quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O monstro

Quando volta do sono, é pior que o próprio Godzilla – é a enorme sombra do monstro sobre uma distraída e calma praia no verão. Torna treva num segundo o céu que demora a ficar azul. Apaga feito borracha os sorrisinhos da historinha que tentamos reinventar.

Fui eu quem o criou. Fui eu quem o alimentou. E, mesmo quando dorme, rosna baixinho. Não tenho arpão para matá-lo. Não tenho magia para acalmá-lo. Minha energia é sugada também.

Mesmo quando dorme, nos meus pesadelos acho que ele vem em forma de tsunami, bagunçando a vida pacata e impondo terror. Eu corro corro das ondas, elas sempre me alcançam, acordo em pânico – de tempos em tempos ele me visita neste filme de apocalipse.

Demora um tempo até deitar-se novamente no fundo d’água. Até lá, a sombra entristece os lares, todos os lares, quase todos os rostos. Cada vez que adormece, deixa uma marca na história. E uma torcida silenciosa pra que demore pra acordar de novo.

CRiga.
 


Ode ao exorcismo

O som dos gatos no cio
são apenas desesperos irracionais.
A chuva fraca ensurdece a alma
e renova a força da natureza negra.

Parece até piada pronta pra cristão,
mas aquela besta sexta treze
até já ficou pra trás.

Porém o azar perdura,
gordura d’alma podre,
barril de duas maçãs.

Os sons que vêm do desespero são reais, piores,
são odes ao exorcismo:

o diabo pobre resiste
e Deus já perdeu as contas.

Torço para que a idade assassine meus demônios.
Quem sabe eu não serei a vítima.

CRiga.



Ode ao exorcismo (parte 2)


Cairia mil precipícios soubesse que tudo se apagaria em minha lápide – a vergonha, o teu perdão que ressurge máquina de triturar alma naquela triste ira de esfarrapar o farrapo, o fiapo do trapo do tapete da trincada porta velha de um casarão abandonado na cidade fantasma desta alma.

Que no jazigo sem enfeites o piso tenha espaço pra você pisar com teu merecido ódio. Que o teu riso tenha tempo de ainda rir aos ventos. Que volte a ler o velho livro de poemas. Que o teu amor redesperte bem perto me enterrando cada vez mais fundo e distante.

Não tenha dó de mim – apenas não escreva nada no mármore eterno. Nem a pedra fria merece estes monstros cujas sombras ainda escurecem lares, quais sejam eles onde for.

CRiga.



terça-feira, 27 de outubro de 2015

Amargoar

Perigoso é o ser instante,
quando cegos vociferamos
falsas lições a quem amamos.

Porque a vida não é o instante,
esse ser vezes paixão, destruição,
apenas um visitante
sem saber constante.

CRiga.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O morro que não é mais nosso

As mazelas esperneiam
e o esperma corre as pernas.
É quando o triste fecundador
desiste do mundo mundano – 
um bebê morre anjo
feliz angelical.

As janelas estão fechadas
e os beirais têm rosas secas.
A cidade está de olhos cerrados,
fingindo um sono, talvez embriaguez,
para aliviar a dor.

A luz da tevê ilumina um barraco,
e o cheiro do jantar se mistura
ao pó da casa fechada
em pleno verão.

Os gritos daquelas crianças
estilhaçando as alegrias de infância,
hoje fazem parte da canção de ontem
no vinil velho comido pelo tempo.

O batom que era da camisa de seda
virou sangue de execução na mesma esquina,
onde cantava a boemia
uma vida mais bonita.

Aquela seresta virou faroeste,
e o oeste virou medo no pôr-do-sol –
é quando morre na esquina
mais um inocente trabalhador.

Não há caminho de volta ao lar –
há via crucis no chão de terra batida
onde Cristo podia bem ter caminhado,
não fosse a cruz virar arma branca
pra dar na cabeça de bandido
e de penhora à polícia.

Não há caminho aos novos fecundadores –
o espermatozóide tem medo da missão
e canta assoviando uma musiquinha
sucesso de antigamente,
pra disfarçar sua tristeza
de ter que dizer não.

CRiga.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Drummondear


20 de outubro - DIA DO POETA!

Meu poeta é Carlos Drummond de Andrade. Tentar explicar não dá – só lendo esse mineiro brasileiro de deliciosas escritas.

Minha homenagem aos poetas é em seu nome:


Tudo é
um poema de Drummond.
Um sal diferente
ou açúcar de gente.

Tudo é
um canto desencanto
bonito que dói.
Ou sutileza da beleza
quão incomunicável
que arde o pulso
em busca da quase perfeita tradução.

Tudo é
punhal invisível
contra a alma aberta.
E quem não acerta desconhece
a graça que a poesia tem.

CRiga.