terça-feira, 31 de maio de 2016

Não há idade


Não há o que lamentar,
o salário está em dia
o amor também.

Não há o que escrever de triste,
a tinta só escreve
a lista de supermercado.

Não há a que enviar resposta,
a carta nem foi postada
e a vida continua.

Não há o quê questionar,
o sistema continua podre
pobre de nós mortais.

Não há o quê temer,
a natureza continua bela
a lua cheia ainda é amarela.

Não há porque torcer,
nosso time só não vai perder
mas também não vai ganhar.

Não há o que envelhecer.
Eu sempre fui velho
só este velho não sabia...

CRiga.


segunda-feira, 30 de maio de 2016

Hoje o sono preocupa mais

Começo a desgostar dessa eremitice,
essa mesmice de moda literária
que não leva a lugar algum.

É mentira o que disseram,
e na minha inexperiência
de plural infantilidade adolescente,
de repente prefiro a cidade
mudar a idade do sal da idade
um salto
bem alto
com você
ou sem você
tanto faz…

Atrás de nós vem o bicho dos anos que passaram
e não voltam mais –
se ele nos alcança a gente lamenta
e simplesmente senta no meio do caminho
procurando rima e pergaminho,
perdendo tempo e ganhando tolas respostas prontas
liquidação de supermercado.

Prefiro um show de rock,
um porre de amor seguro,
uma lágrima no escuro
pra não preocupar ninguém.

CRiga.


terça-feira, 24 de maio de 2016

Solidão dos dedos


Ácido,
o passado às vezes corrói a pele,
e eu sinto, sinto muito – 
as mãos calejadas perderam o fogo
escondido entre as tuas pernas.

De um outro lado
você passeia os dedos loucos,
à meia-luz, sozinha,
à frente da tela de um computador.

E eu sei, há a dor,
ácida navalha sangrando lágrimas
num gozo frio de solidão.

CRiga.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Ofertas de supermercado

Há o charme que chama.

A chama às vezes engana,
é novela repetida.
Vem que à tarde eu trabalho
pra caralho
preso na poeira.

A estas alturas nada é tão novo
que num segundo não se torne
apenas a toalha fora do lugar.

CRiga.


Uma vaga ideia



O som do asfalto molhado
é o mais caro som da solidão.

É o som que resgata o garoto que corria
que morria todo dia
renascia de vez em quando.

Aquele garoto sorria
não sabia bem pra quem.

O som do pneu contra o asfalto molhado
é a sinfonia da mais doce melancolia.
É de quando não havia dia
que o garoto não queria 
ser apenas um garoto.

Mas ele era.

E era uma vez um garoto.
Não havia chuva que não fosse amiga.
Não havia amiga.
Não havia.

Ele havia de ser alguém,
uma ideia de poesia.

CRiga.




sexta-feira, 20 de maio de 2016

As raridades que não servem mais


Não maldiga a igualdade das coisas
que você acha todas iguais.

A diferença está no simples detalhe:
despir-se da pele do cordeiro da moda
e vestir-se do velho manto que divide
o calor pra dois corpos,

seja na fedida cama dos bordéis,
na doce pornografia dos motéis,
seja debaixo do singelo cobertor
dos pais que não estão em casa.

Um dia todos se descobrem!

Por isso quero cometer o crime
de acreditar de novo nos teus olhos,
aqueles mesmos que não vejo mais refletidos
naquele menino que te procurava silencioso,
naquelas esquinas nos bares
nos luares das ilhas que afundaram.

Quero recriar casas lares pares imperfeitos
enfeitando a praça da hipócrita vanguarda:

mais vale ter amor seguro,
uma mesa pra dividir o vinho
e um trocado pra ganhar o pão.

CRiga.



quarta-feira, 18 de maio de 2016

Sangue venoso



Há um espaço imenso entre o coração e o tempo,
e quando o músculo inventa de bater pra trás
por que será que apenas o pó
violenta a veia explodindo solidão?

CRiga.


Sobre monstros e homens

Há dias que é melhor o silêncio rouco,
a paz de cemitério.

Deixar o ácido da chuva corroer a alma amarga,
simples e direto assim
como apenas escrever pra você entender.

CRiga.