quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O ferro velho e a mesma novidade


A conspiração de fim de mundo
imundo conspira.
Inspira feito velha novidade
a insanidade.
Verdade é inventada conforme conveniência
dos ferros velhos dessa vida.

Não tenho energia pra gastar contra quem julga,
contra quem enferruja
inventando mundos melhores pra protestar.

A energia que eu tinha o conspirador já roubou,
já enferrujou,
e me basta o coração na goela
ouvindo do vento dissabores no ar
feito gás carbônico de carro velho.   

E todos dormem na garagem
sem saber que fumaça mata também.

CRiga.

Não sou acadêmico imortal


Querem chamar-me à honrosa missão
não sei se mereço.
Por enquanto quero merecer o prêmio
e os louros no palco, sim.

Preciso da grana também.
Eu preciso é de um conselho.

Talvez humildade e tempo mais precisos
fincados eternos, preciosos
na carne branca que não pode sangrar orgulho.

O pobre orgulho mortal e medíocre
precisar
querer
pedir
suplicar
a falsa imortalidade
moda de liquidações.


CRiga.

Todo adulto tem inveja dos mais jovens*


Um rosto pérola-flor,
sucesso entre a juventude.

Um gosto amargo,
teu riso insignifica as coisas.

Eu sei que sonhas com o futuro,
esta noite eu sonhei com você.

CRiga.


(*Renato Russo)

“Pai e filho”, por Francisco Palma Rigamonti


(Mais um poema do meu filho Francisco. Este com alguns errinhos que preferi manter – mas que ele já sabe e não vai mais cometer. Escrevendo e aprendendo!)

Quando nasci logo percebi, o pior pai do mundo nunca está por vir.

Se eu foci menina me chamaria Clarice, mas me chamo Francisco e não acho o nome sinistro. Sempre me ajuda com coisas que peço e sempre o kiti completo. Agora estamos juntos nesse mundo amado sempre com o melhor pai do meu lado. Na escada da vida você me ajuda no degrau do esforço para nós completarmos a metade do susseço.

Eu sou pequeno e você é grande, grande que nem o amor que sinto por você.


FRiga.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Sentinela


Estamos nós atados,
cuidado, o inimigo subiu no telhado.
Amigos, futuros prisioneiros.

Pular do trampolim,
há o barco merecido de espera.
Sem o mesmo rum, mas rumo à ilha tranquila.
Cabe só esforçar-se no remo,
talvez haja uma boa maré.

Mas pular pode dar a impressão
de batalha perdida.
Mas e quem quer guerrear?
Os operários do velho navio têm medo
por não ter nada a provar
ao capitão embriagado.

Estamos nós atados –

ficar é ter que varrer a sala do gato
que virou rato de coroa emprestada;

pular é dar o mapa da honestidade
pros piratas restantes rasgarem ao vento.

Estamos nós atados,
mas acho melhor se jogar, amarrado,
chegar calmo sobrevivente à ilha
antes da nau enlouquecer no mar.


CRiga.

"Sonhe comigo", por Francisco Palma Rigamonti


(Poesia de meu filho Francisco. As ilustrações também foram construídas por ele)

O meu sonho é maior que um iceberg, eu sigo e ele não vaga pela água tentando me deixar, porque ele sabe que nunca vou abandoná-lo.

O barco atira para destruí-lo, mas eu luto por meu sonho, e meu sonho vou seguir.

A palavra sonho está no coração dele, se destruir vai machucar e no seu sonho vai fracassar, depois você vai se lamentar, e deixar o iceberg com o fogo logo se aguar.

Aí o sonho morre queimado, em vez de ter morrido sendo alcançado.


FRiga.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Chico, Francisco


Tropeçavas anjo entre dois sexos
apesar de Clarisse ter escrito seu nome
muito antes,
num azulzinho céu de sonhos.

Mas fostes pela tangente, estrela cadente
em céu de noite igualmente azul.

No caminho, muitas pedras,
um bichinho tonto que assustou mamãe
e um Laércio que soube feliz da tua vinda,
mas que não pôde esperar-te com o colo de vovô.

Mas como todo bom plano tangente,
passeastes entre rio, santo e compositor.

E ficastes Francisco, irmão de Caetano.
Ficastes assim tão bem acomodado no ninho
que se ciscavas com Francisco, havia Chico;
se chiavas com Chico, salvava com Francisco.

Chico canta a Clarisse que não vem,
Francisco escreve a poesia que ela tem  
os dois, meninos dos primeiros passinhos,
hoje dão risada dos tropecinhos dela também.

CRiga.

“Poemas”, por Francisco Palma Rigamonti


(Poesia de Francisco, meu filho)

Como poderei viver sem olhar para você, porque das constelações do céu você é a estrela mais bonita, e do meu jardim você é a flor que alguém mais admira.

Como seria o futuro sem você perto de mim? Porque você e a flor mais bonita do meu jardim.

Por que eu confiaria em outra pessoa além de você, por quê?

Mas eu sei que você confia em mim, você é a flor mais bonita do meu jardim.


FRiga.

domingo, 28 de agosto de 2016

Faith and cofee


Enquanto houver a gente que acredita,
pode ser fé ou café,
a manhã sempre será a vida 
esta, que te acontece.


CRiga.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Manchete de futebol


O menino corre descalço,
não há mesmo muita sorte.

O asfalto ainda é o mesmo:
sem asfalto, terra batida
barro quando chove,
lamaceira debaixo do travessão.

Mas ele grita gol, o único na vida.
E ele corre.
E ele sabe
que um dia ele morre
em qualquer esquina dessas.

O menino cresce, ainda corre descalço.
Há a morte, o percalço.
Na esquina cheiram cola, cocaína,
na vida falta gol e sobra tiro.
Não há mais grito, nem de dor.

Só o dia seguinte
com notícia de tarja preta no jornal
ao lado da manchete 
da final do campeonato:

“Finalmente, campeão!”


CRiga.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Escritor em crise


Contrariando as previsões, um sol quente desafia o rosto que quer do ar apenas o gelo pra acompanhar sua alma fria. Os olhos ainda com aquela sensação marejada, põem-se a procurar pelos cantos alguns pretextos. Os textos não lhe vêm, a crise volta como que fincando a cruz no coração cansado. Um vazio depois do terremoto. Uma fome depois da bonança. Uma esperança que não se desenha nem se escreve nem se lê em bulas – é a alma que está gripada. Linhas velhas não lhe satisfazem nem lhe curam o mal.

À espera de um meio dia qualquer, ele cria sua personagem decadente – tem dívidas financeiras, mas tem seu vinho à meia luz e nenhum enfermo grave na família; tem segredos (sujos) de família, mas maquia um perdão, à beira do leito de morte tudo ficará melhor; melhor que muitos, um bom homem, com desvios psíquicos muito bem disfarçados; uma mágoa que de tão profunda só se traduz na falta de palavras numa conversa com o pai.

Só lhe faltam o enredo, a paciência e tempo. Não há sequer clichês, nem finais tempestuosos de poeta maldito. A patética platonicice lhe dá a sensação (e a certeza) do quanto é um idiota, o velho que incorporou, sem tolerância com os mais jovens.

Parece beira de precipício, cujo buraco raso é apenas uma sala de estar. Há caminho pra voltar, rever amigos. Mas criou sua casca de jabuti, seu casulo sem possíveis borboletas. O sono chega muito logo, coisa de velho, antes de pegar por trás a mulher na cama e arrancar-lhe os velhos gemidos de prazer.

Tudo tudo no ar para sorver e traduzir em linhas – seres humanos são ilhas, cujas diferentes pontes entre elas se conflitam ou se harmonizam, mas para cada um há continentes diferentes pra se pertencer. Coisas do escritor Floriano Terra Cambará, filho de dr. Rodrigo Cambará, em “O Tempo e o Vento” – como é bom ler Érico Veríssimo!

Hoje, melhor mesmo o escritor leitor. Amanhã nasce um novo tomo, letras de uma alma fisgada no ar e tatuada eterna em linhas de um diário eletrônico:

“No futuro, dirão: ‘ele tinha um grande amor’. Tenho vários. Ou: ‘ele tinha um grande segredo’. Tenho vários, também. Não há nada a se descobrir assim – entrelinhas, escolas de modernismo, entrevista com amigos e parentes. Há apenas palavras. Pontos. Vírgulas. E uma vontade louca, porém consciente, de inflamar a alma novamente, sempre, para que ela se lembre de vez quem é, de quem é. Aqui apenas deixo a forma – a alma é o meu quarto escuro, por favor, entre, mas mantenha a meia-luz...”


CRiga.

A arte, o clichê


Saio no vento que bate em minha face,
sereno, um clichê com documento.

O vento é só uma brisa leve,
leva um lenço branco, bandeira da paz.

Mas a paz é breve, já é O Sol nas bancas,
amanhã a guerra na redação.

Eu vou buscar uma cerveja,
talvez uma certeza ou rima fácil
na bela trágica arte.

Meu melhor amigo foi atropelado
caminhando contra o vento.

No documento uma foto de procurado,
ao lado do corpo uma folha rabiscada:

rascunho de uma nova canção.


CRiga.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

To be or not to rose


Havia o soul e o samba
a rosa e a menina
o doce perder-se
o doce reencontrar-se,

o riso
o choro
o filho
o feto.

Havia nunca o beijo
e permaneceu a lenda
dos corações perdidos.

Houve a foto
e recortou o rosto
feito bússola pro futuro.

Houve dois caminhos
duas noites morenas

a chance
a certeza
a loucura
a coca-cola

a cerveja
o café

a rosa com espinhos
e o rosário com promessas.

E havia sobretudo
o amor que roubava rosas
pelos invernos da imprecisão.

Um dia havia de fundar primaveras
colhendo rosas de bem-me-quer.

Ser ou não ser, eis as rosas –
implacáveis são as estações.

CRiga.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Tumulto


Meus olhos procuram você
e você me acusa
de não pagar o teu passado
com a moeda do assassinato
dos meus sonhos.

E meus olhos continuam
no tumulto
ainda procurando
aquela você.

CRiga.

Vitrola quebrada


Sem música me inspiro a te odiar,
e te odiando,
com todo o meu sentido perdido,
eu te canto uma canção de amor.


CRiga.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Falta-me


Correr de volta o teu caminho,
margaridas na calçada.

Recuperar a lucidez do amor,
comprar uma passagem
pra você me acompanhar.

Não deixar teu cabelo novo
passar despercebido pela sala.

Não desviar o olhar,
negar um sorriso à facilidade.

Trilhar esta cidade
em busca de um encanto, que difícil!,
não o ar fedido que sufoca meu filho.

Correr de volta o meu caminho,
um pedido de namoro, rosas e romance,
a poesia em meu alcance
esquecida nos cadernos.


CRiga.

Mercado das pulgas


Uma cama apenas reserva o sono
ou reserva talvez afogar-me em ti,
seja prazer
ou o pó da cama comprada usada
vinda de outro lar,
talvez o nosso lar.

Uma cama, um lar.
Pó, “prazer em conhecer”,
mas é desprazer, meu bem,
porque o pó a gente conhece bem.

Então por que insistir polir
a cama que só quer dormir
e a madeira que não é lei?

Por que mentir,
por que um lar de pau
sem cara de pau
sem bem
sem mal?

Somos o pó dos móveis que vendemos,
nos vendemos muito fácil, meu bem,
e alugamos o que se diz um nosso lar.

Alugamos sonhos
sem cama e sem sono,
alugamos apenas
o desejo de poder sonhar.


CRiga.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Trinta e três (e uma vida)


Cristo quando morreu.
Médico quando examina.
Que engraçado meu filho falando!
Na lousa da escola, antes um zero e vírgula,
vira o infinito.

Eu não morri ainda.
Minha doença é a memória do coração.
O meu filho vai crescer...
Nunca fui bom estudante,
dormia sempre no ponto final.

Não quero cruz nem Cristo.
Nem vacina nem amnésia.
O meu filho vai casar!
Infinito enquanto dure,
eu até que gostava de literatura.

Vieram com a cruz, Cristo me receberá?
Minha doença foi te esperar.
O meu filho, ele sim, vem me visitar.
Nunca fui de ler os olhos,
só lia bem o meu Drummond.

Romeiros chegam à Santa Cruz,
eu nunca soube rezar.
Cientistas descobrem a cura,
menos onde você está.
O meu filho vai ter filho,
talvez o filho dele tenha um bom avô.
Nunca fui bom das contas,
muito menos dos pontos finais.

CRiga.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Apenas ficção


Eu li nas notícias dos teus olhos
aflição,
mas há milagres enlatados
à nossa espera, tudo tem um preço.

Mas esta espera cheira a éter, faz frio
no cobertor que não tem teu corpo
durante as noites dissonantes.
No dia, sem demonstrar alegria,
temos que fingir apenas boa educação.

E eu perco tempo valioso
engolindo a gasolina cara
que não vai nos incendiar.
Fugindo esquinas a mil,
qual será a qualidade do rastro
que eu terei que deixar
pra não me perder?

Então eu tento o verso novo,
uma revolução nos dedos cansados,
mas caio soldado baleado no deserto –
decretaram a paz que mata mais.

Eu li nas ilusões dos teus olhos
um pedido de atenção,
mas há tragédias e romances
que precisam ainda ser escritos.

Percamos este tempo, então.
Afinal,
tudo é apenas ficção.

CRiga.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Foge, me encontra!


Esbarro no perigo
sou teu amigo
no teu seio que foge
que me encontra
que me olha.

A gente escreve livros
e caça grilos de graça.
Eu te desejo. Muito. Ponto.
O final fica pra depois...


CRiga.


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Faro Oeste (mailing)


Pitoresca,
região onde brota a cada governo
um jornaleco em cada esquina.

De onde brotam do asfalto caro
velhos amigos camaradas de campanha
pseudo jornalistas salivando indecências
falsos moralistas ensaiando cortesias
pedintes pistoleiros mercenários
sem bala qualquer na agulha.


CRiga.

O missivista da perdida garrafa


Meu antigo amor,
minha amiga, meu sonho que passou,
recheado e enfeitado
com tudo o que aprendi.

Nada aprendi!

Minha doce impressão
de amor abandonado na esquina –
por que só quando a gente envelhece,
sonhos resolvem nos corroer
e os olhos aceitam o perdão?

Não me reencontrei.

E perdi a ideia de quem és,
perdi rumos e rumores,
um cabelo feito pra reconquistar
e uma juventude toda pela frente
só pra recomeçar.

Minha cara, meu segundo rosto,
te escrevo o sangue inútil 
deste cansado coração sem mais letras.
Aguardo novas notícias tuas 
num selo carimbado de ilusão.

Triste coleção.

CRiga.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Um músculo cibernético


A pior tragédia humana
é a falta de paixão,
caminho que leva letárgico
a lugar algum nessa cidade.

É a pior tempestade a falta de paixão,
coração que pulsa teimoso
sobrevivente amargo na metrópole.

É a pior cidade do cosmos,
passo descompassado falciforme,
fome de viver a mil!

A falta que faz a paixão
derruba o homem mendigo de calçada,
faz da carcaça arte falsa pós modernista,
pós porra nenhuma,
pó sobre o sobretudo negro
do vampiro que quer sangrar.

É a pior história a falta de paixão
ficção, biografia, best-seller
sem começo, meio, fim.
É inventar esquinas lisérgicas,
repletas de amores disfarçados
da multidão que você faz parte.

É estar tão perdido
com velhos e bons mapas às mãos,
e negar o caminho reto
porque você simplesmente se acostumou 
com paraísos tortos
e anjos mortos a ressuscitar.

A pior tragédia, poeta,
é a falta de paixão.
E pra isso o remédio amargo
é sobreviver fingindo sentir a dor
que deveras queria sentir.


CRiga.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Ao vento


À tarde descobri um verso,
ele se foi.
Havia na espreita
feito animal selvagem,
fugiu.
Seu perfume ficou no ar,
um sorriso apenas,
era tarde.

O problema é o tempo que não temos
pra perder.
O tempo mudo paralítico,
gritando correndo morrendo
feito areia ampulheta
escorrendo entre os dedos.

O problema é o tempo que nos separa,
cada um tem o seu,
cada um seu sal da idade.

Muito tarde descobri que o verso
não te atinge, eu sei –
melhor que seja assim.


CRiga.