terça-feira, 24 de abril de 2018

Dark lover


Eu garimpo sorrisos sobre a rocha lisa do desencanto
porque meu coração de pedra aprendeu a ser só.

Eu ensino o nó do marinheiro mais antigo do cais
e no mais,
sou o som da gaita solitária ao por do sol.

Nas esquinas eu assovio um samba esquecido,
a fogueira no tambor na verdade
me lembra um velho blues.

O cheiro do asfalto molhado
e o som do pneu contra a chuva
me dão a sensação de que nunca envelheci,
de que sempre sofri.

Eu sempre amei
como o último noturno da cidade que dorme.

Eu via luzes refletindo um neon de esperança etílica,
uma avenida cheia de carros que nunca me lavariam
a lugar algum.
Na mesma madrugada não havia mais ônibus,
itinerários nem eram assim tão importantes.

Restava então apenas o passo sobre cada passo,
um tênis surrado até a nova casa alugada.

Passei por sobretudos, viadutos,
aglomerações e olhares furtivos.
Me desculpe, eu me apaixonei,
não sei a hora de ir embora.

Estava frio, outono, e eu vi você sorrir.
Você dançava sobre a pedra do jardim severo,
a pedra do desencanto.

E eu te emprestei meu velho sobretudo.
E depois de tudo você me esqueceu.

CRiga.


quinta-feira, 19 de abril de 2018

Há um carrilhão de palavras sem sentido



Mesmo que me descubras antes de eu mesmo me anunciar, não poderás me acusar de nada enquanto não compartilhares apenas o que d´alma é honesto e verdadeiramente comunhão.

Percebe o quanto irrita o português camoniano?

Então perceba: é tranquilo traduzir palavras. Difícil é aceitar soberba.

O que tenho ofereço da forma com que uma abelha possa compor poemas enquanto ajuda a natureza.

O que tens ofereces da forma cegamente vaidosa de quem chantageia a semente com conta-gotas de fel.

CRiga.



“Compartilhar, bonita palavra, ‘com-par-ti-lharrr...’”



Garotos modernos baluartes do compartilhar. O modernismo sempre chega e sempre chega faltando a mesma coisa, porque apesar dos discursos e conceitos modernos cheios de palavras em inglês, tudo gira em torno de uma inteligência que os algoritmos não conseguem depurar – a emoção que desencanta e trava máquinas, e de fato resolve conflitos. Quem quer crescer de verdade precisa segurar o ritmo do encantamento com si mesmo e observar um pouco mais. Há um mundo inteiro de humanos de verdade ficando para trás...

CRiga.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Mantra


Pés no chão. A perna precisa voltar
a ser maior que o passo.
Nem pensar então na cor da madeira pura
a quentura que a gente inventou
com o fogo do bom gosto.

Esse ritmo tá é fanqueando nosso rock,
suores frios aguando nossa cerveja.
Não é questão de se contentar com pouco:
louco é quem para no tempo da certeza
enquanto o Tempo atualiza os sinônimos.

Pés no chão acertam o caminho.
Mais um vinho de safra nos espera
na esquina de quebrar contratos
e mudar retratos de lugar.

CRiga.



domingo, 15 de abril de 2018

Setenta


Não consegue mais rugir. É uma leoa cansada.
Lutou muito na selva. Não tem cadeira de balanço.
Deixava a casa desarrumada.
Não me lembro de muito amor.

No começo corria corredores dos ônibus,
tudo limpo, trazia pra casa o pó do mundo.
Depois de novo subia andares,
guiando novos elevadores –
pra vida não tem mesmo guia de bolso.

Cansou. É uma leoa deitada sobre a relva.
Não tem cadeira de balanço mas tem um xale.
Não tinha tempo nem de se arrumar, um rouge.
Um dia eu acordei com ela me botando os sapatos,
peguei no sono antes da escola, ela não brigou.
Acho que isso é amor.

Para Ermina, minha mãe.

CRiga.



sexta-feira, 13 de abril de 2018

Décimo quinto andar


Eu digo o que preciso ser,
e tão apenas do que preciso.
É simples, as letras se energizam.

Mas o próximo degrau não é tão literal.
Escadas de palavras que rimam
nem sempre levam ao andar da harmonia.

Descer ao solo firme, então.
Prefiro a terra fofa, lá resiste uma horta -
batatas ao vencedor
bananas a quem duvidou.

E uma sopa de letrinhas
no fogão à lenha encerado
mesmo no calor.

Hoje mais um corpo se jogou
do décimo quinto andar.

Hoje uma nova flor nasceu no vaso,
não tem nem foto pra mostrar...


CRiga.



quinta-feira, 12 de abril de 2018

Nem sempre é o fim



Medo que nada.
Passa.

Tem gente que encara.
Tem gente que morre.

Tem gente que nada de braçada.
Tem gente que precisa de boia
ou salva vidas.

Tem cavalo que passa.
Tem cavalo que atropela.

Ela não vai te dar o sol que queres,
nem a vida nem a morte.

Pura sorte! Devolva um sorriso no ar!
O azar é o cego que só ouve o sim.

O fim do ego
é o ego do fim.

CRiga.



quinta-feira, 5 de abril de 2018

Pelas tangentes



Você segura a víbora com as duas mãos
abaixo da cabeçona dela
evitando o veneno do bote fatal.

E com a força vital que ainda te resta
resiste e testa
a arte de sobreviver.

CRiga.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Agulha torta



Faz tempo que não venho aqui.
Há um tempo que me consome.
Há este lapso, perdi o lápis do coração.
Me ajuda então, um sinal de vida,
de fumaça, a caça ao teu perfume.

Letras sérias me dão metade do pão,
não tem amor envolvido, só um turbilhão,
então me dá a inspiração que necessito.
Há um bilhão de motivos pra escrever,
mas estrelas se escondem num céu profundo,
num Brasil confuso, num coração sem rumo
e sem raiz.

Faz tempo que não venho aqui.
Faz um tempo desses que a gente
não sente frio nem calor.
Nem dor. Nem amor.
Apenas a rima pobre
que encobre a poesia.


CRiga.