quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A Primavera de Laika




Era uma noite chuvosa. Entrei naquela mesma casa que conhecia dos meus sonhos (e que um dia, vários dias, estive de fato, em Diadema). Uma casinha triste, escura, com tijolos à vista por fora e por dentro. Cumprimentei minha mãe e a Karina, e escutei um choro – misto gente, misto cachorro. Janaína, minha querida irmã, estava ao lado de fora, com nossa cachorra Laika ao colo, e quem chorava muito era Laika.

Dia seguinte, dia de sol, lindo. Estávamos no quintal de casa – esta, velha conhecida de nossa infância, no bairro do Campo Limpo. Laika corria pra lá e pra cá, alegre, vibrante, brincando muito como antes. Sobre uma mureta, ela veio por trás de mim, me “abraçou” e me “beijou” muito carinhosamente.

Daí acordei deste sonho, quase com lágrimas nos olhos. Na noite anterior, Janaína me enviara uma mensagem: Laika teria de ser sacrificada, e a Beatriz, minha sobrinha-afilhada, estava inconsolável. Foram muitos os esforços para mantê-la viva, consultas a veterinário, remédios, tudo. Laika estava velhinha, cega e surda. Roçava o corpo contra a parede de tanta dor. E o sacrifício, por mais doloroso que fosse, era de fato a única solução.

Quem já teve um cachorro sabe que o animalzinho vira parente da gente. E é duro lidar com sua perda, assim como é duro lidar com a perda de um parente. Eu perdi Tobi, num enxame de abelhas; Janaína já perdera Coquinho, que morreu nos braços dela à espera de um remédio que chegou tarde; meu pai perdeu Sofia, linda e inteligente, também já velhinha. E tantas e tantas outras histórias devem ter os que já perderam este querido parente da gente.

Um parêntese: nesta manhã, antes de levar Francisco e Caetano à aula de música, eles ensaiavam uma canção na flauta: “Primavera”, de Tim Maia. Coincidência ou consequência, hoje chegou a Primavera, linda, quente, com sabor de renascimento.

Meu sonho era também coincidência ou consequência – mas da triste mensagem de Janaína na noite anterior. E tudo se encaixou como uma novelinha: numa triste noite chuvosa e escura, Laika, doente, ia embora; mas no dia seguinte, na Primavera, ela estava bem, feliz, marota como sempre.

E é esta mensagem que quero passar pra Bia:

O outono e o inverno se foram. Este tempo, quando as folhas caem com esse jeitinho da morte necessária, porque ela faz parte da vida.

Mas agora é Primavera! É quando as flores nascem mais coloridas, as árvores ficam mais belas, tudo renasce após o inverno e o outono. É como a Laika: ela vai porque precisa ir, mas estará melhor, meu amor.

“Porque é primavera
Te amo, meu amor
Trago esta rosa para te dar
Meu amor
Hoje o céu está tão lindo”
"Primavera", Tim Maia


CRiga


4 comentários:

  1. Nossa! Estou em lágrimas agora! Que texto lindo, repleto de sensibilidade e carinho. Muito obrigada, amado irmão! Beijos. Janaina.

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  2. Puxa. Intenso. Também já perdi mais de um desses bichos que viram parente. Leão, Lobo, Bob, Foquinha. Sempre muito triste quando se vão.

    Marcos Vicente

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  3. Belo texto, como sempre. Você tem razão: esses seres de quatro patas são anjos, são entes queridos. E perder um ente querido dói muito...

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  4. Nunca fui de ter muita intimidade com cachorros, até que um dia ajudei a cuidar de uma cadela chamada Shena que conversava com o olhar, também se foi, tomou veneno para rato, fiquei muito triste e aquele olhar dela ainda aquece meu coração. Hoje temos o Nero, outro cachorro que se comunica com o olhar e é possível entende-lo. Lindo texto... Laika deve estar muito feliz sim! Abraços

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