quinta-feira, 27 de abril de 2017

Cinco minutos pra desmofar


Ferve a engrenagem na cabeça,
palavras que me darão o pão.
Me darão o não te escrever
a vida métrica harmonia.

Não é obrigação desmofar.
É óleo pras roscas industriais
girando, girando
macetando miolos até cansar.

Eu preciso dos cinco minutos
depois do despertar em plena tarde –
é a fumaça que denuncia
a exploração da fábrica de palavras.

Eu preciso dizer que não sou assim,
que não tenho os pés no chão
mas que caminhei até aqui.

Um dia a menos me dói
deixar de te dizer
as coisas que ainda sei muito bem.

Engrenagens falham, vão pro ferro velho.
Que delas então se façam as esculturas
do museu da praça de guerra.

Na terra eu planto um novo morango
e um amigo meu deve me responder
se quarenta e duas primaveras
têm a força de fazer florescer.


CRiga.


terça-feira, 25 de abril de 2017

Âncora


Há um desafio, um fio de voz,
e eu não tenho tempo –
sou apenas o silêncio torto
contemplando a foice amiga rasgar
o peito pra me resgatar.

Há laços que se fazem nós
sob os pés cansados, eu não sei fugir.
Precisam de mim pras tantas missões
e eu sou navegador sem ambições
nesse mar de rimas pobres.

Eu me acorrento à velha âncora 
com medo de o maremoto me levar.
A fuga pela praia só tem mata
não tem horizonte, eu preciso chegar lá.

Eu carrego nos dentes a corda de enforcar
e espero parado o mar se abrir.
Eu preciso chegar a tantos lugares,
tantas rotas, me encontrar.

Mas entre tudo o que me prende,
a tarde de outono sopra maliciosa
a pergunta cortante
faca afiada na face ao vento:  

o que você tem feito, camará,  
pra de fato ser feliz?


CRiga.


segunda-feira, 24 de abril de 2017

Horizonte simples


Entre ser e estar
quero o passo a passo, passear
paralelo às coisas grandes.
Grande coisa ser um importante,
estar a todo tempo em todo lugar.

Menos ritmo, mais cadência.
Menos dessa dependência,
mas sem precisar levantar espada.
Apenas a velha enxada na terra.

Não dever nada a ninguém
olhar nos olhos, dizer das coisas que sei.
Aprender o que quero
não o que querem me convencer.

Eu insisto me despir.
Despedir-me deste lugar,
me despedir.

CRiga.


quinta-feira, 20 de abril de 2017

Santa Bárbara


Perdido em selva, novas vozes.
Não vale mais o plano de fuga.
Acariciou a juba do leão feroz
agora agarra, abra a mandíbula
e entra de cabeça.
Imensidades à parte
há sorte, olhos transparentes
e flores às mãos calejadas.
Novos anjos de nobres fileiras.
O raio é o mesmo
só a nuvem que mudou.
Você controla a boa tempestade!


CRiga.


quarta-feira, 19 de abril de 2017

Timidez


O ártico na boca do estômago é simplesmente te ver chegar, e chegou, com atraso, um arraso entrando na sala! A aula passa, eu olho, você conversa, a professora chama sua atenção. Você apenas sorri, recolhe o corpo à carteira e finge que não foi com você. Foi pra mim que sorriu? Acho que sim! Acho que não… A aula passa arrastada, eu engulo seco esse correr rápido demais do meu coração. Finalmente o sino bate, é hora do recreio: agora é fogo gelado no peito, a espera, a ansiedade, o bilhete escondido na mochila, ninguém vai ver. Saio à sua procura, eu trouxe um lanche a mais pra dividir e você só anda dando voltas no pátio junto a colegas, não para nem prum oi. Na volta, em fila pra sala, todos sentam e eu só continuo olhando pra você. Esperança: trabalho em grupo! Cruzo os dedos, é a professora que vai montar – não ficamos juntos, será que um dia vamos ficar? Seus dedos passeiam por dentro da mochila procurando não sei o quê, desfilam, reviram, puxam o caderno e lá se vai meu bilhetinho ao chão... Um “não...” sai meio surdo da minha boca, a professora observa, pergunta o que foi. Não foi, professora. Talvez nunca será...


CRiga.


terça-feira, 18 de abril de 2017

Cheguei


Há as minhas mãos na terra fofa
quando penso no futuro.
E há um muro cujas mãos
não perdem o jeito de pichar.

Quando convocadas ao protesto
vandalizam serenamente
uma forma de dizer verdades.

Quando cavoucam a terra fofa
são apenas dedos inexperientes
plantando felicidades.

Nas paredes as linhas são bobas,
eu sei,
não me devolverão a juventude.

Mas se por enquanto me chamam
à lida que sei bem, que mal tem?
Servir fria a terapia de picar a mata
até a terra engolir as minhas mãos
sorrindo o gosto doce da redenção!...


CRiga.


segunda-feira, 17 de abril de 2017

A canção da chuva


Quando ele decidiu atravessar o oceano louco, era pra fugir mais de si do que da ausência de si. Era aquela cidade cinza que piorava as coisas, principalmente quando o inverno chegava mais frio do que em qualquer outro lugar que já esteve. Se bem que, atravessando o oceano louco, o frio talvez fosse maior, aquele frio que a gente vê pela tevê em Londres, Paris e outros lugares que parecem se renovar a cada sonho nosso de estar lá. “Mas aquele frio tem charme, é um frio que a gente se sente protegido, por isso eu vou!”

Seu sonho também era renovado, deixava para trás o que de si não gostava, culpa daquela solidão das capitais. Resolvidas todas as pendências burocráticas – e até algumas parecidas com as emocionais também –, estava pronto pra ir, castigar aquela cidade cinza que nunca lhe dera nada. Nem mesmo aquele amor prometido a cidade lhe presenteara, aquele amor que faz a gente fincar o coração mesmo numa terra estranha e sem graça, por amor valia a pena qualquer coisa. Mas o amor era só uma promessa, uma piada estranha e sem graça, era prato feito de restaurante, enlatado de supermercado, um rock de gente séria e sem sangue – “É tudo gente vampira!”

Passagens compradas, data marcada, só voltaria para visitas quando estivesse seguro que vencera a cidade cinza –  ou talvez nem voltasse. “Pra quê? Ninguém me espera, não espero mais ninguém”. Na correria de arrumar as últimas coisas, entre barbeiro, roupas novas e um som pra curtir – disso não dava pra abrir mão! –, conheceu uma garota, mais uma garota da capital. Sorriu, disse oi, trocaram nomes e telefone, e rolou como sempre acabava rolando com todas as garotas.

Só que no outro dia ela ligou, fez visita, arrumou o apartamento bagunçado dele – ele dividia o aluguel com mais dois amigos –, sorriu, chorou, cantou, bebeu, beijou, e não esqueceu! Foram dias assim, os últimos dias, intensos como a despedida de sua terra natal, fazia muito tempo. Mas era como se agora a despedida não fosse tão boa como era até então, quando fugir era o que valia.

Ela era incrível! Chorava com música bonita, ria das atrapalhadas dele, sorria pertinho da boca dele como que respirando o ar de seus pulmões, fechando os olhos e tocando os lábios macios, aos poucos, até o beijo suave. Depois, puxava ele e tirava a roupa, corpo lindo, e eles faziam o amor que ele não conhecia. Depois, fumava um baseado, colocava outro CD, cantava junto com os olhos fechados, a cabeça balançando, como se ninguém estivesse vendo.

Mas ele via mais do que queria ver, ele via o amor que a cidade cinza um dia prometeu. “Mas você vai embora, que pena, então vamos curtir um pouco mais...” Com ela, ele esquecia que teria de atravessar o oceano louco, ser “feliz”, simplesmente. “O que é ser feliz, então?”, estava confuso, ficou com raiva de si. “Tá tudo pronto, gastei toda minha grana nessa viagem, isso só pode ser uma brincadeira do destino.” 

Não era, e pegou-se pensando nela, na música dela, no sorriso dela, no seu corpo nu, sentada à cama, balançando a cabeça com os olhos fechados, acompanhando “aquela música da chuva do Led”, enquanto lágrimas rolavam de seus olhos cerrados no final, quando o Plant gritava “but I know, that I love you so...”(*). Pra ele, nada daquilo era igual às outras pseudo-aventuras da cidade cinza. A coisa ficou mais séria, quando até chegou a brigar com os amigos do apartamento porque bagunçaram tudo o que ela tinha arrumado. Ele a defendeu, e ficou completamente sem defesa...

O pior que, na verdade na verdade, ele queria era novos ares principalmente porque acreditava no amor, e a cidade cinza não lhe dava a oportunidade de amar ninguém. Eram todas as aventuras filmes sem nexo, em preto e branco, chatos demais. “Aqui não é o meu lugar”, repetia pra si como um mantra, pra se convencer, e culpava os inocentes de serem demais culpados cibernéticos, porque nunca nunca, “que droga!”, havia sentido o calor daquele sorriso dela, daquele beijo dela, daquele choro, daquele riso... Nunca tinha ouvido uma música tão bonita, ou nunca tinha percebido como eram bonitas as músicas do Led Zeppelin... E nunca foi tão mais frio, quando chegou o dia de partir... “Maldita cidade”, só lhe dera o grande amor quando decidiu abandoná-la com seu cinza, sua semgracisse, seu frio seco e morto.

Pernas moles no hall do aeroporto, ela disse que viria pra se despedir. “Não vou resistir...”, pensava que poderia jogar pro alto essa coisa de atravessar o oceano louco. “Chance assim não deve haver nem em outro continente...” Mas ela não vinha, demorava demais, e já chegava a hora de ele embarcar. “A gente precisa conversar pra eu me convencer (porra, isso é música do Ritchie), por que ela não vem logo? Como vou ter certeza? Como vou embarcar nessa? Como foi que eu embarquei nessa?”

E ela não vinha, “ela não vem... melhor assim”. E seguiu o corredor, já era a segunda chamada de embarque. Aquele dia chovia mais do que os outros dias anunciando o inverno. “Foi tudo um sonho. Amor assim não pode existir, justo na hora de partir”. A chuva desafiava a vidraça do aeroporto, e cada passo passava mais firme, mais compassado. “Agora não dá para voltar atrás. Adeus, adeus!...”

Pela janelinha redonda daquele boing enorme, viu duas mãos grudadas nas janelas do hall do aeroporto, onde as pessoas se despediam dos passageiros, ou simplesmente ficavam vendo aviões decolarem. Mãozinhas imóveis, ela não se despedia, só olhava, não ria nem chorava. A cidade ficava mais cinza, e ele quis acreditar que são as pessoas que colorem seus dias, ele podia colorir. Só que então por que ele nunca se esforçou nas tintas que tinha, sempre preferiu se defender e culpar o mundo?

Agora, o apocalipse calado, olhando do hall, palmas estateladas manchando o vidro com suas impressões digitais, fones de ouvido e um walkman, e ele tinha a impressão que aquilo não era uma despedida. Era um filme, um filme cuja única cor eram seus olhos brilhando verdes do hall, era seu vestido chita azul e seu casaco marrom de lã de ovelha – a chuva, o inverno! “Que inferno! O avião podia quebrar, forçando mais uma espera dos passageiros por pelo menos meia hora, que fosse, o suficiente pra eu me convencer.”

As turbinas ligaram, o avião começou a taxiar pela pista, preguiçoso, em câmera lenta. Uma cabecinha acompanhava lá do hall, sem sorrir, sem chorar. E ele viu então os olhos dela se cerrarem, e a cabecinha acompanhar uma canção. Na fita cassete do walkman dela, o Led rolava triste, na explosão das guitarras e bateria – “I felt the coldness of my winter/I never thought it would ever go/I cursed the gloom that set upon us/But I know, that I love you so/But I know, that I love you so...” (*).

E ele viu os olhos cerrados, viu mais uma vez as lágrimas dela que corriam no final do refrão, enquanto o bichão de asas de metal levantava. “But I know, that I love you so”. “Adeus, adeus”, este filme não poderia terminar diferente, com chuva e cinza. “Adeus, minha música sempre foi triste, triste assim...” A cidade cinza sempre foi triste, ele sabia. O adeus silencioso e imóvel também era. “Mas sei que te amo muito... adeus, adeus...” Um dia a tristeza vai passar, ou vai voltar, doer, quem sabe... “Agora, só o velho continente me espera, com um novo rock and roll. O velho continente precisa ser novo, novo rock and roll!”

No hall, ela secou as lágrimas com as costas das mãos macias, e sentia-se tão rouca e cansada como Plant no final da canção. A música cessou, e a chuva cessara também naquele entardecer, enquanto o avião levantava vôo, levava ele pro outro lado do oceano, enquanto o bichão ficava cada vez menor e sumia no pôr-do-sol, um sol brilhante, onde foi o frio?

“O frio foi embora, e ele também já se foi”. No lado B do cassete no walkman dela, já rolava um velho rock and roll. “As pedras vão rolar. As pedras precisam rolar!...”

(*) “The Rain Song” – Led Zeppelin


CRiga.


terça-feira, 11 de abril de 2017

Sem socorro


A banqueta do músico está vazia
e o velho órgão musicaliza sozinho,
devagar, a música do mistério.
Na imensa catedral dest´alma
o belo instrumento dita silábico
enervante, um ritmo tão amargurado.
É como se no ventre frio o feto
se desanimasse, ajoelhado,
é longa a missão a cumprir.

A hora é de oração ao coração ateu,
mas o altar continua opulento demais.
Minha hóstia é craquelenta, secou o corpo,
o menu não inclui o sangue cabernet.
É preciso uma parada ao sacramento,
assumir o ódio, a maldita terapia.

O confessionário aqui guardado
está fechado, fitas amarelas da polícia.
Eu assassinei há muito tempo
o pastor, o carpinteiro
e o cientista.


CRiga.


segunda-feira, 10 de abril de 2017

Quarenta e duas léguas


Não há crime o caleidoscópio mirar
a doce psicodelia das cores da rede
que esvoaça à varanda em Piraju.

Dia vinte e sete deste ano –
pra quem enxerga mapas de inferno astral
eu vejo quarenta e duas opções
de não morrer sem ter escrito um livro
ter plantado uma árvore, ter um filho.

Os clichês são belos, amarelos
verdes anis brancos e uma ordem:
falta chão nesse quarenta e dois!

Há quarenta e duas mil cores,
elas brilham no fim da tarde outono.
E o que me incomoda mais, poeta,
neste restim besta de vivência,
é amigo meu eleger a rima pobre
e só enxergar sobrevivência!

A gente pode tanta coisa, meu amor,
até sonhar com rede, rima, cor, caminho.
Me dá carinho, a senha entre as tuas pernas,
eternas pernas de inaugurar histórias.


CRiga.


domingo, 9 de abril de 2017

Domingo, uma raiz


Há coisas que ainda bem
não estragam o domingo.

Com as crianças,
um bom filme, um bom almoço
a companhia de um amigo.

Não precisa vinho nem cerveja,
não precisa acerto nem confissões.
Sílvio Santos ou Faustão,
a ligação de quem você espera.

Há coisas que na pele reencrustam,
são da natureza, raiz ao contrário,
procurar a semente.

À alma que sente que deve voltar
não se deve negar água,
negar reencontrar.

Para Gustavo


CRiga.


Terapia do ódio


Porque se fosse fácil
o fóssil não teria valor.

Ao te ver tenho esta urgência
em não sentir que te devo
que posso mais que você.

Necessidade terapêutica de odiar
como se fosse fácil
como se eu fosse fácil
e eu não sou assim...

Terapia é o dia
em que eu negar por que
cheguei vivo até aqui.

CRiga.


quinta-feira, 6 de abril de 2017

So I start a revolution from my bed


Decidi negar a cama amargura,
aquela que não quer te largar.

Botei roupa de guerra
e me armei do caderninho.
Lembrei-me de um lugar-destino
e um bom assunto pra esparramar
(assunto mesmo de mesa de bar).

Cheguei veterano apagado
como quem queria apenas um olhar.
Fiz perguntas, estranharam.
Anotei, fui embora.

Sem querências entreguei
as respostas ao correio
de quem quer falar mais alto.

Eu sou da guerra, eu sei
maremotear a calmaria.
Então me reentreguei a meu destino!

Depois disso houve show.
Só queriam, como antes, me responder.
E outros me seguiram, me sorriram
dando asas a uma revolução –
qualquer tipo, não importa.

O importante é sentir o sangue quente
vermelho correndo as veias,
em vez da maresia morna
que afoga aos poucos o talento.

CRiga.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Desejo


A entrega acaba
na morte dos sentidos.

A carne que ferve queima miolos.

Um sorriso de canto, “com licença”.
O perfume tão vivo que te encrusta,
te cimenta no banco duro da solidão.

Calafrios nas ligações elétricas.
Na pele tapete de veludo
brotam doces carocinhos,
braile de explorar
o trigal esvoaçante.

Fogo na terra, raiz que não sossega!
Brota oceano salivando a fruta
que brilha vermelha, úmida,
distraída exposta na fruteira.

Não, mantenha oca a santidade...
Melhor viver assim pela metade
afogado em si em tanto sal de mar...

CRiga.


terça-feira, 4 de abril de 2017

O general das batatas


O general me tirou da artilharia que pesava sobre os meus ombros, mas me colocou telegrafando notas sociais de soldados rasos. Hoje, depois da dura batalha ele sorri de novo, mas agora sob um tenso ranger de dentes - tantas estrelas não podem tirar das costas as execuções de caladas de noite. De sua poltrona almofadada, vestindo sua farda reciclada, levanta velhas armas como se pudesse usar.

Telegrafando não desaprendi a atirar - e não há melhor soldado telegrafista de notas sociais. Eu seria o general de descascar batatas, tivesse me enviado ao porão do quartel sob o incêndio implacável do tempo. E sob a dura acusação de sentinela desesperada, telegrafista de plantão, até apaguei algumas chamas que comiam o campo pelas beiradas.

O melhor é me matar de vez do que aos poucos - nem batatas nem notas, verdes, marrons ou sociais, vão conseguir. Sou soldado profissional telegrafista, sempre fiel à bandeira que sirvo. E ainda sei atirar muito bem.

CRiga.


segunda-feira, 3 de abril de 2017

Pra uma vida qualquer vida (resto é morte na avenida)


Acorda com a segunda-feira
lhe dando segundas chances.
Possibilidades, remotas ou não.
Sem lirismo, sem encanto.
Há também na pele que ferve
a covardia e a doença moderna.
Aquela tristeza tonta
que não tem gosto, morna.
Por que não vomita?
Por que não goza?
Por que não dá voz?
Há segundas chances orbitando
por aí, batendo asas de ir embora.
Mas a pena é tinteiro falso, fede mofo,
dá pena de ver correr atrás.
Agora há tempo pra um poema.
Precisa agora assassinar lirismos.
Precisa do cinismo. Escrever
só a disputa pelo poder.
Não pode nem contar verdades –
o espião te mata, o futuro cai
numa conta muita cara,
a bebida que não satisfaz.
Não sabe se vai pagar,
o gosto é só sangue de barata.
Não sabe se vai chegar a tempo.
Como acreditar em milagres.
Como discar números da agenda –
o socorro é só um barquinho de papel
que desce no fiozinho de água
escorrendo suja na sarjeta quebrada.

Ele antes tinha motivos.
Agora tem coceiras,
olheiras, sono pra recuperar.
E um finalmente virar as costas,
se jogar.

CRiga.