terça-feira, 26 de março de 2024

Correção ortográfica

 


Enquanto finjo que trabalho
Escrevo um rocket pocket haicai –

Que o fogo não vá à brasa
E que à casa não falte brisa.

CRiga.  


segunda-feira, 25 de março de 2024


 

O que nos resta


Paixão platônica
A poesia que ninguém vai ler
Confissões de insônia
Uma solidão que corrói
Um punhal nas costas
Que todo o dia dói.

Esqueça de esquecer
Melhor sobreviver de restos
Que morrer sem teu beijo
O gosto do impossível
O batom vermelho rock and roll.

CRiga.



 


 

domingo, 24 de março de 2024


 

Traição


Perdi o pulso, ando sonhando solidões.

A mão que eu pedi pra me acompanhar
Veio num sorriso de sinto muito, seu tempo já passou.

Procurar quartos de solteiro.
Dar adeus a amigos meus que não acreditam mais em mim.

Todo lugar é curto.
Sujo, pulverizado.

Todo tentar é um murro na parede.
Tristeza que a gente sente quando a insônia resolve a noite.

Um zumbi perdido pedindo socorro
Ou apenas o sono de volta dando corda aos meus fantasmas.

Manhã chega ensolarada com um pé na porta
Um sol cheio de marra rindo da sua cara.

Não adianta querer tristeza...
O café e as cartas sobre a mesa não te dão mais opção.

Acorda e encara.
Ou dorme de novo
alimentando a solidão.

CRiga.



Um verão e um rock and roll

 


Quando o verão acabar eu quero voltar pra ela
A primavera.

Eu a vi caminhando na praça
Com a graça de uma doce solteirice
Num vestido chita azul dançando na brisa.

Na tempestade de um verão ela se casou, ah...
Era inverno no meu coração.

Caíram todas as folhas de meu diário,
Nem era outono, mas ensaiei esquecer.

Depois dali me recolhi na lã, não havia notícia de você
Nem no rótulo do conhaque mais vagabundo.

A esperança era só um filme de sessão da tarde,
Olhos azuis e um sorriso que marca
Que mata aos poucos como o perfume que acaba.

Paixão inalcançável
Diva de todas as intenções
De novamente se apaixonar.

Mas eu era só um guarda-chuva furado
Estatelado naquela estação
Esperando você desembarcar.

Você não vem, o trem se foi
A estação naufragou.

No trilho da vida que segue
Aperto o play do walkman –

Já faz muito tempo
Muito tempo
Um longo e solitário tempo
Um rock and roll.

CRiga.

 




Alice

 


Alice num país cujas mulheres não querem ser maravilhas
Nem as frágeis loirinhas vítimas de furacões.

Alice de linhagem nobre
Ruiz, par de Leminski,
Moça polida que embevece as palavras.

O roqueiro Cooper extravagante,
Alice acorrentada em Seattle.
Vigiada, rotulada.
Alice não escreve apenas aquelas cartas de amor.

Tia distante que morreu tão cedo
Quando herdei um Frank Zappa.

A cópia em miniatura de Inezita
A Mônica namorada do Eduardo.

Maria Alice viu suas crianças crescerem
Como quem observa quem vai e vem
A sorte que tem
Quem tem um nome tão bonito.

CRiga.



 


Frequência modulada

 


Havia o domingo nublado cujas nuvens escuras
Eram saudades combinando com a tua roupa
E com o que nunca foi.

Porque houve um sábado...

Compartilhar alegria e o som que vinha da alma
Celebrando os sonhos de uma canção perdida, proibida,
Tua tribo ainda te condenará.

E eu, apenas desbravador de matas amazônicas,
Te levarei em meu barco no rio calmo da eterna compreensão.

CRiga.


Feito virgem

 




Alma minha perdida há tempos imemoriais
Um rosto de porcelana eterno esculpido entre negros cabelos
És tão lindamente menina de lábios pequenos e vermelhos
A dançar metaleira Madonna nas noites mais verdadeiras.

Eu te espero nos sinais
A impossibilidade também é uma forma de amor.

CRiga.


Rock and roll romance

 


Foi no momento exato em que ela, com a palma inteira da mão direita, em sua típica e gótica delicadeza, mudou feito onda em tsunami o lado dos cabelos negros sobre o rosto de boneca com aquele brilho do olhar.

CRiga.


sexta-feira, 22 de março de 2024

Sapato velho

 


Uma das piores sensações de um homem
É o estágio em que ele sente vergonha de seus sapatos.

É quando toda a humildade que ele sempre cultivou
Não vale mais que a falta de lustre e de couro.

Quando o engraxate se torna padre confessor.

CRiga.

 


Água mágoa

 


É preciso lavar a alma
nem que seja à base
de um balde de lágrimas selvagens.

CRiga.


quinta-feira, 21 de março de 2024

Escrever-te uma nova poesia

 


Renovar o repertório.
Revolver a alma, a rima.

Armar-se da calma
E devolver-se boas origens.

Relembrar que um dia havia pureza baunilha
Sobre o fermento da falsa experiência.

Atirar contra ti num bilhete este amor insistente
Bobo, bom
Eterno feito a poesia.

CRiga.



 


Separação

 


São as pétalas que descolam
Caem antes do tapete ao altar.
Ervas daninhas são o jardim,
Antes cúmplice da cumplicidade.

O peixinho morreu, boia no aquário,
Até o gato chora a falta de fome.
O vizinho quer encher o saco,
Quer botar o copo na parede...

Não há louça empilhada na pia,
Par ou ímpar, não há mais refeições.
Não levaram as crianças pra escola
Triste folga, vamos brincar lá fora.

O quarto escuro cheira a suor envelhecido
O espelho do banheiro foi quebrado –
Azar maior é visita sem aviso,
Compromisso de diretoria.

Retratos que sorriem pares da memória
Estão virados sobre o pó da estante.

Há um instante em que morrer é bom,
Mas há também um som diferente
pra cada lágrima que cai.

Eu hoje esqueci você um pouco mais
que o quase nada de um ontem qualquer.

CRiga.




Namoro

 


(foto de Cauê Rigamonti, 18.03.2018,
Parque Municipal Dom José, Barueri)

Procura-se alguém que diga:
“Se você morrer, quero morrer também!”

Procuram-se mãos dadas e sílabas caladas
Num olhar de praça de domingo sem ter o que fazer.

Procuram-se primeiras vezes e desvios na rota do trabalho.
Entregar as rosas vermelhas roubadas daquela vizinha
Que fura a bola dos meninos.

Procura-se sabor morango
Sorvete derretido de tanto só olhar,
De tanto só falar de amor.

CRiga.

 



Bairro

 


Havia muitos quarteirões.
Mas o trajeto automático da bicicleta
Era sempre aquele quadrante exato
A rua exata, aquela casa.

Uma vez descemos a rua
Mãos dadas, eu olhava pro asfalto.
Outro dia a consolei lá embaixo
Dedinho machucado pelo rolimã.

Mas eu tive de mudar, tristeza...
Atravessava bairros pra ver a menina.
E ela não sabia (ou fingia não saber)
Por que tanto eu caminhava.

Um dia a chamei de “beleza!”
Coisa de criança, correu atrás de mim.
Fui embora, vergonha, demorei pra voltar,
Sofri as dores de moleque com saudades.

Paixão de infância falou mais alto e voltei,
Mas a casa vazia me esvaziou...
“Foi embora... pro Rio, parece...”,
Disse uma amiguinha, olhos sem atenção.

Desde então cresci, vários amores.
Cresceram também as casas,
Sobrados e edifícios.
Semáforos, contramão, buracos e desvios.

Tudo ficou difícil.
Tudo ficou proibido.

Estes dias passei por lá de carro,
E meu filho mal deu bola
À minha história de primeiro amor.

CRiga.


Futilidade

 


O alimento no cateter de caráter fraco
São os likes de rede social.

"Super legal"
Tão banal.

A religião é o culto da personalidade incauta
Falsa boneca de porcelana
Na selfie cínica narcisa.

Super facial
Superficial.

Nos comentários destila o que um destilado estragado
Faz ao playboyzinho de baladinha:
Só merda.

Só superlativos
Relinchos disfarçados.

A moda é ser tão fútil
Quanto a sacola 
ecologicamente correta do supermercado
Que carrega só o papel higiênico usado.

CRiga.

 



Traí, tou na capa de revista

 


A plástica beleza dá a falsa impressão
De que o mundo é que tá errado
Fora da moda.

Fraqueza…

Foda é aguentar likes, fakes
Banalidades e “personas”.

Tanta curva de personalidade
Tanta vaidade de boneca de porcelana.

 CRiga.



 


quarta-feira, 20 de março de 2024

Nostalgia

 


Quando a gente podia botar 7
num Fiat 147.

CRiga.


Sobre salgadinhos e amores


Na festa grã-fina, ela pergunta ao garçom:

– Ah... Posso levar dois pro meu companheirinho?
– Claro que sim, madame. Todos nós amamos nossos pets, não é?
– Ah, não... é por meu namoradinho mesmo.

Encabulado, o garçom foi gentil:

– Desculpe, madame. Leve mais, é tão pouco...
– Não precisa, obrigada. Ele come na minha mão.

CRiga.


 

Desmofando

 


Enfim uma manhã que novamente te encontrei
Te procurei como num sonho de juventude que vagava pela cidade
Em ônibus lotados, calçadas sujas e noites despreocupadas.

Plantar em ti as palavras que precisamos pra sobreviver
Nesse louco mecanismo que assassina o lirismo.

Mesmo que ninguém nos ouça nos labirintos da nova flor
Ninguém merece conter a dor ou a alegria
De amar mais uma vez, por mais um dia.

 CRiga.


terça-feira, 19 de março de 2024

Outono pó



De tudo o que plantei sobraram poeira
E uma solidão que faz tão mal
Feito o frio que vai chegar.

Polir, então, o que ficou de bom.
A gente ainda tem aquele vinho.

A gente ainda acerta o caminho.
Junta forte as mãos feito futuros namorados
E protege nossas plantas que sobrevivem
E ainda crescem no velho quintal.

CRiga.


Vulcões

 


Enquanto desfilam dedos sorrateiros
Os primeiros sonhos se incendeiam
Dentro da alma em chamas vermelhas.

Tudo se perde no terremoto da carne!

Não há paz eterna, só restam vestígios úmidos
A saliva doce que escorre dos lábios tortos
Mortos depois da erupção.  

CRiga.


De outonos

 


Quando o simples aguça a alma,
Fatal é a força de só sobreviver.

Colher frutas e bons amigos
Valem mais que palavras frias
Perdidas numa rede social.

CRiga.


Lirismo para um dia

 


É branca a manhã do teu olhar, sereno
São várias as possibilidades de um poema.
À mesa o café recria a força, embevece o querer.
Alimento é passar o dia inteiro com você.

CRiga.