terça-feira, 30 de abril de 2019

Amor de ficção


Entregou as flores de um amor perfeito,
ela preferia uma caixa de bombom.

Precisava falar sobre amor,
ela sobre o fim da novela das oito.

Entregou finalmente os pontos,
a voz já lhe faltava tanto.

Comeu o travesso chocolate
recheado de ácido sulfúrico –
virou a linda vilã agora morta
no melhor e último capítulo.

Amor de verdade
é que tem dessas coisas, meu bem –
rosas vermelhas num buquê
e sangue no plantão da Globo.

CRiga.



segunda-feira, 29 de abril de 2019

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Faith and cofee


Enquanto houver a gente que acredita
pode ser fé ou café –
a manhã sempre será a vida
esta, que te acontece.

CRiga.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Futilidade


O alimento no cateter de caráter fraco
são os likes de rede social.

"Super legal", e tão banal.

A religião é o culto da personalidade incauta
falsa boneca de porcelana
na selfie cínica narcisa.

Super facial, superficial.

Nos comentários destila o que um destilado estragado
faz ao playboyzinho de baladinha:
burrices, burrices, burrices...

Só superlativos, relinchos disfarçados.

A moda é ser tão fútil quanto a sacola
ecologicamente correta do supermercado
que carrega o papel higiênico usado.

CRiga.


Música francesa


A moça canta tão doce
palavras que não sei – 
covardia é discutir amor
com uma cantora francesa.

Triunfo nem Eiffel,
nada rima sobre o papel que assumo. 
Lábios em bico pronunciam erotismos
olhares furtivos me convidam à alcova.

A moça canta tão segura
tudo o que quero imaginar –
varia entre Notre-Dame e uma cruz
e os becos charmosos da Cidade luz.

Sob o arco ou a torre
a rima pobre é barco ou porre. 
Covardia é faltar elegância pra te cantar
e enrolar as línguas num idioma só.

CRiga.


quarta-feira, 24 de abril de 2019

Um outono sem conspirações


O outono e sua faca cortante
de ódio contido.

Frio seco feito lâmina na cara que encara
o caminho, um doce crime
licor de ácido na boca da noite.

Céu de estrelas atrás da fumaça,
a feia urbanidade vira poesia.

O dia uma boba fuga prum café
subversivo, na esquina do beco.
E com a ex-secretária do velho partido
tramar revoluções embaixo de cobertores.

O outono e sua face de sensações
contra o sentido da areia da ampulheta.

Violeta murcha, rosa que não a vermelha.
Dor no peito que não o sangue
da autoritária bala de borracha.
Estanque o desejo, guarde o frio seco
quase sangrento no fio da faca.

O outono e seu eterno vinho pela metade
escondido embaixo do casaco da cidade.
Já não somos mais tão jovens,
não temos mais conspirações.

O outono agora é só a impressão
da tola importância que demos às boinas,
cadernos nos bares
e poéticas revoluções.

O outono e sua faca cortante
de tantas desilusões.

CRiga.



terça-feira, 23 de abril de 2019

Carta não respondida


No meio do universo caiu a estrela,
esfarelou-se o brilho
feito lágrima geada.

Desde que o homem amou
pela primeira vez,
houve muita pedra no caminho
feito cristais deslizando
pelos rostos gelados da desilusão.

No meio da guerra a bandeira branca,
e um soldado raso chorou
saudades da namorada russa.

Desde que o homem foi à Lua
não pendurou de volta a estrela.
Houve muita chuva esfarelando desejos,
estilhaços, rostos cortados
pela lágrima da solidão.

A saudade é acenar solitário aos céus
num filme antigo em preto e branco.
Ver a Lua perder encanto
estrela despencando, triste cadente
sem brilho pra um desejo.

CRiga.


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Melancolia em quatro estações


Folhas caem corações partidos
no asfalto muito caro da cidade feia.
Houve outonos em que os poetas fugiram
poetar nas mesas de outros bares.

Há um cravo amassado no bolso do casaco.
Barba a fazer, inverno no passeio público.
Um olhar entre procurar rostos conhecidos
e amores imperfeitos.

A moça que colhia flores na praça
não acha mais graça na primavera.
Ontem ela chorou uma lágrima quase seca
saudades do primeiro namorado.

No último dia do verão, dizia uma canção,
“nunca me senti com tanto frio”.
Não houve nem amor pra subir a serra,
pombos decoram o mar impróprio para o banho.

Quem sabe os céus do outono.
Quem sabe o cobertor do inverno.
Quem sabe a leve chuva da primavera.
Quem sabe a breve folga no verão.

Haverá um dia
em que a melancolia
não falará mais tão alto assim.

CRiga.


sábado, 20 de abril de 2019

Santa sexta-feira


– Salve Nossa Senhora Mãe de Cristo, o Nosso Senhor!
– Só os documentos, por favor.
– Tem certidão de batismo também.
– Por enquanto é só a Carta, senhor.
– Um dia de bons cristãos este!...
– Dia de trabalho. Responsabilidade, senhor.
– Ainda bem que a gente lembra o dia da morte de Nosso Senhor Salvador!
– O senhor bebeu?
– Não. Comunguei. Sangue de Cristo. Tem poder.
– Assopra, senhor...
– Não é derrama?
– Senhor, por favor...
– ... então vamos, vamos então orar...
– Senhor, por favor...
– ... não me livre do meu carro duzentas prestações vexame na família.
– Senhor, por favor...
– Morreu na sexta pra ressuscitar no sábado, aleluia!
– Soldado, me ajude aqui.
– Domingo ele voltou aos céus pros braços de nosso Senhor.
- Braços pra trás, o senhor está preso.

CRiga.


sexta-feira, 19 de abril de 2019

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Poeta de escritório


Não tenho tempo, me escute:

Há um lírio escondido na gaveta
pode ser primavera ou psicodelia.

Meu amor, me ajude a contar histórias
que não relatórios de chatas reuniões...

CRiga.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Pólvora e hortelã


A veia nas ruas do Rio
urra sangue de Sampa
passa frio nas pontes do sul
e é explorada virginal
nas baías do nordeste.

Homens têm poder,
mas é só um deus que tem a força.
Com sua paciência onipresente
ele só assiste a tríades fatais.

Um caixeiro viajante desvia das balas
e leva a hortelã pras crianças da favela.
O Brasil ainda vive
o sorveteiro ainda vende o sorvete
e o traficante ainda vende a droga.

A esperança está no caixeiro que volta
destas esquinas muito loucas,
trazendo a bala de hortelã
com o doce sabor de redenção.

CRiga.


terça-feira, 16 de abril de 2019

Eurico Cerruti


Um pé de ameixa.
Um banheiro fora de casa.
Barata na cama, no tênis.
Festa junina com fogueira e bandeirinha.
Vitrola. Pé de cana.
Coquinho morrendo.
O geladinho de Dona Rosa.
Dona Josefa e o catecismo aos sábados.
Piscina Regan de segunda mão.
O barulho do portão.
A rua paralela onde morava a menina.

Quem me dava almoço?
Jantar?
Quem cobrava minhas lições?
Quem vigiava minha infância?
Quem eu era?

O que fizeram comigo?

Por que não me lembro dos detalhes?
A dureza da vida dos pais separados
apagou memórias que talvez
nem valham mesmo a pena lembrar.

CRiga.



Sem rei mago nem madrinha fada


Não tem me cobre no frio da noite.
Nem levar o copo d'água na cama
tou com sede.

Não tem bala nem maçã da feira.
Tem gibi da Mônica de vez em quando.
Leite em pó contado, duas vezes por dia,
e tarde da noite esperando num ponto
um ônibus e a ela chegar.

Tem visita a cada 15 dias,
brincar de cartas eu me lembro.
Pai com fome, filho tinha de se virar
achocolatado frio empolotado e pão de ontem.

Tem é muita briga de pai e mãe.
No banheiro trancado, ecos estranhos.
No quarto fotos queimadas num canto.
Na sala os socos que ela dava no sofá
depois do bater da porta e ir embora.

Mais tarde, acusações lidas à beira da cama.
Olha a carta que escreveu!
Falou de compadres e comadres.
O garoto não merecia ouvir as dores da mãe.

Madrinha fada e rei mago
podem alegar que não faltou nada
no mundo em que precisaram
matar as fantasias.

Só faltou me sentir mais quentinho
copo d’água na cama tarde da noite
menos bronca do rei mago
e mais luz da varinha, madrinha fada.

CRiga.


segunda-feira, 15 de abril de 2019

Notícias de Hiroshima


Sobre a tranquila cidade vizinha
houve a brisa louca e cinza
trazendo notícias e encomendas.

Talvez uma boneca nova
chegando de presente
à menina que já cresceu.

Talvez a maletinha de material escolar
que o garotinho esperou
lendo uma historinha de samurai.

Talvez o relógio da moda, o vestido
talvez a cama e até um gemido de prazer.

Ou talvez apenas o noivo distante
finalmente na visita prometida,
pousando leve sobre a pele da moça
distraída na lavoura de arroz.

CRiga.



sexta-feira, 12 de abril de 2019

Trailler da paz das almas


Um caminhão passava lotado na rodovia.

E ele câmera lenta. Trôpego.
Observava, ouvia o ronco louco.
Um flash da vida inteira nos olhos sem cor.
Muito pouco a dizer.
Muita vontade de avançar a linha do acostamento.

Na pista tapete de rodovia interiorana,
pouco espaço caso o acaso causasse tropeços.

Não há acasos, caso você não saiba:
na casa do desespero dos fracos,
uma mulher fumava em paz o seu cigarro
entre os braços de um amante mais amoroso.

Era um caminhão lotado de pesadelos.
Os faróis de cor amarela,
para-choque sem dor,
um ronco feroz de animal justiceiro.

E o trôpego avançou a linha do acostamento.

Desde então, justiça ou loucura,
havia mais ternura no asfalto vermelho,
uma abreviação de sofrimentos:

uma mulher que agora amava sem culpa
nos braços do amante agora novo amor,

e um buchicho no boteco da vila
com a conta ainda aberta
de um cliente que nunca mais voltou.

CRiga.



quinta-feira, 11 de abril de 2019

Mágoa


Pedra crack no coração,
bad vicious...  
Envelhece, são rugas rusgas repetidas
amarga bílis
ácido na bem-vinda santa úlcera.

Um parto de dor feito pedra no rim.
Ela vem e petrifica tudo
com seu manto de morte abraçada
amarrada. 

É feito macumba
tão boca de sapo
quanto boca do lixo.

Uma pedra sempre ponto de partida,
sad precious...
No sapato no caminho na cuca
não tem como britá-la jogá-la ignorá-la.

Nem vozes da brisa soprando “esquece”.
Ela é a nova sensação pós-verão
neste agora pedra coração. 

É feito o amor
tão marcante
que a gente não consegue esquecer.

CRiga.


quarta-feira, 10 de abril de 2019

Sobre lobos sem dentes


Há dias em que é melhor
o silêncio rouco
a paz de cemitério.

Deixar o ácido da nova chuva
corroer e batizar almas amargas.

Simples e direto assim
como num dia distraído
pego pela tempestade fria
sem um amigo guarda-chuva.

Simples como apenas escrever
para você quem sabe entender
em qualquer dia de um verão.

CRiga.



terça-feira, 9 de abril de 2019

Cheiro de asfalto molhado


Havia um garoto perdido que só fazia
correr atrás dos ônibus lotados,
a juventude era confusa demais.

Havia sua poesia. Uma menina
com quem dividiu seus sonhos.
A chuva era confortante.
Muita música. Poucas descobertas.

Não havia fada madrinha nem rei mago.

Sempre quando chove,
os pneus dos carros da maturidade
rangem no asfalto hoje muito severo.
É quando cheiro e som se misturam
na alma, querendo resgatar aquele garoto.

É quando pulsa o pulso louco
ao som de uma nova canção
adolescente.
E nada mais resta senão a festa do silêncio
tripudiando sobre o dia amargo.

Sem madrinha fada nem rei mago.

CRiga.



segunda-feira, 8 de abril de 2019

Lírica acidental

Pus letras
puzzle
quebrei cabeça.

Veia à louca
sangue violeta
e letras pus.

No momento estanque
louca sobre a mesa:
a lírica perfeita!

CRiga.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Aquele cara dos dedos finos


Sobrevive
à procura de uma nova história de amor.

Desce o escadão de madeira que range
a idade da casa velha,
mais uma garrafa de conhaque a tira colo.

Para em frente ao piano desbotado.
Contempla o porta-retratos,
aquela linda e besta felicidade juvenil.

Senta-se à banqueta de couro ressecado,
o cálice trincado perdido na atmosfera.
Amareladas teclas – até um bom vinho francês
já manchou reputações.

Um indicador maceta o marfim, débil,
ensaia apenas uma melodia sem nexo.

O sexo dos anjos.
A solidão dos deuses.

Num gole mata o conhaque
num ímpeto baixa a guarda do teclado.

A madeira soa todas as notas graves do abandono.
A brisa agora é o cheiro da chuva que chora
um amor que nunca teve rosto.

Mais uma noite –
a morte sorri sedutora na varanda.

CRiga.


Dívida moral


Eu tenho palavras para vender.
Palavras de sabores artificiais.
Saquinhos de Tang na dispensa da cachola.

Às vezes um trago da cerveja artesanal.
O que trago são letras num escudo medieval.
É que nada muda tão facilmente no Brasil.

Ganho a vida no mercado marcado das palavras.
Palavras não para vencer dissabores.
Apenas para não perder terreno.

Às vezes um afago da certeza banal.
O que pago não são meus dividendos.
O que recebo não paga minhas dívidas.

Nem palavras lindas e certeiras
muito bem redigidas num discurso
desnudam as verdades do Brasil.

CRiga.


quinta-feira, 4 de abril de 2019

Pelas tangentes


Você segura a víbora com as duas mãos
abaixo da cabeçona dela,
olho no olho
evitando o veneno do bote fatal.

E com a força vital que ainda te resta
resiste e testa
a arte de sobreviver.

CRiga.


quarta-feira, 3 de abril de 2019

Em uma nota, só


Em cima do piano
um copo de veneno.

Piano da sofisticação
pretão, sério demais.

Embebido morreu em si
menor.

CRiga.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Mapa doméstico


Os dedos passeiam entre querubins
de gesso na estante,
e o pó se digitaliza história confusa
na mão que te procura.

Entre os bibelôs de uma vida que passa
eu apenas adormeço, nas asas de um anjinho,
meus sonhos de voar.

No canto onde deixei reservado um retrato teu,
me procuro como se fosse cura de vírus
ou como se você tivesse deixado a pista
usada pra um dia me reencontrar.

O doce da infância agora faz sentido,
mas a puberdade é dissonante.
São somente fotos velhas desbotadas
guardadas no baú do sótão mal-assombrado
da memória do coração.

Ouço Beatles, reviro cadernos
e álbuns de fotografia,
e a puberdade corre costas
cidades e verões.
Mas me canso e o anjo grita
o famoso ponto final –
é preciso descer, ainda sem fama,
sem grana e sem um par.

Os Beatles da segunda fase
agora fazem mais sentido.
E tudo gira como se fosse
o carrossel do perigo
que meu amigo cantou numa canção.

Meu filho, carinha de anjo
numa estante do futuro me fita, interrogação:
papai, onde está você?

Perdido no pó caminho
só pra te ver crescer.

Perdido só, no cantinho
feito feto quieto no ventre
sem a púbere memória enterrada
que você há de devolver.

CRiga.