sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Uma vaga ideia


O som do pneu contra o asfalto molhado
é o mais caro som da solidão.

É o som que resgata o garoto que corria
que morria todo dia
renascia de vez em quando.

Aquele garoto sorria
não sabia bem pra quem.

O som do pneu contra o asfalto molhado
é a sinfonia da mais doce melancolia.
É de quando não havia dia
que o garoto não queria
ser apenas um garoto.

Mas ele era.

E era uma vez um garoto.
Não havia chuva que não fosse amiga.
Não havia amiga.
Não havia.

Ele havia de ser alguém,
uma ideia vaga de poesia...

CRiga.


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Falta-me


Correr de volta o teu caminho
margaridas na calçada.

Recuperar a lucidez do amor
comprar uma passagem
pra você me acompanhar.

Não deixar teu cabelo novo
passar despercebido pela sala.

Não desviar o olhar
negar um sorriso à facilidade.

Trilhar esta cidade
em busca de um encanto, que difícil!
não o ar fedido que sufoca meu filho.

Correr de volta o meu caminho
um pedido de namoro, rosas e romance -
a poesia em meu alcance
esquecida nos cadernos.

CRiga.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Eu sou um velho palhaço


Muitas já foram as histórias de palhaços apaixonados. Aqueles que já sem a maquiagem vão à porta do circo esperar a amada, que passa lotada dizendo “que palhaço idiota”. E assim nasceu a lágrima desenhada junto à tinta colorida de um rosto que preferirá sempre esconder a dor.

Eu não espero que você me ame. Pra ser sincero, nem que você ria. Tentei ser mágico só pra poder usar smoking preto, mas o coelho da cartola mordeu meu dedo e riram de mim do mesmo jeito. Tentei acrobacias no ar, caí na rede e depois, de ricochete, no chão de pó de serra. Até o leão nem se moveu quando fui eu o domador.

A dor do palhaço ninguém vê – afinal, a ideia é ver só alegria mesmo. Pobre palhaço, não pode nem se apaixonar! Fora do circo anda de bar em bar, ainda colorido, descolando um trago aqui outro ali, até cair embriagado na sarjeta e crianças chutarem seu traseiro de manhã. Hora de ser sombra.

Minhas rugas não somem mais com a maquiagem. Agora nem minha dor. Meu número no picadeiro mudou – uma tragicomédia que ninguém entende. Ninguém mais ri. Enfadonho espetáculo, eu me equilibro nos minutos e meu olhar vago denuncia a falta de saco de fazer criança rir.

É quando vê o milésimo amor da sua vida lhe sorrindo. Pula, sacoleja, cambalhota, grita. As risadas reaparecem. Ele é o palhaço do cartaz novamente! Vem a sirene, o balde de água na cara, deveria acordar do devaneio incontrolável, mas algo de arte ainda o move. Ou seria amor?

Eu te amo, você não vê nestes olhos? Não, volte pra trás, ainda tenho truques pra te conquistar. Quem é esse rapaz loirinho do seu lado? Porque você tá de mãozinha agarrada com ele? E esse beijo, não era pra ser meu? Volte, mata essa bicha louca do caralho e vem que a gente foge com o alazão do circo!... Sua puta!...

Muitas já foram as histórias de palhaços apaixonados. Poucas aquelas que deram certo. De volta ao camarim de terceira grandeza, dois por dois, um balde d’água e um espelho trincado, já nem mais chora as desilusões de cada noite. O dono do circo lhe dá a mixaria da quinzena e mais uma bronca: “um espetáculo mais esquisito que o outro. Se endireita, seu palhaço velho!”

Eu sou um velho palhaço.

CRiga.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Olhe o lado bom


Não será toda vez.
Mas toda vez que for
valerá pelas que não foram.

Você tem de onde tirar
o sustento da família.
Mas quem vai sustentar
o corpinho do meu filho
quando ele cair da bicicleta?

Há os dias de semana
que você poderá aproveitar.
Mas encontrarei nestes dias
amigos, filhos,
o amor de aproveitar?

O peito pesa nestes dias
que você precisa matar estes poucos de si.
Compensam os meses, anos,
que você envelhece por antecipação?

Não será toda vez.
Mas toda vez que for
o coração baterá mais rápido,
mais letárgico – uma pata de elefante
esmaga aos poucos por dentro o peito
até que valha a pena conseguir enxergar
o tal do lado bom
das coisas que te matam.

CRiga.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

A tela branca me desafia


Você pode ir pelo seu próprio caminho,
menos o mais fácil:

aquele das frases feitas
e de receitas prontas
insossas demais.

CRiga.

É só você e você mesmo


Só,
a consciência é foda!

Ela te diz coisas legais
com a cara de quem você quer enxergar

Ela grita no teu silêncio tibetano
despropérios de amor que parecem
pássaros cantando no carvalho.

Ela sorri compreensão.

Ela emite ondas a cada horário
pra você levar em conta
o que há para fazer amanhã.

Alguns arriscam Kardec.

Outros sabem
não quebrar espelho.

CRiga.

Retiro


Quando fui pro dia
ainda noite,
fiz uma receita
e pendurei o cacho de banana verde
na garagem.

No outro dia
já um dia de manhã,
cuidei de águas e de um artigo
que eu deveria entregar.

E resolvi deixar as águas seguirem seu curso
numa demorada tempestade de verão.

Noutro
lá pelas nove!
fui conferir uma rede social
contando as horas do pré-carnaval.

Amanhã não sei...
Vou esperar o meu amor com um brinde
na sexta-feira de finalmente
poder perder todos os sentidos...

CRiga.


Chá


Agora o caos não me afeta.

Mas não é o tal da frase feita,
“o que tiver de ser será”.

É a experiência do Leprechaun
operariando os verdes do jardim.

Ou do mandigo que abençoa a erva
na fumaça da casinha-terreiro.

CRiga.

Para Lennon, Mccartney, Harrison & Star


Na dúvida, um Beatles.
Nos Beatles, uma dúvida:

Quais e quantos serão os discos
que vamos separar para ouvir?

CRiga.

Devaneio


Guardo memórias musicais.
Metáforas em mim,
maior.

Mas tem momento exato.

É quando o coração encontra a mente
num solo de guitarra
que dura eternamente.

CRiga.

Quando estou sozinho


Engraçado!...

A minha consciência
tem sempre a sua cara!

CRiga.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Distâncias


Todas elas
me dirigem pra você.

CRiga.

Companheira


Quando fala mais alto
a voz da consciência.

E ela fala!
Não grita.
Convence.
É sábia.

Ela é o anjo personificado
na porra da coisa toda
que você precisa ouvir.

E ela sabe!
Não cobra.
Finge que esquece.
É companheira!

CRiga.

Escritor contratado


Ele precisa de pessoas que contem histórias.

E eu preciso de boas histórias
de boas pessoas
para serem bem contadas...

CRiga.

Desligar


Cada coisa
agora em seu devido lugar.

Agora,
devanear.

CRiga.

Os brutos


Cuidado com quem você mata.
Abelha, grilo, mariposa, vagalume.

Se ela picou o dedinho de sua irmã.
Se ele não te deixou uma noite dormir.
Se deu medo parecendo morcego na sala.

Se você não aguenta luz
à luz do natural.

CRiga.

Rede social


A saudade atualmente se resume
à falta de fazer a foto
do que agora faço sem você.

CRiga.

Poesia


Meus dedos colorem minha alma
quando corro campos procurando
me traduzir do preto e branco.

CRiga.

Sangue venoso


Há um espaço imenso entre o coração
e o tempo.

E quando o músculo inventa
de bater pra trás,
por que será que apenas o pó
violenta a veia explodindo solidão?

CRiga.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Patuá


Se assim quis o acaso
então que seja assim.

No caso de você acreditar
guarde o patuá.

No caso de apenas querer
você sempre quererá.

CRiga.

Chama


Tudo o que eu pedi.
Que eu mandei.

Ele fez tudo.
Pra nem perder esse tempo sempre assim tão grande
desse mundo.

Ele sabe
o jeito que eu gosto.

CRiga.

Solidão de exílio


A cama vazia me ama,
me chama:

“Vem dormir, amor...
vem dormir...”

CRiga.

Letra minúscula


Eu deixei um livro escrito
e você não leu
e você não publicou.

Tudo bem, ele está escrito
na alma da escritura
no espírito da lei.

CRiga.

Solidão


Eu nunca falei com o Wilson.

Não pelo menos
antes do filme.

CRiga.

Concessão


Sob as asas da liberdade
sempre há um controle.

CRiga.

Sem-Fim



O melhor de estar sozinho
é poder rotar
sozinho
seja lá o que for...

CRiga.

Linotipo viciado


À tarde, quando tudo parecia
fim-de-mundo programado,
falhou a memória do computador
e falou o dono da bola murcha
que tanto fazia rico ou pobre
velho ou novo – a moda da moda
agora era o desespero.

Preferi correr, recorrer
à memória do coração,
à história sem agá.

A estória que inventamos
quando é nossa a história,
vale memória ou impressão
desde que o coração fale mais alto.

Tudo falha, meu amor.
De infalível bastam a moda
e o barulho das máquinas
quebradas ou não.

CRiga.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Acabou, começou


Não adiantam dores amores flores rimas –
quando desapaixona já era, meu amigo!

Nem chocolate nem jantar caro de um mês de salário
naquele restaurante da propaganda que vocês ouviam
quando de manhã iam juntos trabalhar.

A comida fica seca e mais cara,
o vinho dá dor de cabeça.
A sobremesa tem as calorias que precisa evitar,
daqui uns dias tem balada com as amigas.

Desinfeta, desidrata então os temperos
a gente nem vai fazer aquele prato da tevê.

Desafasta, me dá ar, pega suas coisas e não demora.
Quer a hora do relógio?
É agora: a hora de você só ir embora.

No guarda-roupa cheirando a mofado tem
aquele vestidinho lindo vermelhinho também.
O decote ficou fundo demais
ou eu que me afundei de peito aberto em você?

Vestido mofado? Qual o quê!
Boutique e vendedoras que parecem amigas de infância,
um decote novo e um azul da paz que namoro.

Você aparece pra me pegar...
Arrumou o amassadinho do para-choque
botou cheirinho de carro novo.

Criancinha com fome, chega a dar dó!
Ainda bem que me chega todo mês
o carnê do Médicos Sem Fronteira...

Falando em fronteira cruzo a cidade
num táxi que toca Djavan:
“cair nos pés do vencedor
para ser o serviçal do Samurai
mas eu tou tão feliz”...

Dizem
que o amor próprio também atrai.

CRiga.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Quinta-feira de limpar as cinzas


Há o silêncio que dói.
O silêncio cortante, gritante.
O que anuncia o cinza do dia,
a incerteza, o nada incrustado
no DNA do minuto seguinte.

Só que minutos viram horas.

Nem um ai, um alô
para aliviar uma pseudo dor.
Haveria amor
se silêncio rimasse com paz.

O silêncio tortura as horas.
As horas viram o dia,
mais um jogado à brisa poluída.
A culpa é da cidade sem espírito
que apenas grita buzinas e caminhões.

O silêncio é monossílabo, é só.
Raspa na garganta, nada diz. 
Eu acho é que ele tem é medo
de somente ser feliz.

CRiga.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Metendo a colher


Não tenho muita certeza quanto ao pranto, se lava, se amarrota a alma com a calma de um câncer. Também não sei se é fácil seguir em frente como que faltando o dente e comendo a pedra.

Siga os cartazes: há uma lágrima pra cada coração partido! Pelo menos uma, ou pior, a lágrima etílica. Então jogue na pia os litros de uísque escocês e deixe um CD de músicas clássicas à mesa, de manhã, pra um filho lembrar da serenidade que é você.

E mesmo que os ares de uma juventude distante te sufoquem tanto agora, te machuquem os dedos loucos fincados num teclado de computador, assim aos poucos, deixe de lado reinventar a história, não existe amor errado, apenas resiste essa falta:

Da arte, cadeiras juntinhas num cinema, num teatro.

Dos bares, dois chopes e olhares eternos cruzados sobre a mesa.

Da música dos lares, talvez uma dança como antigamente sobre o piso novo da sala mais espaçosa, com saudades dos pés descalços roçando a madeira.

Da cama desarrumada, a preguiça às manhãs de domingo.

Do caminhar num dia lindo, mãos dadas nas ruas com árvores verdes dando bom dia.

De um passeio logo ali, no Pari ou em Paris.

De uma nova poesia, uma nova “nossa música”.

Ou só falta a morte – fatalmente, finalmente, fielmente – nunca mais separar vocês.

CRiga.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Procure no lugar certo


Frases feitas.
Um escritor pra te autoajudar.

Barbitúricos, ervas pra efusão
e outras pra enrolar.

Grana emprestada.
Dormir não vale nada.

Um livro de capa preta
é apenas um livro de capa preta.

Procure apenas sorrir a quem precisa
de um sorriso e de um bom dia.

Ensine,
transborde o bom conhecimento. 
Aprenda,
a humildade é fundamental.

E seja simples – 
pode estar nos escombros da tua alma
a vela que iluminará as trevas de alguém.

Pode estar lá no fundo a chama
que renascerá pra você também.

CRiga.


Congelaram um coração


Alguém no céu
raspa uma estrela
colhe o cristal.

Na jornada o brilho nas mãos,
na terra firme o fogo morto
da paixão que congelaram.

Assoprou, então, o pó que restou:

desperdício, desperdício...

CRiga.



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

As doces receitas de nossas vovós


Há um ritmo da vida que confunde a alma.
É quando você não reconhece que ela acontece,
que o sol vai nascer independentemente
do que você resolveu achar dela.

A deliciosa surpresa é quando na coragem da luta dura,
na tristeza de descer degraus, de subir ladeiras,
você se depara com você mesmo no topo
sorrindo – marotice!

Que idiotice amaldiçoar seja lá o que for,
que invencionice adotar a dor
como inspiração de poesia.

Todo dia nasce conforme a receita de bolo
que tua vó guardou num caderno do antigamente.
Dona Maria Leite, vovozinha Aparecida!

CRiga.



terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Depressão


Olhos que não querem se abrir.
A chuva que bate à janela
é a falsa amiga derradeira.

O corpo todo pesa,
a cabeça é bigorna.
A alma é um tapete roto
à porta entreaberta do inferno.

Pupilas fixas no infinito,
perdidas num desconhecido qualquer.
Visitas apenas rotulam a dor –
ninguém sabe o que é a dor.

Amor?
Um prego de aço cravado
mijado
enferrujado
no que resta de um coração.

CRiga.



Críticos


Quero saber o que dizem os magos
com seus calejados cajados de cedro
mais antigos que Jericó.

Vão dizer que saiu de moda mas é bom.
Que é bom mas se perde, o antigo era melhor.
Que tá velho pra bater o pau na mesa,
mas que esbraveja ainda seu talento.

Anos depois de morto dirão que na verdade era aquele penúltimo disco o melhor porque o último ainda tá na moda pós mortem da depressão.

Anos depois esquecerão que um dia falaram mal e louvarão tudo tudo no centenário da ex-vítima de suas excentricidades e vaidades.

Anos depois também morrerão. Sem ninguém se dar conta das escrivaninhas vazias e suas chatas máquinas de criticar.

CRiga.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020