quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Poesia sem adjetivos


Olha nos meus olhos, me descubra
me desnuda
mas não bata o martelo –
meu advogado se chama tempo.

Sem metáforas ou adjetivos –
apenas a verdade que sou.

CRiga.


terça-feira, 28 de novembro de 2017

Pra quem quer olhar


Os olhos não mentem. Isso é fato.
Sentem muito quando sofrem,
riem alto quando querem.

Eles olham no fundo da alma,
acalmam, eles também abraçam,
beijam e até te comem...

Os olhos se vestem de lápis e rímel,
óculos escuros e lentes mentirosas –
são perigosas as suas meninas.

Farol no caminho dos cegos,
tortos quando o amor os cega.

São pretos castanhos azuis verdes
amarelos e até vermelhos,
a morte na verdade tem olhos brancos.

São francos quando a alma os aperta,
os olhos enxergam até a bebida
escondida debaixo do casaco.
Os olhos não negam a facilidade
e nem a doce boba felicidade
quando olham com o coração.

Flecham. Fecham a avenida.
Moem. Destroem a rival.
Sambam no feriado de carnaval,
rezam fechados pedindo colírio
e perdão.

O padre tem olhos severos
destes que inventam o olhar de Deus.

O diabo tem olhares sinceros
destes que convertem até os ateus.


CRiga.


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Amor de ficção


Entregou as flores de um amor perfeito,
ela preferia uma caixa de bombom.

Precisava falar sobre amor,
ela sobre o fim da novela das oito.

Entregou os pontos,
a voz já faltava.

Comeu o chocolate recheado
de ácido sulfúrico –
virou a vilã morta
no último e melhor capítulo.

CRiga.


sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Juventude morta


Enquanto aguardo teus seguintes passos nesta nossa conhecida multidão, vou me perdendo, imaginando, não tendo quem me dê a mão. De vez em quando cantando velhos temas inteligentes, vou tentando te seduzir – mas teus ouvidos se fazem pamonhas de Piracicaba, e tudo vira aquele trouxa discurso de mesa comunista que não comunga nunca com teu lindo cabelo falsamente ruivo.

Tento um texto de um livro de um clássico de um antigo, pra ver se as retinas brilham como num filme italiano cujo final não me lembro mais. E aí tão pura como a juventude esguia, você apenas desvia o olhar apreciando quem chega e quem sai, interessada nas novidades que não trago mais.

Tento resistente, no discreto desespero, a selvageria dos palavrões bem colocados num discurso, junto a um sarcástico sorriso que aprendi com falidos intelectuais. Mas teu smartphone fala mais alto vibrando, um Whatsapp de piada pronta, uma afronta à arte da conquista, uma farsa da modernidade, feito eu, feito nós.

O inalcançável é o agora, as noites de novo vão embora, e nada mais nos resta pra esperar – apenas um tchau, valeu, te envio o link da solidão dos modernos. E um certo nem me procure, véio, o céu tá lotado de estrelas, e daí?, por que a gente precisa se ver por aí?

CRiga.


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Scape


Pede socorro a uma boa lembrança,
chora no escuro doenças modernas.

Roubaram a paz de espírito,
cotidiano chama pedindo emprestado
um molho de tomate pro jantar.

É que escrever significa a ela
não ter nada pra fazer.

Precisa oxigenar as engrenagens.
Deixar de molho os esforços,
deixar as dívidas pra pagar depois.

Precisa acreditar nas parcas imagens  
um vidro de carro embaçado,
um casal fazendo amor.

Reivindica cenas encharcadas 
o beijo do reencontro
na bela chuva de verão.

CRiga. 



quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Eu preciso te encontrar


Dá-me às vezes preguiça te procurar, falar contigo. De arrancar-te os segredos, fazer-te despertar desse hipnotismo regado à seiva ácida do cotidiano. Chacoalhar-te do sono irritante. Ferir-te com a faca cega.

Dá-me trabalho te procurar. Muito mais fácil quando gritas geralmente numa manhã chuvosa, ou quando inventas de fixar o olhar num encanto fora de seu alcance, melhor assim – sangras de uma vez as letras contidas nos cabelos, nas cores da pele, entre as pernas, no jeito de ser.

Dá-me prazer abrir-me contigo. Tuas respostas nem sempre convenientes me pregam na doce cruz de um sofrer quieto, nas linhas do diário. Tu és por vezes uma romancista, outras uma irrequieta observadora, outras amante. És perfeita em tua imperfeição de psique duvidosa, este monstro que perturba a verdade dos contos de fadas sejam eles do jeito que for – psicóticos, eróticos, sociais, banais.

Embriago-me só de abrir a rolha do teu nobre vinho, me toma o corpo a forte fragrância do vidrinho do teu perfume quando o cristal se estilhaça na minha busca pelo sentido de viver. Mas às vezes o cheiro vem do campo, outras do pescoço de uma mulher, várias outras do asfalto molhado pela chuva. O gosto? Ácido sulfúrico, o vinho francês que nunca tomei, a maçã do pecado que não acredito mais. Texturas de veludo, sempre.

Enlouqueces-me quando não me respondes – daí cometo o ato derradeiro de te amaldiçoar em todas as noites e dias simplesmente parados num quadro sempre igual, mas com cores variadas; falo mal de você nos cais, boto uma rima do dicionário pra convencer a história, e me acho o tal quando tenho a certeza que matei você de vez, não mereces minha devoção...

Mas és imortal! Deliro quando vens então semicadáver, arrastando vísceras e ainda carregando um caderno azul! Tomas a adaga da minha mão, e me cravas no peito correções escritas com meu sangue. Nosso sangue. E revives, me matas de pulsos pulsantes, quase um infarto de letras que saltam. És traiçoeira quando te acho, e tu me entortas feito Garrincha – seguir-te, então, assistir ao gol e vibrar com a arquibancada completamente vazia de nossa simples imaginação.

Pronto! Já não há mais palavras. Então sorris o sorriso da marotice, borboleta de primavera, cânticos de águas cristalinas na corredeira. Uma varanda de missão cumprida, duas cadeiras de balanço, crianças crescendo no quintal.

És finalmente alguém em que se pode confiar. Ou nunca confiar. És finalmente alma. Finalmente poesia.


CRiga.


terça-feira, 21 de novembro de 2017

“O sol na cabeça”


O nosso amor sem deus
é crer no abrigo tijolos da nova construção.

Trabalhar também com olhos atentos
a quem te pede o mínimo, atenção.

Considerar todas as possibilidades
para que todos sejam felizes.

Caminhar e plantar com a fé
que tem mais a ver com cuidar com a mão na terra,
que murmurar palavras em verso
que o vento leva com pena.

É ter tempo de ter pressa na prece
pra que a planta cresça à sombra de um futuro
com toda raiz que sempre será bem-vinda.


CRiga.


O dia do dente da roda banguela


Diga algo de bom hoje que vou embora.
Na hora a gente vacila, dá sono,
vontade de acordar aqui mais um dia.
Me dá mais um dia na memória
asfalto novo desta história.
Me conta que hoje você foi feliz
mais uma vez.
Me deixa por um triz a tristeza me enlaçar,
mas me salve quando a alma querer
se negar a voltar,
buscar os tijolos desse nosso novo lar.
Eu volto a tempo de te ver voltar no tempo,
quando a gente planejava ter apenas um lugar
que nos segurasse colonos dessas terras
na eternidade dos nossos sonhos.

Hoje é o dia que a gente é corrente d’água
fresca, contrária e pra frente.
Levado de volta à “nascente”
pelo dente da roda banguela.

CRiga.



quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Todo dia ela faz


É que eu não estou para romances.
Mantenho estandartes da seriedade
os meus óculos de grau.

Natural que faltem versos, prosas.
Nem tem a ver com espelhos
ou mensalidades da academia.

Corpo padece mesmo
é no cordão da multidão
é na falta de inspiração
é quando o pão vira o dia
perfeito na verdade do não.


Criga.


terça-feira, 14 de novembro de 2017

O segredo entre os lábios


À busca-captura do espião,
anarquiza, devassa,
e na ponta da língua
arma a louca peleja de esgrima.

Depois denuncia, devaneia:
boca no mundo, sorve o abrigo,
o doce crime sabor pêssego morno
ou veluda manga da estação.

Na invasão incendeia o esconderijo
consumindo os segredos quentes,
e o fogo toma todas as paredes
até a queda depois da explosão!...

A chama que resta, então morna,
só emana saudades metafísicas...
a relva molhada, o cheiro de chuva,
o gosto da fruta que sacia.


CRiga.


segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Guerra santa


Na guerra,
erra ao olhar demais pra ela.

Peca,
a igreja é mais um puteiro
que a fria solução dos fracos.

Embaraços, pernas grossas,
se houvesse religião se jogaria
aos seus pés, lavaria seus pés,
adoraria.

Na terra o cheiro é mais forte,
o sangue menstrual aduba
o transe do girassol depois da chuva –

acredita é no barro,
no carro de portas abertas
pronto pra fuga
pra qualquer Paris que se invente.

Qualquer país onde a guerra
seja santa, vestida decote
e saia curta no altar.
A cada bombardeio, escondida
numa catacumba diferente,
um perfume a denuncia.

Beato cretino nenhum tem coragem
de abrir a santa sepultura rosa choque,
encará-la pedindo olhares e amores
além daqueles que as mãos juntas
oram queimando ateus.

Na guerra
ele escondeu todo o seu tesouro
debaixo do véu da santa.
Véu transparente,
pobre santa desnuda
rogai por nós!...

Santa viva no bater dos sinos
anunciando, feito raios e trovões,
a agrura de um corpo
que só quer comungar prazer.


CRiga.


sexta-feira, 10 de novembro de 2017

O que temos pra comungar


Verdade mesmo, falta lisergia, energia.
Um dia à procura da canção perdida
paixão e sexo que nos acalma.

Como é chato chegar até aqui
sem certezas postas à mesa.

A primavera chove sua nobre imprecisão,
e eu não tenho flores
nem novidades pra contar.

A fuga é dos fracos.
Me dá um trago, me dá um gole,
me enrole, me engula, me esquece,
amanhã quero dormir até mais tarde.


CRiga.


quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Quero menos jornais


Os jornais não dão a luta quase eterna contra meus monstros pessoais – meus pesadelos sinais. Os meus filhos artistas, suas brigas, seus desenhos e suas boas notas escolares – meus felizes e doces finais. Não dão os amigos que não escrevem mais, e os novos cuja juventude em si tomo como escudo feito de arte.

Partem em mim o coração, sim, as dores do mundo – mas infelizmente resiste esta triste anestesia existencial, um solto sobreviver.

Quero ler mais letras belas do que tragédias, quero ter mais esperanças do que nas mãos as manchas do jornal – e prefiro sim esta enlatada escrita do querer, do que morrer um pouco a cada ponto final.


CRiga.


quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Vontade de escrever? Minta um pouco…


Você pode escrever sobre o que quiser. Só não escreva sobre si mesmo – esta pessoa em que você nunca pode confiar…

Se insistir, mentirás. Mentirás até que convenças a ti mesmo que a verdade a gente inventa só pra ser feliz. Uma verdadezinha inventada não faz mal pra ninguém, vai…

Então escreva sobre a vida dos outros. Invente vidas batendo de frente, gente morrendo no final da história. E espíritos de almas mal-resolvidas que resolvem atormentar outras tão mal resolvidas quanto. E ponha uma saída triunfal, daquelas que levam a bengala de cedro de verdade da sala – um vivo veria apenas a bengala boiando boiando atravessando a porta aberta. Isso tudo dá prêmio de literatura na cidade onde moro.

Use muita metáfora, muito código, muita escrita que parece sem nexo – parece chique não fazer-se entender, porque às vezes até dão prêmio pra isso na ABL.

Ponha uns versos no meio, tipo poeta maldito. Palavrões também parecem adequados na modernidade.

Separações, amores imperfeitos. Não esqueça da menção a uma música antiga.

Fosse escrever sobre si, a verdade é que ninguém talvez quisesse saber. E, convenhamos, não fica bem: você ficar sozinho numa tarde chuvosa, com aquele papelzinho besta às mãos, perdido num ponto de ônibus qualquer, sola e guarda-chuvas furados, um terno velho cheio de bolinhas e um conhaque pela metade. Faça-me o favor de parar com esse melodrama, batidamente lindo, mas melodrama de escritor maldito. E caia logo à sarjeta, deitado junto à centena de cacos e uma folha de papel molhada na poça. Ninguém vai chamar o resgate. Assim você vai morrer.

E se os borrões no papel permitirem, aí estará um novo sucesso de literatura. Mas você já estará morto. Mas você não deve querer morrer. Por isso, viva a vida de outrem, que morre e revive conforme a conveniência do seu acordar. Mas mate um a cada dia, e faça (re)nascer outro pra morrer no próximo amanhecer de asfalto molhado. Assim você mata a vontade de escrever outra bobagem, e não corre o risco de ser traído por si mesmo – essa pessoa em que você nunca pode confiar.

CRiga.