quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Escritor em crise


Contrariando as previsões, um sol quente desafia o rosto que quer do ar apenas o gelo pra acompanhar sua alma fria. Os olhos ainda com aquela sensação marejada, põem-se a procurar pelos cantos alguns pretextos. Os textos não lhe vêm, a crise volta como que fincando a cruz no coração cansado. Um vazio depois do terremoto. Uma fome depois da bonança. Uma esperança que não se desenha nem se escreve nem se lê em bulas – é a alma que está gripada. Linhas velhas não lhe satisfazem nem lhe curam o mal.

À espera de um meio dia qualquer, ele cria sua personagem decadente – tem dívidas financeiras, mas tem seu vinho à meia luz e nenhum enfermo grave na família; tem segredos (sujos) de família, mas maquia um perdão, à beira do leito de morte tudo ficará melhor; melhor que muitos, um bom homem, com desvios psíquicos muito bem disfarçados; uma mágoa que de tão profunda só se traduz na falta de palavras numa conversa com o pai.

Só lhe faltam o enredo, a paciência e tempo. Não há sequer clichês, nem finais tempestuosos de poeta maldito. A patética platonicice lhe dá a sensação (e a certeza) do quanto é um idiota, o velho que incorporou, sem tolerância com os mais jovens.

Parece beira de precipício, cujo buraco raso é apenas uma sala de estar. Há caminho pra voltar, rever amigos. Mas criou sua casca de jabuti, seu casulo sem possíveis borboletas. O sono chega muito logo, coisa de velho, antes de pegar por trás a mulher na cama e arrancar-lhe os velhos gemidos de prazer.

Tudo tudo no ar para sorver e traduzir em linhas – seres humanos são ilhas, cujas diferentes pontes entre elas se conflitam ou se harmonizam, mas para cada um há continentes diferentes pra se pertencer. Coisas do escritor Floriano Terra Cambará, filho de dr. Rodrigo Cambará, em “O Tempo e o Vento” – como é bom ler Érico Veríssimo!

Hoje, melhor mesmo o escritor leitor. Amanhã nasce um novo tomo, letras de uma alma fisgada no ar e tatuada eterna em linhas de um diário eletrônico:

“No futuro, dirão: ‘ele tinha um grande amor’. Tenho vários. Ou: ‘ele tinha um grande segredo’. Tenho vários, também. Não há nada a se descobrir assim – entrelinhas, escolas de modernismo, entrevista com amigos e parentes. Há apenas palavras. Pontos. Vírgulas. E uma vontade louca, porém consciente, de inflamar a alma novamente, sempre, para que ela se lembre de vez quem é, de quem é. Aqui apenas deixo a forma – a alma é o meu quarto escuro, por favor, entre, mas mantenha a meia-luz...”


CRiga.

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