terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Passado


Distribuiu poesias
entre os beijos da doce juventude.
Mãos macias dobraram a folha
nas gavetas da inexperiência.

Com o tempo que passa
as letras fizeram mais sentido,
mas os tempos eram outros:
o poeta aposentara o caderno,
não era mais o romântico jogral
belo maldito das esquinas.

Sobrou um quê de queria mais,
não soube te aproveitar.
Eu ainda tenho a poesia
que você fez pra mim naquele dia.

Cai a ligação, cai o sinal.
Tudo cai, também a ficha.
Tudo bem que a gente cai,
mas eu queria tanto você
só pra agora me segurar...


CRiga.


Caixeta


Mais destes olhos que te procuram –
a paz parece brincadeira de criança,
esconde-esconde, rouba-monte.

Eu vi nos olhos dos garotos
que tudo pode dar muito certo.

Janeiro passa, menos as horas,
eu sinto falta dos anos que perdi
nestes dias de letargia, eu envelheci.

A esperança é engraçada,
ela alimenta mas dá medo.
Ela se senta pra jogar e sorri
com os lábios dos meus filhos.

Ela tenta fugir,
mas é voo de passarinho
que volta com alimento para o ninho.

CRiga.



sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Resignação operária


Você não tem pra onde correr
vai sofrer, já está.
A gente nem tem como te ajudar
agora é moda fechar as portas,
você tem sorte de estar onde está.

Tem juiz marcando muito pênalti,
torcedor querendo invadir o campo.
O cartola continua no camarote
tomando um drink com o novo craque.

A guilhotina nunca tanto trabalhou,
mas sua cabeça não foi exposta –
foi reposta ao corpo enviado longe
onde ninguém pode te julgar.

Tudo é início, todos dizem
é preciso esperar o início acabar.
Mas os fins já planejamos,
escrevendo as preces neste escuro.

A vela um dia apaga,
a gente acende outra
e incendeia o cais da vigília.

Ninguém sabe mesmo o que será,
mas é preciso antes querer
do que apenas esperar.

CRiga.



quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

“Vamo que vamo...”


Desculpe eu não tenho a energia
de acompanhar mais as terras arraigadas
prometidas
destes velhos discursos de início
dos montes das bens-aventuranças.

Este filme eu já vi, esta vontade de fazer,
de mostrar, de sentir-se anjo de um deus,
que sabe tudo antes da criação.

Desculpe o bafo no teu vidro,
aqui a respiração é realista.
Vejo que logo você verá o sol nascer
do mesmo jeito que ontem ele nasceu.

Este teu novo dia eu já acordei,
arrastei as mil pedras para ver Lázaro voltar.

Eu já vi esta insana necessidade de provar,
de sorrir fingindo se importar.

Desculpe a saída pela porta de emergência
minha ânsia é correr correr correr...
Agora é só a tua ladeira aguda e repetida
que por enquanto me impede de voar.

CRiga.


Aquarela seca


Talvez tenha pisado uma flor
negado um sorriso
não notado o novo centímetro
no tamanho dos meus filhos.

Novas estações
não emprestarão peculiaridades.
A falta da mágoa
na verdade enfraquece.
O brio só é a bruma.

Talvez tenha chutado a chance
negado sentir a ira
não notado que você me espera
como também os nossos filhos.

Novos sonhos emprestados,
os juros parecem caros.
Eu já plantei a árvore
já escrevi num livro
já tive dois filhos.

Os garotos só sorriem, deuses!
Procuro colorir, rir das meninices.
Eu preciso é procurar
mais flores pra você.
Estou cansado de chutar latas
nossas tintas pra reforma.

CRiga.



Ombros caídos


Meu suor de todo dia
não paga a melancólica ladeira
à beira da raposa rodovia.

Meus sonhos também me assustam,
difíceis lugares, novos suores
dignos da paz que eu preciso.

Eu mal insisto... na verdade
eu sou a ladeira,
a ladeira sou eu.

CRiga.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Não se distraia, não se traia


Não deixar que o novo rolo compressor
passe por cima dos seus sonhos.

Menos glamour, mais verdade.
Mais gente de qualidade.
Não é preciso o que não é vital.

Aqui, envelhecemos sem perceber.
Lá é preciso cuidar de correr pra trás,
rejuvenescer com a doce simplicidade
da chama da vela
do canto de um pássaro
da colheita na horta  
da paisagem na janela.

Uma malinha e um beijo
antes do trabalho.
Uma planta nova no retorno
novo beijo, boa noite,
vamos finalmente poder dormir!...

CRiga.


terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Cidade apenas triste


Não há bate pernas, movimento de vida.
É um caminho que parece
o rumo do Planalto Central –
isolado para dificultar o acesso.
Uma ladeira que quase mata,
não há nem o português da padaria
dando bom dia.
Não há sequer portas comerciais
oferecendo doces quinquilharias mil.
Não há nada que inspire
a caminhada até o trabalho.
Nada que inspire poesia,
vontade de continuar andando
procurando gente
sentido.

É apenas uma cidade triste.
Ou sou eu que apenas estou.

CRiga.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Bússola doente


É uma página em branco
que me desafia.
Um dia, uma segunda-feira.

Ainda início de tudo
semana, ano, emprego.
Os planos para um futuro me assustam,
estou sem tato no escuro do branco.

Uma página em que letrinhas
pululam sem certeza.

Eu construo um por que insistir,
costuro no coro duro a nova tatuagem,
identidade que dorme numa cidade.

É uma página com cor,
apenas branca.
Ela me fita com pena
e me acena um tchauzinho juvenil.   

Corri costas e verões
o frio do sul, as certezas do amor.
Há um bobo velho que pensa em novos mapas
escondidos nas trincheiras do papel.
Um manual de instruções
após as letrinhas cansarem de correr.

Não há verdades depois do preto no branco
nem saídas de emergência. Não há rumo,
apenas um pouco mais de terra
pro buraco ficar menos fundo.

Era uma página em branco,
e eu ainda não sei
aonde pretendo ir.

CRiga.    


sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Uma oração


Que passe rápido este dia
cinza,
Um passo de cada vez
molhado,
Deixa mais pra trás o passado
indiferença,
Pressa de partir longe
uma cidade,
Nem aqui nem ali
nem amigos,
Lá onde o rio passa
gente minha,
Atrás da minha casa
atrás de ser feliz.


CRiga.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Desculpas ao morro


Até que se desgarrem agora
meus molhados pés do chão
a chuva me trata feito parente
trata de chorar por mim.

Me molha
me olha com pena.
Não tem lá muita certeza
se tudo vai se acertar
quando o tempo enfim estiar.

Eu não tinha os pés no chão...
Deixei de caminhar construindo
asfalto pra um dia continuar.

Estou perdido nesta cidade
pedindo surdo socorro aos trovões.

A chuva castiga é o morro,
eu não tenho do que reclamar.

CRiga.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Caindo pra cima


Há um níquel que pode ser ouro
no duro caminho pela avenida central.

Covardes tentaram me roubar,
tentaram me matar.
A chuva ainda triste
tratou de limpar meu sangue.

Me deram convite, senha,
me deram norte, confiança.

Garimpeiro, lapido o asfalto.
Do alto das montanhas ouvirão
o martelinho picando as pedras
a minha voz que só é honesta.

CRiga.


terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Simples assim


Antes a chuva me acalmava
hoje me deixa mais triste.

Tão triste como a visão das feias casinhas
das periferias das cidades sem donos.

Triste como lutar contra ladeiras
e me humilhar esmolando minutos.

Triste como escrever notas políticas
anônimo, sem calor ou mágoa,
só pelo vil metal no fim de mês.

Triste como a gente voltar a viver
como há dez anos, cabeça pesada
ideias cinzas a caminho de um jornal.

Tão triste que me vejo forçado a provar
que eu sou apenas uma pessoa honesta.

Triste
como apenas a tristeza pode descrever,
sem muito talento ou poesia.

Simples assim...


CRiga.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A cotia e o bulevar


Eu tinha um duelo agendado,
dia de morrer como herói.
As ruas estavam preparadas
pra minha passagem triunfal,
postes enfeitados, cartazes de São João
e uma praça cujo coreto imaginário
me olhava sorrindo orgulho.

Eu não fui, eu não morri.
Depois me trancaram na jaula do velho leão
que por pena devorou apenas meu espírito
sem registrar minha carteira profissional.

Depois de perdida a hora, os anos,
madrugada peguei um ônibus vazio
e fui pra longe longe
sentado à janelinha da solidão.

Lá no longe havia luta
havia luto, uma ladeira pra subir.
Mas não havia mais arena nem festa
apenas uma janela pra ver de longe
a cidade que não diz
o que ela pensa de mim.

Quando eu morrer envie a conta
hão de querer pagar
hão de noticiar que meu corpo
partiu doendo, mas inteiro
sem se humilhar no velho bulevar.


CRiga.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Mundo gira


Quando conquistei o mundo,
brusco ele fez seu movimento
pura rotação.

Fui parar em outro canto
longe do “meu” mundo...
é preciso contentar-se, meu amigo,
todos tomam de assalto
o que na verdade não é seu.

Tudo gira no louco carrossel,
trator esmagando casas de família.
Guilhotina sorrindo no meio-campo,
cabeças rolam no campeonato.

Varreram-me pra fora
sujeira inteira, minha alma limpa.
Saí sem buscar os restos de mim.
Esvaí-me oxigênio, outro mundo
não é meu, nunca será.

Agora só é preciso respirar,
é preciso você me inspirar.

CRiga.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Mais dia, menos dia


Ela desce a rua
triste moça bonita
que ensaia de soslaio um olhar.

Mesmo assim a vejo sorrir
(porque talvez eu queira ver).
Vejo insistir vencer o dia
a melancolia –
amor pra outra vida.

Eu não duvido, ela me grita.
Mas sua voz se perde no sol na manhã
no silêncio de uma doce resignação:

mais um dia...

CRiga.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Alugar teus olhos


Dizem que falar sobre os próprios monstros que corroem a alma acalma o espírito, desacelera o coração de compasso amargo, crava aos poucos o punhal mágico da sonolência no Godzilla de hoje em dia – ele arranha com suas garras pegajosas por dentro do corpo que precisa continuar numa nova luta que a gente mal sabe qual é.

Dizem que o luto é relativo. Alguém morre sem ter dito algo importante, outro deixa carta e sela destinos – pronto, não há por que duvidar, não há por que parar para pensar. Mas o morto puxa suas pernas por madrugadas e naqueles dias do sol que gargalha da sua cara, a vida continua, meu velho, o mundo não vai parar de girar por causa do teu umbigo molhado.

Dizem que quando te matam e te deixam vivo, os vivos do lado de lá não explicam se é bala ou espoleta, e a você só resta acreditar que ainda vale pelo menos um vintém. Alguém te mata depois do jantar, depois até da sobremesa, e abandona teu corpo na chuva esquisita da indiferença. Difícil crer, difícil falar, mas não resta muito a não ser alugar nem que seja a folha em branco de um caderno que não quer se manchar com tuas mazelas.

Dizem que morrer pode ser bom. Dizem que renascer é muito melhor.


CRiga.


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Recomeço, reorigem


Parece que o caminho correto,
não necessariamente suave
é mesmo a casinha do interior.

Onde esta falta de ambições ganha coro,
esta falta de amor à terra
vira mão plantando nova árvore
e escrevendo pergaminhos à luz de velas.

Tudo é sonho.
Mas aqui tudo beira
pesadelos.


CRiga.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Dissonante é a tristeza


“Da minha sacada, ouço nesse final de tarde um pedido de socorro de um passarinho preso na gaiola dentro da varanda de um apartamento. O dono pensa que ele tá cantando...” - Clau Palma

Tristeza no final da tarde
é que nem ter passarinho
preso na gaiola.

CRiga.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Cinco e meia da manhã


Me deixa viver, continuar.
Me deixa ir, me deixar levar.
Me deixa que eu preciso
apenas de um por que levantar.
Me deixa por um instante
ter esperança em recomeçar.

Mas não me deixe de lado
não deixe de me acreditar.

CRiga.



quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Bem longe


Não está chovendo ainda
mas nada ainda aconteceu
que me fizesse ir embora.

Tudo ainda é o velho esquema
e eu não estou mais dentro
quero sair para bem longe.

Onde perdão perde sentido
porque tudo é igual
a nunca ter-se errado.


CRiga.


A esmo


Eu acho que já sabia
que eu ia me atrasar.

Essa vida não é pra gente
você é que tem sorte.

Você agora é pau de bandeira
eu
bom tecido boiando
perdido no vento forte.

CRiga.