sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Desfaçatez


Não me desfaço de você.
Desfaçatez na esquina
é charme de boêmio falido.

Eu tenho tido pesadelos.
Você olhando de lado pra mim
e eu chorando pedindo perdão
por um erro que nunca cometi.

Eu te vi passando numa nuvem,
e choveu aquela garoa confortante de domingo à noite.
Foi quando todas as certezas foram certeiras,
quando descobri a falta que você me faz.

Então faz de conta que você não gosta mesmo,
não gosta tanto assim de mim.
Não faz mal, aprendi a palavra:
Desfaçatez!...

E desde sempre te ignoro
solenemente
feito o Clark Gable
que um dia foi embora.

CRiga.


Tragédia não poder chorar


Maria
ria,

era muita tragédia pra um só dia!

Marido adúltero
barraco incendiado
demitida pela patroa
sem filhos pra dividir a dor.

Gargalhava.
Odiava.
Não amava mais nada
nem ninguém.

Maria
daria cabo de sua vida
não fosse uma esperança boba:

Poder chorar baixinho
só por um dia,
só por um dia...

CRiga.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Mangueira brincadeira


Houve um dia em que o Deus
Que eu conheço
Resolveu lavar o barro das chuteiras
No jato do novo esguicho.

Foi o dia em que orei ao deus
que não conheço
Que não me deixasse esquecer da tarde molhada
Corpo e alma, moleque menino
Convertendo ateus.

Para Francisco

CRiga.



quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Estação dos olhos verdes


Eu não tenho muito tempo, me devolve este sorriso.
Entre a vida sem lugar para sentar no banco do trem
E a morte presa às orações que não acredito
Eu insisto, te procuro porque daqui a pouco
Seremos apenas pó na multidão difusa.

Não és musa, nem amor de uma vida.
Apenas verdes olhos distraídos
Preenchendo o nada nesse ar
Muito devagar.

A porta se abre, você se esvai feito gás neon
Deixa um rastro colorido
Florido vestido da ternura.

Eu tenho todo o tempo do mundo
Me devolve o pouquinho que você tomou.

Entre a morte de voltar às ridículas orações
E a vida de corações confusos
Eu continuo, no escuro
Até a próxima estação.

CRiga.



quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Arrepender-se tarde da juventude


Ele distribuíra poesias
Entre os beijos da doce juventude.
Mãos macias dobraram uma folha
Na gaveta da inexperiência.

Com o tempo que passou
As letras fizeram mais sentido.
Mas os tempos eram outros...

O poeta aposentara o caderno
Não era mais o romântico jogral
Belo maldito das esquinas.

Sobrou um quê de queria mais!...

Eu não soube te aproveitar...
Eu ainda tenho a poesia
Que você fez pra mim naquele dia.

Cai a ligação, cai o sinal.
Tudo cai, também a ficha.
Tudo bem que a gente cai
Mas eu queria tanto você
Só pra agora me segurar...

CRiga.



terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Menina peixe


Quero escrever cartas a amigos meus.
Eles são espectros de luz que passam
raiam feitos sol e acompanham o satélite
cruzando a noite entre constelações
docemente inventadas.

Uma invenção sempre assim tão doce
uma cidade que tem forma de peixe.
Lá da estação dá pra ver o olho ginasial
dessa menina tão linda.

Não ter nada contra ninguém.
Afundar meus mais nobres sentimentos
na raiz da terra, abrigar ninhos de canarinhos
que sempre terão medo, mas sabem que a casa é sua.

Por que será que toda segunda-feira de sol é sempre assim?

CRiga.




quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Uma noite de cárcere


Quando a barra da cela da cadeia
Cravou-lhe feito pedra de bodoque
O fundo do peito,
A manhã foi a correria louca de volta ao lar
Sem beijo de bom dia ou de desculpas à esposa.

No quintal dos fundos
Como que o guarda que lhe abriu as grades
Lhe devolvendo a liberdade,
Correu descerrando as porteirinhas das gaiolas
Agora símbolos da opressão.

“Você não sabe o que é estar preso!...”

Passarinhos coloriam a nova manhã.

Para o amigo Danilo

CRiga.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A cicatriz que diz


Mergulhe em si e crave as unhas
No touro que corre desenfreado
Galopando a noite escura da tua alma.

Encare os olhos vermelhos
E cometa o ato necessário:
Faça sangrar, mas não o mate
Nem queira tornar-se amigo.

Arranque das entranhas do feroz
a energia pra gritar nos versos
Todas as suas verdades.
As mais maldosas também.

Serás finalmente poeta
Dono das tuas letras
Ferida aberta
Futura bela cicatriz.

CRiga.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O Natal no vip das autoridades


Há um muro
De olhos com pena
Concreto de orelhas
Desinformadas sobre mim.

Um muro cego, egos fracos
Às minhas letras destino.
Um muro que insiste ouvir
Lamentações que não existem.

Uma barreira transponível
Mas eu não quero me fazer visto
Nem quero me fazer ouvir.

Não quero, entenda!

Quero apenas me deixar passar
Levando novidades que não são suas
Pra nova-velha ceia do sobreviver.

Aquela em que de fato precisem das minhas letras
Bem escritas e bem faladas
Num discurso de como sempre trabalhar.

CRiga.

(em resposta a Sangue nos zóio)



quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Proibido colher flores


Daqui só vejo o cinza de asfalto
Onde apenas pombos sujos
Decoram a melancolia.

As poucas árvores que há
São bonsais de estimação
Quase engolidas pela “paisagem” –
Palavra demais bonita
Não combina com a cidade.

Olhos vidrados no movimento dos carros
Pássaros maliciosos cortam a travessia
Mudos – ou o barulho suga seu palavrão
Contra o carro do ano
Em excesso de velocidade.

Procuro sobreviver nisso
Que se convencionou chamar-se de selva.
Preferiria procurar cipós pra doce amiga
Artista que molda apanhador de sonhos.

Procuro o sentido de Manoel de Barros
Mas aqui a simplicidade está apenas
Na placa que me proíbe
E não me explica
Por que não posso colher as flores
Do jardim da Prefeitura.

Para os amigos Andreia Medeiros e Danilo Amélio

CRiga.

(foto de Flávio Costa)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Ar rarefeito


Não espero nada.
Um canto de passarinho
Um silêncio confortante.

O lugar que mais amo
A lembrança mais singela.
O perdão de fato
Teu tato no meio na madrugada densa.

A festa.
Uma fresta no muro severo
Deixando a brisa consolar o rosto.
Um gosto, qualquer gosto
Um jeito de você me sentir de novo.
Um escrito maldito que preste
Que peste de mil vidas espero!

Um sol que me silencie
Uma noite que me denuncie
Um querer viver consciente
De que tudo vai passar
Não vai, nunca vai…

Vejo carros passando em frente ao bar
Estou sozinho
Sei que ninguém vai chegar.

O mundo inteiro poderia parar
Ar rarefeito
Eu tento não esperar.

CRiga.



terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Traição



A paz não é algo tão perfeito assim.
Você a pega com carinho às mãos
Feito pomba branca
Mensagem da nova era.

E no dia de sol perfeito
Solta na mais bela esperança
De um grande feito histórico
Um poema de livro escolar.

E ela voa, meu camarada...
E ela vai altiva, símbolo cafona.
E de repente ela olha pra baixo
Sorri de canto e apenas suja
O terno do teu domingo perfeito.

CRiga.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O vale escuro



Aquele profundo puxar e soltar de ar.
Você não vê o abismo dentro dos olhos.
Uma cordinha te segura, pescoço a prêmio.
A pele vermelha diz mais que o âmago amargo.
Mal amado. Paga dívidas pesadas.
As asas imaginárias foram quebradas, amassadas.
Dentes trincados à boca aberta no asfalto
mal cuidado, cheira a mijo de mendigos.
Amigos são rimas que não rimam mais.
Aquele profundo não sei o quê
atalhos perdidos, um vagar vagabundo.
Um mundo inteiro pra se preocupar
e uma vontade imensa de dormir, sonhar.
Fugir.
Boiar.

CRiga.