terça-feira, 2 de abril de 2019

Mapa doméstico


Os dedos passeiam entre querubins
de gesso na estante,
e o pó se digitaliza história confusa
na mão que te procura.

Entre os bibelôs de uma vida que passa
eu apenas adormeço, nas asas de um anjinho,
meus sonhos de voar.

No canto onde deixei reservado um retrato teu,
me procuro como se fosse cura de vírus
ou como se você tivesse deixado a pista
usada pra um dia me reencontrar.

O doce da infância agora faz sentido,
mas a puberdade é dissonante.
São somente fotos velhas desbotadas
guardadas no baú do sótão mal-assombrado
da memória do coração.

Ouço Beatles, reviro cadernos
e álbuns de fotografia,
e a puberdade corre costas
cidades e verões.
Mas me canso e o anjo grita
o famoso ponto final –
é preciso descer, ainda sem fama,
sem grana e sem um par.

Os Beatles da segunda fase
agora fazem mais sentido.
E tudo gira como se fosse
o carrossel do perigo
que meu amigo cantou numa canção.

Meu filho, carinha de anjo
numa estante do futuro me fita, interrogação:
papai, onde está você?

Perdido no pó caminho
só pra te ver crescer.

Perdido só, no cantinho
feito feto quieto no ventre
sem a púbere memória enterrada
que você há de devolver.

CRiga.



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