terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Big Bang

Pessoas são pesados barris ambulantes
de casos de amor mal resolvidos
e dissonantes.

Pessoas são romances fracassados de prateleiras
uma mensagem que não chegou
porque há um endereço que mudou.

De papel e tinteiro
se faz a mesma carta de adeus
um ano inteiro,

e de pavio e pólvora
se faz o foda-se do janeiro -
uma vida que começa de novo da explosão.

CRiga.

Paredão

inteligência mata
café também

a burrice é mais bonita
não compromete ninguém

a vida é bárbara
e outras helenas na tevê

ninguém mais vê ninguém
ninguém sabe mais dos caos
dos maus, dos bons

eu quero ir embora,
esta zona não vale mais

eu quero ir agora
fugir dessa santa escola
onde cabeças não vão rolar:

elas estão demais ocupadas
assistindo a Big Brother
no grande dia de eliminação.

no paredão,
dizem que entregou artistas
à caça de comunistas,
dizem que copiou o grande irmão
de um colega russo, sem perdão

a vingança veio, véio
vamos votar,
vamos espera-la pro jantar.

CRiga.


Tempo derramado

Lágrimas não mais temperam nada –
eu sou um velho
sem tempero,
sem tempo,
sem veneno no copo do piano,
sem rua se essa rua fosse minha.

Hoje, na pedra da amarelinha,
só o inferno vai me aceitar.

CRiga.

Documentário



O que é lixo pra tua lente
é leão que mato na tua frente
em apenas mais um dia
dos meus apenas dias.

Só que eu mato um leão, mermão,
mas não mato a fome não...
Remexo lixo, machuco a fome,
olha os home!

Corre logo ou vai preso,
come logo ou vai morrer mais cedo
mais esperto, muito perto
daquela lente de premiada indiferença
e do leite a salvo feito sentença
ao lado de uma porta fechada.

Captou a melhor imagem?
Que bom, posso seguir sossegado
roubando o tíquete premiado
na estreia da tua sessão.

Daí não chora não, mermão,
é só leite derramado...

CRiga.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Dias eternos de amores modernos

Lídia olhava a caixinha de música quebrada. Deveria chorar, mas não chorava. A bailarina manca e a música desafinada já não afetavam mais.

Lídia não esqueceu o batom vermelho na bolsa, nem o preservativo comprado, em segredo, naquela farmácia de esquina. A inveja da solteirona do balcão podia denunciar. “Foda-se!”, palavra da moda.

Lídia deixou pra trás uma vida de menina. Perdeu vontade de chorar por brinquedo quebrado, perdeu a atenção nos bordões da mãe, perdeu a doce virgindade lenda das conversas de chá da tarde.

Enquanto destoava nos gemidos, misto de dor e de novo prazer, uma bailarina manca fazia as malas. Não havia príncipe nessa história de amores perfeitos, porque nem Lídia esperava telefonemas de dias seguintes. 

Nem mesmo aquele soldadinho de chumbo, herói de outrora a declamar poemas ao pé da caixinha, havia mais – perdeu uma perna na guerra da puberdade, e aposentou-se beberrão numa cadeira de rodas pela cidade dos brinquedos fantasmas.

E o amor, descrito num velho livro de contos de fadas, agora apenas mascava chicletes despreocupado, parado na chuva com guarda-chuva furado, esperando um ônibus qualquer.

CRiga.