Tão insistentemente
Vera batia na porta, como quem não tivesse nada mais no mundo a não ser o ser
humano do outro lado da madeira velha. Aquela porta acinzentada que dava direto
naquela avenida do centro da cidade. Às vezes incomodava ter que vencer os
mendigos e putas no meio do caminho na calçada, mas vencia porque amava tanto o
ser do outro lado da porta de madeira velha, insegura. Qualquer um, com um
mínimo de esforço, podia arrombar a fechadura e levar o submundo pra dentro
daquele lugar sempre sujo, mini sala-cozinha-banheiro-quarto, cinzeiro sempre
transbordando, garrafas vazias, baratas, calor, mofo, cama desarrumada, gritos
na madrugada, abrigo, prazer.
Era aquilo
que Vera queria naquela noite, trazia consigo também meia garrafa do conhaque
barato. Só aquilo. Batia, batia na porta feia como que suplicasse socorro ao
inferno. Chovia. Vera chorava, mal sabia por que.Tanto que batia a mão
sangrava, mas não deu importância à dor – só queria ver abrir-se a porta,
abraçar aquele ser inatingível que sempre amara mas nunca conseguira perceber
assim. Quando teve certeza que amava desesperou-se, correu pela cidade, na
chuva, uma garrafa ao colo e um coração que doía uma dor que nunca sentira. Enfrentou
putas e os mendigos no meio do caminho, e lá estava ela naquela porta fria. Batia,
batia, chorava, sangrava. Dormiu na escada de dois degraus, a porta nunca se
abriu.
Dia seguinte
o agente da imobiliária com sua placa de “Aluga-se” teve um trabalho a mais:
convencer Vera que ali não morava mais ninguém. Era já cedo, e Vera entendeu
que era muito tarde, não tinha mais por que voltar a lugar qualquer. Chorou mais
uma vez, soluçou sentada. Vera então entendeu o que era arrepender-se.
Vera
envelheceu como a puta mais famosa e mais desejada do centro da cidade. Morreu sozinha agarrada a uma placa velha de “Aluga-se”, estirada numa escada de dois
degraus, depois de, como dez anos antes, passar a noite batendo naquela porta.
No óbito,
causa mortis: solidão.
CRiga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário