Você
pode escrever sobre o que quiser. Só não escreva sobre si mesmo – esta pessoa
em que você nunca pode confiar…
Se
insistir, mentirás. Mentirás até que convenças a ti mesmo que a verdade a gente
inventa só pra ser feliz. Uma verdadezinha inventada não faz mal pra ninguém,
vai…
Então
escreva sobre a vida dos outros. Invente vidas batendo de frente, gente
morrendo no final da história. E espíritos de almas mal-resolvidas que resolvem
atormentar outras tão mal resolvidas quanto. E ponha uma saída triunfal,
daquelas que levam a bengala de cedro de verdade da sala – um vivo veria apenas
a bengala boiando boiando atravessando a porta aberta. Isso tudo dá prêmio de
literatura na cidade onde moro.
Use
muita metáfora, muito código, muita escrita que parece sem nexo – parece chique
não fazer-se entender, porque às vezes até dão prêmio pra isso na ABL.
Ponha
uns versos no meio, tipo poeta maldito. Palavrões também parecem adequados na
modernidade.
Separações,
amores imperfeitos. Não esqueça da menção a uma música antiga.
Fosse
escrever sobre si, a verdade é que ninguém talvez quisesse saber. E,
convenhamos, não fica bem: você ficar sozinho numa tarde chuvosa, com aquele
papelzinho besta às mãos, perdido num ponto de ônibus qualquer, sola e
guarda-chuvas furados, um terno velho cheio de bolinhas e um conhaque pela
metade. Faça-me o favor de parar com esse melodrama, batidamente lindo, mas
melodrama de escritor maldito. E caia logo à sarjeta, deitado junto à centena
de cacos e uma folha de papel molhada na poça. Ninguém vai chamar o resgate.
Assim você vai morrer.
E
se os borrões no papel permitirem, aí estará um novo sucesso de literatura. Mas
você já estará morto. Mas você não deve querer morrer. Por isso, viva a vida de
outrem, que morre e revive conforme a conveniência do seu acordar. Mas mate um
a cada dia, e faça (re)nascer outro pra morrer no próximo amanhecer de asfalto
molhado. Assim você mata a vontade de escrever outra bobagem, e não corre o
risco de ser traído por si mesmo – essa pessoa em que você nunca pode confiar.
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