terça-feira, 31 de julho de 2018

Entre os lábios



A língua draga com fogo de dragão,
beijo que chupa a pele do pêssego morno
ou boca caindo de boca
na doce manga de estação.

CRiga.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Um eco na esquina



Tocava seu blues na gaita de madrugada,
era o frio, a chuva e uma cidade intensa
que o desdobravam pelas calçadas sem estrelas.

Hollywood era apenas lenda de revista,
e os buracos no passeio público
tinham nomes de políticos e burocratas.

Fizesse fama deitaria, se deixaria
fotografar nu feito Lennon e Yoko.
Havia pouco acorde e muito a dizer.

Arte maior é morrer de frio
na calçada sem fama,
folha de papel borrada no bolso furado –

futuro sucesso, domínio público,
sem gravura nos livros da biblioteca
sem menções estrelares
nas visitas escolares aos museus.

CRiga.



quarta-feira, 25 de julho de 2018

Palavras escadas saídas de emergência


Pela paisagem feiamente urbana de minha varanda
eu tento voar furando as tristes nuvens nubladas
em busca de um sol que possa me dar caminho de mais alma.

Mas há correntes de ouro me prendendo pelos tornozelos.
Anjinhos que dão corda e puxam de volta quando vou longe.
Um lugar de céu azul para planar livre feito os passarinhos de toda a cor.

As correntes vou fundindo cada elo pra comprar o pão.
Os anjinhos fugindo sempre me acompanharão, ainda bem.
O lugar não é aqui, mas de vez em quando, por enquanto,
eu plano por lá também.

Difícil mesmo é equilibrar-me agora nas palavras, escadas.
Cair do céu sorrindo paraquedas, paradeiros.
Parar na terra fofa plantando futuros e brisas
pra um dia de asas curtas eu planar na horta
bicando o tempero pra refeição, doce comunhão.

De sobremesa o sorriso largo do sol
sobre o monte verde lá da frente –
hoje é dia de gastar as palavras
que poupamos toda a vida, poesia!

CRiga.



terça-feira, 17 de julho de 2018

Eu queria era voltar para você


Faz tempo que o branco dos teus olhos
olhos inquietos
não me inspira cor qualquer.
Me sufoca.
Nem mais me desafia.

Desenharei uma pupila perdida
pululando em meio ao verde esmeralda
de uma memória qualquer, invenção.
Não tenho mais verdes pra te contar –
dizem que a esperança tem uma cor.

Uma pupila quimicamente dilatada
me lembra a mãe que tenho que cuidar –
dizem que o amor tem seu tempo de mandar.
Eu vou dormir, vá dormir, não se preocupe:
amanhã há uma intenção de visitar.

Há o tempo de todos.
Dos mofos, dos elfos.
Dos tolos, dos credos.
Dos tombos. Dos versos.
Ainda não me libertei da vontade de ficar,
da vontade de voltar.

Uma vontade branca na tela do computador.
Inquieta.
Inspirada.
Sufocante.
Desafiante.

Vontade contadora de histórias.
Há sim aquele tempo de liberdade no ar.
Apenas estar perdido, pouco se importar,
porque tudo no final dava em poesia.
Eu acho que preciso mesmo é de um caderno azul!...

Eu preciso é de uma cor.
Negra talvez, mas sem tristeza.
Quem sabe um beijo na hora de sair ao trabalho.
Quem sabe um arco-íris cujo clichê do pote de ouro
seja o branco dos teus olhos me dando bom dia.

Um dia claro.
Um café preto.
E a vontade de voltar para você.

CRiga.



quinta-feira, 5 de julho de 2018

Recordação


Uma foto me faz lembrar,
me faz ter vontade de ouvir você dizer
que nada de lá pra cá
mudou tanto assim.

Precisamos um do outro –
frase perfeita! Não há outra.
Tente construir ou compor
uma fotografia tão bonita...

Uma foto me comove.
Faz anos que a gente corre
e se reencontra na volta
nem sempre tão prontos assim.

Eu tinha uma caixinha de conselhos
e um caderno de palavras fáceis
porém sinceras.

Eu tinha a impressão que durariam,
que venceriam estes dias difíceis
as cores da fotografia.

Eu tinha nas mãos a luz do dia
o charme das noites
e sorrisos iluminando futuros.

Onde foram parar os brindes
a mesa pronta pra ceia
ou pro carteado na madrugada?

Onde fomos parar além daquelas fotos
em que pousávamos donos dos destinos?

Uma foto me move de volta, me diz:
“pega minha mão, menino,
estamos perdidos porém eternizados
desiludidos porém cicatrizados
nas cores da fotografia”.

CRiga.


terça-feira, 3 de julho de 2018

Viúva



Procura por algo no fundo da gaveta,
e apenas o rosto coberto pelo pó
na velha fotografia
denuncia.

Você não morreu
e os barbitúricos acabaram.

Abrir de manhã a janela molhada,
o gesto simples e simbólico pra continuar:
é como amputar os braços, se salvar
procurando no brilho tímido do sol
um sorriso-motivo pra acreditar.

Trocar a cama, os lençóis, o travesseiro – 
tem aquele buraco irritante que sufoca.
A cada manhã faço uma promessa nova,
minha pressa é amiga da cicatriz vermelha.

Minha reza por um triz não é lamento.
Eu quase não lembro mais o dia
em que morri junto a você.  

CRiga.