdade,
e não há franceses que façam diferente.

Pode ser comer caco de vidro
diamante sofrido ou copo americano.
Importante é engolir com a alma do garimpeiro
que agradece a pepita do dia,
não com o desespero do alcoólatra no bar.  

Viver não é ter.
É saber deixar de lado, conceder,
cada um tem sua verdade na vida.
Mas quase sempre só é preciso
estar de saída, apenas agradecer.

CRiga.



quarta-feira, 9 de maio de 2018

O último outono


Há um friozinho n’alma, sabe...
É quando a certeza machuca.
Quando o nunca fica velho
e a gente precisa se preparar.

Há um amor guardado no armário, abre a porta,
lágrimas correm cobrindo a madeira.
Precisamos arrumar as malas, tirar as roupas,
nos abraçamos nus na cama quente
assistindo à estação nos acabar.

Há uma dorzinha, sabe, uma vontade de ficar,
decorar a casa e a canção mais uma vez.
Fizemos do nosso gosto e batalha
um abrigo que hoje bate sol.

Damo-nos as mãos, giramos a chave na fechadura
pela última vez, saindo pra não voltar.
Não há manhã de sol que esquente a alma,
não há dívidas pagas que apaguem
as nossas marcas nas paredes vazias.

Então me dá uma boa notícia –
melhor é falar de uma nova esperança
que correr pra alcançar o amigo carteiro
e dizer adeus, esta carta já não é mais nossa...

CRiga.


domingo, 6 de maio de 2018

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Nostalgia do futuro






Cada vez mais o sorriso de paz é lá,
viver em função de um ensolarado sonho
e de doces sensações.

Eu ouço teu eco de voz me chamando
pra ver o novo fruto que a árvore deu.

Eu vejo a mesma lua vermelha nascendo
lá no monte, como se fosse a primeira vez.

Mastigo com gosto o gosto tão bom
da fumaça do fogão a lenha.

Tateio a terra afundando os dedos
procurando minha raiz.

Na horta há um cheiro multitemperos,
pega pra mim, preciso pro jantar.

E por aí se vão os mais tantos e belos clichês.
Apenas os nossos planos de ser feliz.

CRiga.






quinta-feira, 3 de maio de 2018

Nuvenzinha na cabeça


A gente arruma a casa pra vende-la
a tarde inteira.
O trabalho que não rende te rende
e na verdade não dá pro sustento.
Há um tempo as coisas fogem do controle,
eu moro é num prédio do Brasil
que ainda não caiu.

Então não reclame quando se tem o que comer.
Fique quieto, ouça, festejar não dá mesmo,
nem detestar mais ninguém.

A gente arranca a roupa e o corpo em chamas coça.
A gente chama gente pra ver se a nossa casa vale tanto.
A gente vale mas se cala, na sala a gente morre
uma noite de cada vez.

CRiga.