quarta-feira, 30 de junho de 2021

Rimar amor com travesseiro

 


Há perguntas que de tão simples
armam tempestades.

Você me ama?
Por que não gosta mais de mim?

Nem flores nem dores adiantam.
A esperança, a bonança,
rima pobre, roubada poesia,
nada depois de hesitar.

Há respostas que de tão francas
devolvem as coisas no lugar.

Eu não te amo.
Eu não gosto mais de você.

Sem desvios sem rodeios,
seta que aponta firme e certeira
a estrada à beira do precipício –
rota difícil, a vontade é de pular.

Há amor que de tão confuso
não sente nem sabe
se ama de verdade –
não mente mas omite
insiste corrigir e fica sem sentido
na insônia de um coração partido.

Há amor que de tão autêntico
não mente nem acena,
é seco para o sim e para o não.
Não sente pena, diz a verdade,
dorme o sono de quem ama
simples, sem vaidade.

CRiga.


terça-feira, 29 de junho de 2021

Vila Leopoldina


 

Ele não sabia que, entre as suas pernas enquanto sentado no corrimão do cursinho, ela sorria pedindo sua atenção. Ele não sabia que o coração era tão traiçoeiro quanto o tempo, que não curava feridas porra nenhuma. Ela cantava aquela canção do Robert Plant, dizendo que se lembrava dele na hora em que loirão gritava “I burn in love ”*... Ele sabia inglês, mas não quis saber o que significava.

Anos depois, visitou-a sem culpas de entender. Na verdade sem mais nada – naquele coração cego e surdo por sensatez jazia o vazio de uma tristeza incomunicável, um tempo cinza chuvoso de setembro e um vagar pela cidade e parar na sua casa para um oi.

Almoçou com ela e com a mãe, o almoço do pai falecido. Ela tinha novos discos, e conseguira achar aquele do Terence Trent D’arby, com “Seven More Days”, de um velho comercial de jeans em que o cara ficava um tempão esperando a namorada se vestir, ele num carro conversível, fez sol, fez chuva, e ela sai vestida no jeans perguntando: “demorei?”, e ele responde: “não, acabei de chegar”.

Eu demorei... um namorado viria vê-la amanhã, ele gostava de Beto Guedes e Belchior. Eu não conhecia, mas sabia do “não dá mais” brusco do seu olhar. Ele a conhecia. E ela o conhecia, e sabia que saindo dali ele compraria discos do Beto Guedes e do Belchior. E comprou mesmo.

Ele foi embora não arrependido de ter ido, nem arrependido de ter se feito cego anos antes, nos corredores e corrimãos do cursinho, ou à caminho do ponto de ônibus depois das aulas encerradas tarde da noite. Foi embora arrependido de nunca ter convencido ela que sabia dos olhares pedintes, das traduções, dos códigos tão jovens. Arrependido da insistência em dizer amiga, amiga... Amiga, palavra triste quando se perde um grande amor...

CRiga.


sexta-feira, 25 de junho de 2021

Quermesse

 


Vida besta esta de procurar preocupação.
Bom é procurar no inverno novo
um tempo antigo de curtir no frio
o mesmo couro da velha jaqueta.

Vem que hoje tem fogos de São João
vinho quente e quentão.
Tem é fogo também debaixo
das saias das meninas –
por isso é que não sentem frio
nem nossos corações partidos.

Mas as intenções são as mesmas.
Uma Maria quer casar
uma Joana viuvar.
Quando Zé pescar o prêmio
a namorada vai enciumar.
A prima da cidade quer ursinho
e ela tem lindos olhos de um verde
que nem a bandeira do Brasil!

CRiga.


quinta-feira, 24 de junho de 2021

Procissão de São João

 


Destrua os olhos roxos
querendo esconder pecado.
O mais pecado dos pecados –
ousar não ter pecado.

O suor do santinho a caminho
daquela fontezinha artificial
não purifica o asfalto caro
amanhã forrado de santinhos
de campanha eleitoral.

Os fogos do céu são bonitos
tão bonitos quanto o fogo
debaixo das saias das meninas.

Não creio em fonte, creio no fogo
que não mente nos olhos roxos
que não sente por pecar
e que vive santo, sem machucar.

O pecado mora aqui mesmo
não precisa procurar ao lado.

CRiga.



quarta-feira, 23 de junho de 2021

Mirasssol 0x1 Corinthians

 


Em Volta Redonda, no Rio de Janeiro,
a gente arredonda primeiro
e emplaca um jogo de graça
terça-feira na tevê.

E faz um povo feliz
sem mais dente pra sorrir.

E o futebol, sorrindo sem graça,
se descobrirá mendigo no amendoim abandonado
não recolhido
na cadeira do torcedor de carteirinha.

Nesse negócio de vírus paralisando o mundo,
a gente não divide a bola, só a bolada
daquela grana da emissora.

CRiga.




As simples letras pepitas de acalmar

 


Não adianta mesmo coçar-se
coisas que não são tuas.
Níqueis sem rostos de presidentes
caem dos bolsos furados –
nada paga a paz de espírito.

Há um Brasil que tolhe direitos,
e até ser simples neste garimpo
custa caro como o desperdício
na Assembleia Legislativa.

Há valor às minhas letras,
não caras nem bancando
a coluna social.
Nem raras que sustentem
o carnê do falso lar.

Vá lá! – é preciso mesmo
muita simplicidade, meu amigo!
Mas não me venha com “o faxina
que virou empresário
e até um deputado!”

O valor que se paga é pepita d’alma,
a minha alma!
Ladrilha pedrinha de brilhante
ao meu amor que não passou. 
Se essa rua se essa rua fosse minha
eu não vendia, eu não vendia.

As letras pagam meu cobertor de ouro,
a alma é nua!
Esperança menina que orbita boba,
solta, singela num poema.

CRiga.



terça-feira, 22 de junho de 2021

Dó, Si

 


Eu não tive o brinquedo que pedi.
Mas vi meu Noel sem jeito
quando contava migalhas do seu bolso.
Ele era muito bravo,
um adulto de dar dó.

Eu comi o x-salada que queria,
ela sacou da condução a ficha no caixa.
No balcão da lanchonete a coca veio quente
pela metade oferecida
por um adulto amigo talvez com dó.

Eu vi meu vô pelado na sala.
Ele assoviava, nu com sua dor.
Criança, eu não sabia
o que era sentir dó nem sentir dor.

Eu com dó de mim, matreiro trapaceiro,
minha vó prometeu me defender:
bola de meia em cheio, vidraça quebrada!
Mas quando mamãe chegasse cansada
não brigaria comigo não.

Dó, ré, mi.
Faz um favor pra mim?
Canta um sol melódico
lá naquele meu futuro melancólico?

Pode ser a partir de si.
Seja lá o que for
sem assim tanto dó de mim.

CRiga.


segunda-feira, 21 de junho de 2021

Parece que fiz um poema de amor

 



É engraçado que todas as soluções
dos meus tolos e tão amáveis eternos dilemas
têm uma resposta positiva em você.

Em cada gesto, cada olhar.
Quando a gente fala de poesia
e esquece o dia em que a gente se esqueceu.

Quero que você me repreenda
com a mesma força que o teu sorriso
me faz te amar cada vez mais.

CRiga.




quarta-feira, 16 de junho de 2021

Todo dia ela faz

 


É que eu não estou para romances.
Mantenho estandartes da seriedade
os meus óculos de grau.

Natural que faltem versos, prosas.
Nem tem a ver com espelhos
ou mensalidades da academia.

Corpo padece mesmo
é no cordão da multidão
é na falta de inspiração
é quando o pão vira o dia
perfeito na verdade do não.

CRiga.



terça-feira, 15 de junho de 2021

Dias eternos de amores modernos

 


Lídia olhava a caixinha de música quebrada. Deveria chorar, mas não chorava. A bailarina manca e a música desafinada já não afetavam mais.

Lídia não esqueceu o batom vermelho na bolsa, nem o preservativo comprado, em segredo, naquela farmácia de esquina. A inveja da solteirona do balcão podia denunciar. “Foda-se!”, palavra da moda.

Lídia deixou pra trás uma vida de menina. Perdeu vontade de chorar por brinquedo quebrado, perdeu a atenção nos bordões da mãe, perdeu a doce virgindade lenda das conversas de chá da tarde.

Enquanto destoava nos gemidos, misto de dor e de novo prazer, uma bailarina manca fazia as malas. Não havia príncipe nessa história de amores perfeitos, porque nem Lídia esperava telefonemas de dias seguintes.

Nem mesmo aquele soldadinho de chumbo, herói de outrora a declamar poemas ao pé da caixinha, havia mais – perdeu uma perna na guerra da puberdade, e aposentou-se beberrão numa cadeira de rodas pela cidade dos brinquedos fantasmas.

E o amor, descrito num velho livro de contos de fadas, agora apenas mascava chicletes despreocupado, parado na chuva com guarda-chuva furado, esperando um ônibus qualquer.

CRiga.


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Corpo celeste de luz própria

 


Se é cadente a gente quase nunca vê.
Mas se vê não faz a matemática
e até esquece na manhã seguinte.

Mas quem vai querer mesmo fazer conta
se cresce verruga na ponta do dedo da gente!

Havia uma noite muita gente
deitada na pedra
confundindo-as com vagalume.

Havia um nome e um perfume.
Dalva era minha professora de português.

Havia também Maria
três meninas formando fitinha no céu.

Às vezes se passa de Vênus
sangrando corações desiludidos.

Às vezes se move, é satélite!
Quando chove a gente chora de pena
quando ela grita uma pequena luz.

Na cruz é o cruzeiro.
Tem o falso e o verdadeiro.

Tem aquela que eu te dei!
E tem aquelas
que minha astrologia já exilou por bem.

Tem é todo um tipo de amor.
Porque nunca ouvi ninguém dizer
que não gosta de olhar estrelas.

CRiga.



quarta-feira, 9 de junho de 2021

À minha professora

 


Dona Dalva,
minha professora de português.

Falava também francês!

Estrela de blush e batom sem brilho
de um lindo e amarelo Fiat 147.

Ofereceu carona
a adolescentes encharcados pela chuva
a caminho da escola.

“Por que não veio do dia da prova?”
Porque quis perder a hora
brincando com minha irmã...

“Pois então sente aqui,
faça essa prova agora por mim.”

Fiz dez, que beleza!

Dona Dalva sorria fonemas
de amor à Língua Portuguesa.  

CRiga.


terça-feira, 8 de junho de 2021

A busca

 


Nos supermercados
te procuro entre os corredores.
No rock and roll
o show tem muitos rostos teus.
Pelas ruas, encruzilhadas
edifícios frios, albergues,
onde você está?

Meu coração já sabe teu nome
mas a boca não pronuncia.
Cala o passo alado levantando poeira
deixando só o cheiro de rosa
ou jasmim de casa eterna.

Te segui cordões umbilicais
duvidando que tinhas nascido.
O tango aprendi a dançar
pensando seres a diva de um cabaré.

Deixei o cabelo crescer
porque os hippies ainda andam por aí.
Deixei muito cedo o lar dos pais queridos
com um az e um rei de ouros
mas nunca ganhei o jogo.

Meu coração saiu sabendo
que caminho prosseguir,
tropecei na pedra que você atirou
de longe longe, amor,
e te vi virando a esquina
deixando um rastro de gasolina.

Ainda te procuro galerias e museus,
lugares frios, longe longe,
até te encontrar, até cansar
até a morte de fato nos separar.

CRiga.



segunda-feira, 7 de junho de 2021

Consciência tranquila

 


Eu hoje resolvi gritar um pouco mais
sozinho na imensidão de minhas ideias.

Rouco. Mas o que parece silêncio
machuca as cordas vocais do coração.

Louco quem não ao menos não sussurra
a bronca contra o ouvido do amigo opressor.

Eu hoje resolvi perder um pouco mais.
Tanto faz.

Solto n’alma da brisa eu pendo
pra onde eu possa planar em minha paz.

CRiga.




Os noturnos

 


Os noturnos sabem bem
onde apertam todos os calos.

Alguns
simplesmente se calam.
Outros falam. E falam!
Ensaiando teorias.

Mas na madrugada serena
quase na primeira fornada de pão
sempre pedem perdão.

E com a mão acesa
incerta seta apontada no infinito,
também pedem sem maldade
a santa saideira da saudade.

Para Carlão

CRiga.


quarta-feira, 2 de junho de 2021

terça-feira, 1 de junho de 2021

Não há lugar ao sol nem ar condicionado

 


Segurança é insegura, camará.
Cai do galho, se machucar.
Vira os olhos na loucura.
Troca as pernas na correria.
Queima a língua com café.

Só não fica feito paxá fora de moda.
Buda que cumprimenta com o dorso da mão.
Dono de verdades convenientes.
Vem que cem te esperam na fila.
Alguns dando risada. Outros estendendo a mão.

Não importa. Trono é coisa de rei gordo.
Agarra os papéis que te oferecem.
O bobo da corte tem sorte.
Morte é certa pra quem quer pena.

CRiga.