quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Ele não era um cara legal


Eu não vi as flores nascendo do asfalto
que é só onde sei procurar.

Na mesma galeria ninguém me disse nada
algo que eu pudesse guardar.

Eu não ouvi a música da moda
nem sou o idiota popular da roda.

Eu sou é o vidro que corta
em vez do falso brilhante.

CRiga.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Um podre no clorofórmio


Há um ponto em que negar,
negar-se, resistir enfiar a unha na ferida,
reengolir instintos e segurar o gozo marginal - 
são caminho único pra se orgulhar de sobreviver.

Há uma cartilha
caminho nada suave.
Não adianta manchar a foto
da tua infância confusa –
pais brigando no banheiro
não pode isso nem aquilo
porque é feio
porque não pode.

Verdade é que ninguém quis dizer 
com todas as letras e olhos atenciosos
que havia coisa errada que podia fazer sangrar
eternas cicatrizes.

Os pecados ainda te ferem
não existe mesmo o padre pra te penitenciar...
Pedras pontiagudas caídas da tua velha igreja
mantêm vermelha esta sempre cicatriz
num trincado espelho na sala de estar.

E eu nunca sei se você está aqui.
E isso me incomoda porque preciso muito
querer de novo apenas gritar!...

Querer de novo talvez em vão inventar
uma sobrevivência
a independência dos meus erros  
que sempre hão de me matar.

CRiga.



segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

De tempos em tempos (mitologia)


O piso mármore do inevitável mausoléu
quer apresentar-me mais um deus.
Uma provação, uma oração.

Provocação –
baixe a cabeça, cordeiro,
só quem tem cruz no peito
é que tem jeito pra chegar aqui.

O caminho que busco dali
é porque não quero chegar a lugar algum -
este, escrito linhas de um livro humano
que já matou quem não quis ler.

Caminho meu é porta dos fundos,
saída de emergência.
Não preciso das auréolas de liquidação
brilhando luz de led na escadaria principal.

Que falta fazem os pés no chão,
as mãos agarradas aos problemas
pra quem só pede solução.

Que falta fazem os deuses do Olimpo
muito mais lindos que os feios hebreus.

CRiga.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Tempo derramado


Lágrimas não mais temperam nada.

Eu sou um velho
sem tempero
sem tempo
sem veneno no copo do piano
sem rua se essa rua fosse minha.

Hoje, na pedra da amarelinha,
só o inferno vai me aceitar.

CRiga.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Códigos


Diz de coisas muito difíceis de entender
de aprender.
Eu te dei a letra e você não leu.

Quando da arte brota uma semente de reação
é flecha com flecha, fogo no pavio da bomba.
É o trigal na brisa e sua sinfonia.
É aquele brilho do olhar, sabe,
aquele que você até já tinha esquecido como é.

Eu te dei as páginas guardadas
da revista escondida no baú. Te dei o laço
daquela carta que colei no portão dela
e ela me vendo entre os frisos da veneziana.

Te dei a mesma velha promessa quebrada
quando ela não voltou a passar na minha rua.

Diz de coisas muito estranhas de gostar.
Eu te dei quente e frio, nunca morno.

Quando da arte cai a árvore centenária
por causa de um vento de setembro
é porque uma semente um dia brotou
com tempo de florescer.

Com alma de apreender.

CRiga.



terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Até o ano que vem


Passando pra dizer
da panela de pressão.
Não é feijão gordo
nem milho da nossa plantação.

É janeiro já tão quente
na cabeça já sem tempo de pensar.
Da alma que perdeu a calma
e o tempo de sentir.

Enquanto isso a seriema só
nos procura pelos cantos
cantando um choro de saudades
daquele nosso bom verão.

CRiga.


domingo, 20 de janeiro de 2019

Pureza


Eu vejo uma bela história de amor
sem toda tanta dor que senti.

Mas eu nem tenho este direito...
Não se pode querer postar os pares
nos lugares perfeitos da tua fotografia.

Não adianta adiantar-lhe
o olhar aos lábios –
a boca dela por enquanto só denuncia
a pisada na marca da amarelinha.

CRiga.



sábado, 19 de janeiro de 2019

Nunca me senti tão só (Lua e Sol)


Não o fato de você ter ido dormir
mais cedo.
Nem a cumplicidade que se engancha
na cerca do erro, esta hemorragia eterna
que dilacera a carne do perdão.

É a falta de um espírito amigo –
espíritos são bons amigos!
A falta de inspiração.

Dormir porque você mandou,
eu sou o garoto gripado querendo o sereno
ver a lua da noite que não acabou.

CRiga.



sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Um suspirar profundo


Saudade é coisa que pega a gente, e a gente parece que não quer desapegar.

Uma sensação de dor gostosa, a saudade que não dói. Sabe? Cutucar o canto do dedo, bicho de pé, café meio amargo, aquela cachaça mineira que desce rasgando?

Saudade de alguém é assim, te tira um pouco do ar, você fica meio catatônico, mas gosta da sua própria cara de bobo quando vê a fotografia daquele ser que você quase esqueceu que ama. E percebe que nem o tempão que passou fez você sarar!

É coisa que remexe a gente lá dentro, parece sangue gelado cortando o coração de compasso letárgico. É sentir frio no verão do Rio. É mentir que tá tudo bem, que amanhã a gente vem pra festa, mentir com o que está escrito na testa! Ora, ora…

Saudade é coisa mesmo de curtir, mexer o gelo no copo do Scotch. Uma vontade de esticar o braço, abraçar, pousar as mãos sobre o rosto daquele ser tão distante, beijar! Ah, beijar… No beijo a saudade quase acaba. Mas sentir saudade junto a quem sente a mesma saudade é fogo na bomba!

Tem gente que fala em matar a saudade. Mata não… Deixa ela meio moribunda, mas não deixa morrer porque senão o amor perde sentido. Sentir a saudade começar a reviver é como ver aquela velha orquídea florescer.

Saudade é tocar dó ré mi fá na flauta doce, fechar os olhos e pensar no Bolero de Ravel!

CRiga.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

A hora


Um grilo confunde a noite.
Seria a paz, não fosse a morte.

Carros batem ao passar sinais vermelhos.
O sogro sangra no punhal o genro insano
sem grana pra comprar a droga.
No parto a mãe sorri ao filho
dizendo adeus, ela sabia, operação arriscada.

Seja estúpida, rasa, sem graça.
Seja injusta, em casa, na praça.

Uma certa paz de toda a forma ressurge
dizendo verdades e besteiras no funeral,
enquanto aos poucos a morte se envergonha de você
ainda vivo, à espera ou fugindo
fingindo ser imortal.

Uma cerveja no dia seguinte, que sorte!
Mas um grilo confunde a noite...
Seria a paz, não fosse a morte.

CRiga.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Crédito fotográfico


Troquei teu nome...

E o tempo que nunca se abrira
em qualquer fotografia,
trancafiou-se para sempre
entre selfies e retratos.

CRiga.


Um brinde a quem caminha


Há caminhos, caminhante,
trilhas, atalhos, avenidas.

Há vidas que se cruzam, encruzilhadas,
a dúvida no passo também é normal.

Há o mal, e ao lado não o bem:
há ali você também
mãos dadas ou num adeus.

Há mágoa e um rio doce,
deixe a água pura te embriagar,
te curar, todo dia é um novo batismo.

Há remédios e receitas de bolo,
bulas, mapas, livros de poesia
e alguns manuais de pra te autoajudar.

Há máquinas que não param de trabalhar,
trabalhadores que não param de maquinar
como sair, como amar num turbilhão.

Há dívidas que a gente paga de coração,
há outras que não aceitam nosso perdão.

Há no fim do arco-íris uma sexta-feira de sol,
uma flauta doce, um Ravel e um rock and roll.

Há uma mesa reservada, a bebida é gelada,
a sede de viver permanece aquela mesma.

E há no fim um novo começo,
tropeço, joelho ralado, um lado que dói.

Mas há caminhos, caminhante,
trilhas e atalhos como antes.

CRiga.


terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Dois sonhos (e um amigo)


Via que Soraia te ajudava a caminhar. Seminu, havia a anunciação de uma aposentadoria e também um sorriso de alegria, você voltaria a desenhar para os seus engenheiros!  Casa pequena, dorzinha melancólica, mas uma esperança linda de resgatar talentos no AutoCAD.

Depois te encontramos na praça, mão direita dada ao pequeno Yan e teus olhos grandes de uns óculos fundo de garrafa pós problema de saúde. E eu abracei, chorei na tua velha blusa de lã a felicidade de você ter se curado de não sei o quê!

Tantas coisas acontecem na nossa vida, assim, sem explicação. Assim como dois dias seguidos de sonhos com o mesmo amigo-irmão. E uma pontinha de culpa porque a distância é a gente que faz...

Acho na verdade que todos nós somos estagiários nessa vida. A gente começa estagiário, vira dono de um castelinho lindo de areia, volta pro bar do calçadão e se embriaga na cerveja fresca. Gasta todas as tintas em cadernos azuis e botamos herdeiros no mundo – daí uma bicicleta atropela a gente na ciclovia porque não lemos a placa estampada de simplicidade.

Há sete estrelas dissipadas no horizonte. Discretas, estrelam suas constelações. De vez em quando, uma candente vai parar no quintal dos sonhos da outra. E é aí que a gente acorda no meio da noite querendo dizer coisas que nem a gente sabe, porque a linguagem é cósmica demais para a vida pouca que vivemos até aqui.

Sejamos, então, eternos estagiários! Melhor aprender de novo o novo, porque de velhos bastam os conselhos que a gente insiste dar pros filhos, e pra gente mesmo no meio da madrugada insone.

Melhor mesmo é beber com amigos nas estrelas. É o jeito que a gente tem pra dizer que ama alguém!

Para o meu grande amigo Marcelo Gomes Cardoso Tchubi

CRiga.



Ritmo do envelhecer


Coloquei nos olhos o sal
lágrimas de fel sem gosto.

Faz tempo que a gente não chora
não cora, sem vergonha.

Faz dias que a vida corrida
é ferida que volta a coçar.

No final do mês o vil metal
nada vale o que não vi.

No final da vida o arco-íris
lado errado sem pote de ouro.

Ritmo é o barulhinho do teclado
ao lado os vizinhos fazem amor.

CRiga.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Um dia de cada vez


É o que te resta no dia seguinte
depois da coragem dos vinte.

É o que te testa e você aguenta
depois da resiliência dos sessenta.

O que resta é muito.
O que testa também é.

Nunca é muito tarde
acordar e caminhar na praia
um dia de cada vez.

A festa no dia será o sol sorrindo
o rei nu te levando ao canto fresco
na arquibancada da arena.

E o sono na fresta da noite será a lua
a noiva que te conta num poema
aqueles segredos de virgem
que você já sabe tão bem.

Para Gilberto

CRiga.



quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Solidão dos dedos


Ácido
o passado às vezes corrói a pele
e eu sinto, sinto muito –
as mãos calejadas perderam o fogo
escondido entre as tuas pernas.

De um outro lado você passeia os dedos loucos
à meia-luz, sozinha
à frente da tela de um computador.

E eu sei, há a dor
ácida navalha sangrando lágrimas
num gozo frio de solidão.

CRiga.



quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Noite de verão


Porque agora
há noite ainda.

Paladar de deuses insones
recitando estrelas
de desejos pueris.

Faz tempo que a madrugada chama
ama segura sincera silenciosa.
Boca preta cheia de dentes perfeitos
que te come a alma mastigando poemas.

Besouros não gostam da luz amarela.
Abre a janela, vem pro jardim –
tem satélite, cadente e uma brisa.

Abre a camisa, seja valente.
Dá de beber ao poeta insolente
cujo prazer no gole profundo
goza o fim do mundo
numa eterna noite quente.

CRiga.



Traí, tou na capa da revista


A plástica beleza dá
a falsa impressão
de que é o mundo que tá errado
fora da moda.

Fraqueza…
Foda é aguentar likes, fakes
banalidades e “personas”.

Tanta curva de personalidade
tanta vaidade de boneca de porcelana.

CRiga.



terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Apenas um cósmico lamento



Vagalumes se confundiam nas estrelas
e eu nem tinha tantos desejos assim
aos astros que caíam riscando a noite.

Foi quando com muito esforço formei
teus olhos brilhando me observando
numa vaga constelação de canto.

Cadente lágrima caiu
e o pedido foi um grito surdo de perdão.

Apenas um cósmico lamento –
o céu fechou-se santo de pau oco
crucificado no falso cruzeiro do sul.

CRiga.



Sapato velho


Uma das piores sensações de um homem
é o estágio em que ele sente vergonha
de seus sapatos.

É quando toda a humildade que ele sempre cultivou
não vale mais que a falta de lustre
e de couro.

Quando o engraxate se torna
padre confessor.

CRiga.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Diminuto


Há uma solidãozinha que cutuca o peito, sabe...
Um amargorzinho de folha em branco,
um medinho de não sei o quê.

Dorzinha fria que nem ponta de faca cega.
Uma sensaçãozinha de abstinência
frio na espinha
no meio da tarde de verão.

Bolinha murchinha murchinha,
moleques gritam as férias na quadra.
Palavrinhas à brisa morna, vão-se embora
me deixam sozinho, escória.

Agorinha eu tinha onde me escorar
ainda tenho onde morar, uma casinha
um sonho, uma cidadezinha.

Putinha essa sensação de nada
nadinha nadinha...

CRiga.

domingo, 6 de janeiro de 2019

O eco do Panema


Ela vinha.
Sempre vinha!
Sorria
Ria
Gargalhava
Era a graça descansando
Brincando de viver.

Ela vinha.
Falava
Agia
Fazia
Cozinhava!

Ela contava a história das cidades
E dançava no refrão.

E quando a vida queria explodir
Ela gritava alto no Funil.

Para Inezita

CRiga.



sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Mail


Eu não tenho in box
nem out box.

Eu tenho é uma linda caixa de problemas
que o teu chato inglês enlatado
não quereria nunca resolver.

CRiga.