segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Ponto de fuga


Eu procuro mais!

O que não traz a pessoa ao sorrir.
O que não mostra o corpo ao se despir.
Eu não quero gesto nem carnaval.
Não quero o que completa o plural.

Eu procuro olhos que falem.
Eu procuro vozes que vejam.
Eu procuro um cais na tempestade.
Eu procuro o caos na sanidade.

Vivo sempre a trancar portas pelo caminho.
Vivo sempre a procurar as chaves atiradas.
As aves não me acompanham na viagem
em suas dores de fuga no horizonte.

Na verdade eu também fujo.
Talvez eu seja um velho bruxo
correndo da Santa Inquisição.

Sempre há também aquele tórax nu
e os braços abertos, tão pertos.
Agora não é paz, é a tormenta.
É um morto que tenta
me levar também.

Daqueles olhos me privaram.
Desviaram seu sentido numa obra de arte
tão humana quanto à pluralidade.
Foi quando desaprendi as orações.

E eu procurava aqueles olhos...
Mas um dia eles se cansaram
de me dar as mais simples respostas.

Eu procuro na intolerável distância
o que é distante
e intocado.

Eu procuro a fragrância de um perfume
que perdi na intimidade do ar.
Eu procuro o arrependimento do voluntário
na fragata em alto mar.

Eu me procuro, é tão difícil...
No escuro
tudo parece tão igual.

CRiga.
(Caderno Azul, 1997)



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