Contrariando
as previsões, um sol quente desafia o rosto que quer do ar apenas o gelo pra
acompanhar sua alma fria. Os olhos ainda com aquela sensação marejada, põem-se
a procurar pelos cantos alguns pretextos. Os textos não lhe vêm, a crise volta
como que fincando a cruz no coração cansado. Um vazio depois do terremoto. Uma fome
depois da bonança. Uma esperança que não se desenha nem se escreve nem se lê em
bulas – é a alma que está gripada. Linhas velhas não lhe satisfazem nem lhe
curam o mal.
À espera de
um meio dia qualquer, ele cria sua personagem decadente – tem dívidas
financeiras, mas tem seu vinho à meia luz e nenhum enfermo grave na família;
tem segredos (sujos) de família, mas maquia um perdão, à beira do leito de
morte tudo ficará melhor; melhor que muitos, um bom homem, com desvios psíquicos
muito bem disfarçados; uma mágoa que de tão profunda só se traduz na falta de
palavras numa conversa com o pai.
Só lhe
faltam o enredo, a paciência e tempo. Não há sequer clichês, nem finais tempestuosos
de poeta maldito. A patética platonicice lhe dá a sensação (e a certeza) do quanto
é um idiota, o velho que incorporou, sem tolerância com os mais jovens.
Parece beira
de precipício, cujo buraco raso é apenas uma sala de estar. Há caminho pra
voltar, rever amigos. Mas criou sua casca de jabuti, seu casulo sem possíveis
borboletas. O sono chega muito logo, coisa de velho, antes de pegar por trás a
mulher na cama e arrancar-lhe os velhos gemidos de prazer.
Tudo tudo
no ar para sorver e traduzir em linhas – seres humanos são ilhas, cujas diferentes
pontes entre elas se conflitam ou se harmonizam, mas para cada um há
continentes diferentes pra se pertencer. Coisas do escritor Floriano Terra Cambará, filho de dr.
Rodrigo Cambará, em “O Tempo e o Vento” – como é bom ler Érico Veríssimo!
Hoje, melhor
mesmo o escritor leitor. Amanhã nasce um novo tomo, letras de uma alma fisgada
no ar e tatuada eterna em linhas de um diário eletrônico:
“No futuro,
dirão: ‘ele tinha um grande amor’. Tenho vários. Ou: ‘ele tinha um grande
segredo’. Tenho vários, também. Não há nada a se descobrir assim – entrelinhas,
escolas de modernismo, entrevista com amigos e parentes. Há apenas palavras.
Pontos. Vírgulas. E uma vontade louca, porém consciente, de inflamar a alma
novamente, sempre, para que ela se lembre de vez quem é, de quem é. Aqui apenas
deixo a forma – a alma é o meu quarto escuro, por favor, entre, mas mantenha a
meia-luz...”
CRiga.