sexta-feira, 30 de junho de 2017

Agenda


A tela em branco me desafia
mais um dia eu preciso te dizer
que a vida precisa de poesia.

Nem que seja assim pueril
rimas pobres, versos fáceis.

Florezinhas coloridas num vaso
no beiral da janela antiga
da ruazinha de paralelepípedos
da cidadezinha que a gente imagina.

Um rosto antigo que vem nos visitar
um espírito que mexe a gaveta na madrugada.

Mãos dadas num sonho meio amargo
chocolate guardado, as dores pela irmã querida.

Frio desafio, notas coloridas
na doce sexta de inverno.
Mais vale forçar o pulso e deixar-me leve
que morrer no tráfego a caminho da Capital.

CRiga.


quinta-feira, 29 de junho de 2017

Cordas de guitarra


Tanto de mim boia por aí,
notas dissonantes, lindas,
um solo que me faz chorar.

Às vezes num dia
harmonia
é questão de saber interpretar.

Nem que seja a tristeza
das cordas em silêncio.



CRiga.


terça-feira, 27 de junho de 2017

Rimar amor com travesseiro


Há perguntas que de tão simples
armam tempestades.

Você me ama?
Por que não gosta mais de mim?

Nem flores nem dores adiantam.
A esperança, a bonança,
rima pobre, roubada poesia,
nada depois de hesitar.

Há respostas que de tão francas
devolvem as coisas no lugar.

Eu não te amo.
Eu não gosto mais de você.

Sem desvios sem rodeios,
seta que aponta firme e certeira
a estrada à beira do precipício –
rota difícil, a vontade é de pular.

Há amor que de tão confuso
não sente nem sabe
se ama de verdade –
não mente mas omite
insiste corrigir e fica sem sentido
na insônia de um coração partido.

Há amor que de tão autêntico
não mente nem acena,
é seco para o sim e para o não.
Não sente pena, diz a verdade,
dorme o sono de quem ama
simples, sem vaidade.

CRiga.



domingo, 25 de junho de 2017

Basta chacoalhar


Tem aquele sol de inverno,
a necessidade de falar contigo
e dizer que há outras estações.
As fotos me avisaram, o amor é nosso
mas a vida inteira também é –
às vezes a gente se atrapalha no passo
chuta pedra, ignora a flor na calçada,
mas tem parque e visita de domingo
um bom papo, boas lembranças
nossas ainda eternas crianças!
Todos nós temos medo, é o enredo,
mas tem medo que às vezes aterroriza,
pesadelo daqueles de chamar a mãe.
Pode me chamar. Pode me contar.
Nosso coração é do universo,
basta azeitar as engrenagens –
ele vai conspirar tão novo
feito o relógio do vô Inocêncio
que ainda insiste funcionar.


CRiga.


sexta-feira, 23 de junho de 2017

Um brinde a quem caminha


Há caminhos, caminhante,
trilhas, atalhos, avenidas.
Há vidas que cruzam, encruzilhadas,
a dúvida no passo também é normal.
Há o mal, e ao lado não o bem:
há ali você também
mãos dadas ou num adeus.
Há mágoa e um rio doce,
deixe a água pura te embriagar,
te curar, todo dia é um novo batismo.
Há remédios e receitas de bolo,
bulas, mapas, livros de poesia
e alguns manuais de pra te autoajudar.
Há máquinas que não param de trabalhar,
trabalhadores que não param de maquinar
como sair, como amar num turbilhão.
Há dívidas que a gente paga de coração,
há outras que não aceitam nosso perdão.
Há no fim do arco-íris uma sexta-feira de sol,
uma flauta doce, um Ravel e um rock and roll.
Há uma mesa reservada, a bebida é gelada,
é inverno, mas a sede de viver
ainda permanece aquela mesma.

E há no fim um novo começo,
tropeço, joelho ralado, um lado que dói.
Mas há caminhos, caminhante,
trilhas e atalhos como antes.

CRiga.



quarta-feira, 21 de junho de 2017

Quermesse


Vida besta procurar preocupação.
Bom é procurar no inverno novo
um tempo antigo de curtir no frio
o mesmo couro da velha jaqueta.

Vem que hoje tem fogos de São João,
vinho quente e quentão
debaixo da roupa das meninas –
por isso é que não sentem frio
nem nossos corações partidos.

Mas as intenções são as mesmas.
Uma Maria quer casar,
uma Joana viuvar.
Quando Zé pescar o prêmio
a namorada vai enciumar.
A prima de visita quer ursinho,
ela tem lindos olhos de um verde
que nem a bandeira do Brasil!

CRiga. 


terça-feira, 20 de junho de 2017

Engrenagem


Não preciso de muito dinheiro, mas a paz pode ser cara, a minha cara cansada de tanto esquentar miolos com letras-ideias e páginas de jornais. Não tenho muita escolha. Há o passo cadafalso beira precipício. E há a vida vigia que não dá segundas chances de perfeitas histórias da revista. Mas cansa. Há uma dança de preocupações cotidianas, e de fato agora vejo o quanto não há espaço neste apartamento para as minhas visões. O problema é que preciso de visões. Tirar do ar o vírus que dá a vacina. Lá em cima do piano havia um copo de veneno – secou esperando eu desistir da ciência-letra ponte de precipício, da corda solta na coragem de caminhar. Difícil não é escrever. Difícil é colher fatos e flores no jardim seco das obrigações.


CRiga.


segunda-feira, 19 de junho de 2017

Deram-se as mãos num sonho

Caminhava sem destino certo
silabando, calcanhares em brilho.
Quando quebrou o salto.

Manco, margeava palavras
não havia então guias rebaixadas
a calçada era aquela esburacada
sem espaço sem chance
a quem não é perfeito.

Parou cansado apoiado a uma árvore.
Por que tanto doem os calcanhares?
Por que tão ofegante sem as sílabas?
Por que então a rua virou ladeira?

A ele só restou o desejo
o beijo na boca,
e que o prefeito desse um jeito
naquela cidade tão bonita
que Caetano cantou um dia.


CRiga.


terça-feira, 13 de junho de 2017

A pressa, a angústia


A pressa te deixa presa fácil.
O velhinho anda na calçada,
a criança brinca no parque.
Teu ritmo é teu, o mundo não gira
pra parar na tua urgência.

Certo dessa forma apenas
é o envelhecer mais cedo,
é a birra procurando bronca.
Tua pressa só vai te jogar mais rápido
na boca do pombo da praça,
no inferno da doce amarelinha.


CRiga.


sexta-feira, 9 de junho de 2017

Uma entrevista


Estes olhos são azuis.
Mas o doce do anis
recheio do bombom
é ácido sulfúrico.

Ácido suficiente pra verdade,
não há maldade, apenas a forma
que corrói acusando desacertos.

Eu revivi. Nunca menti.
No meu caderno as letras correm
assim como o sangue certeiro
nas veias fazendo história.

Me olha nos olhos
mergulha no ácido
e me deixa contar.

CRiga.


quinta-feira, 8 de junho de 2017

Paradinha à tarde


Letras escadas eu subo
eu corro, mais alto ofegante
olho pra trás e confiro:

não te disse que te amo
que te chamo
que não rimo com robô.

Amar-te agora parece apenas
lavar a pouca louça que me resta.


CRiga.


quarta-feira, 7 de junho de 2017

Festa


Dali em diante, fêmea decidida,
tomaria todas as bebidas da festa,
amazona bruxa louca varrida
varrendo homens de sua vida.

Glicose nunca faria efeito,
e o coma na cama se negaria
levar esta espécime da fortaleza
pro escuro, acender o sol.

Nada a deteria, nem os olhos azuis,
nem novo romance de guardanapo.
O vestido curto já incomodava,
queria mesmo era o moletom de domingo.

Pra puta que os pariu os caralhos!
Pra que lágrima se não dói o corpo?
Rodou o gelo no copo de whisky
e uma pontada gelada no peito
acordou o bicho mais sangrento:

solidão rangendo,
mordendo o salgadinho...


CRiga.


terça-feira, 6 de junho de 2017

Um novo horizonte


Aqui estou pro que der e vier.
O aniversário é meu, mas a sorte é tua.
Vem que o cadeado eu já quebrei,
o chaveiro fiz questão de perder.
Eu sei que a data marca, a gente treme,
e pra quem acredita no caminho
na igrejinha das quartas-feiras,
eu estou no altarzinho, braços abertos.
Não precisa mais limpar o corpo,
a alma a gente cuida de salvar.
Pode esquecer a coleira, a corrente,
há um latido bem conhecido aqui comigo.
É chegada a hora. Vamos embora.
Deixa anotado o teu salmo predileto,
e vem guiando nosso Volks azul.
Vem que te espero na primeira esquina
com aquele meu sorriso de primeira vez.

CRiga.


segunda-feira, 5 de junho de 2017

É sempre bom lembrar...


Na correria em busca de dias melhores,
a chuva de segunda não me constrange
nem me entristece.

O alcance das mãos é o suficiente.
O que não preenche
é falta de amor.

CRiga.


domingo, 4 de junho de 2017

Os noturnos


Os noturnos sabem bem
onde apertam todos os calos.

Alguns
simplesmente se calam.
Outros falam. E falam!
Ensaiando teorias.

Mas na madrugada serena
quase na primeira fornada de pão,
sempre pedem perdão.

E com a mão acesa
incerta seta apontada no infinito,
também pedem sem maldade
a santa saideira da saudade.

Para Carlão.


CRiga.


sexta-feira, 2 de junho de 2017

Demônios me visitam


Eu bebo um gole, a vida não me pede muito mais que isso agora. Não sei de trilhas, atalhos ou trincheiras – cedo ou tarde a hora chega, e eu não vou ficar contando estrelas. O corpo que ferve já nem sente as unhas que procuram frear a pele que denuncia um mal. Quero logo terminar as obrigações, à noite sei mais de mim, não saio, fico em casa, talvez um rock e mais um gole. Eu fico em mim com a certeza que sei fazer o que me proponho, mas não sei controlar as feras feias que forçam as grades como a Monga do Playcenter. Minha pele são as grades. Esta vida de criação cristã me fez ter medo de lobo mau. Ele bebe comigo. Depois vai embora, eu pago a conta, e faço de conta que Deus vai me castigar.


CRiga.


quinta-feira, 1 de junho de 2017

Rocha lisa


Duro é quando a água para de bater na pedra, e você tem tempo de querer sentir nos olhos o sal. O mar secou, diria Drummond, eu não sou duro, José. Eu sou a água que parou de bater na pedra. Eu sou também a pedra – rala lisa nua de cara exposta no vento cortante que vem num assovio do leito marítimo que virou deserto. De repente a onda (eu espero) vai me levar. Explodir como nos pesadelos. Daí posso ver teu rosto refletido na lua vermelha, enquanto submerjo levemente morto no mar do desengano, o mar tranquilo sem tempestades, tubarões e godzillas. A tal da bonança. Quando tarde demais os escafandros descobrirão uma carta borrada no bolso do surrado jeans, apenas uma poesia pra você, a nobre arqueologia, o dia em que eu finalmente decidi te procurar nos versos que não saíam, pois duro era quando a pedra rolava o penhasco e você, na beira do precipício, me esperava encontro marcado. Sempre nos desencontramos. Eu não honrei canções. Não te esperei feito pedra postada à beira-mar. Eu me gastei. Virei cascalho. O vento me levou. O mar voltou a ser o mar. E você, aros pretos nos olhos cansados da lua vermelha, resolveu sangrar a lágrima que meus olhos não conseguiram chorar àquelas tardes. Era muito tarde. As letrinhas já subiam dando os créditos no final do drama. Quem ama em silêncio encrudesce a poesia...


CRiga.