quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Letras raras

 


Tenho vergonha de expor tristezas,
recônditos incompreensíveis.

Ninguém compra a flor que começa a murchar
deixando um perfume de morte no ar.

A maçã com aparência da pele idosa
mas ainda saborosa
dependendo do desejo dos dentes
e da língua.

Há na garrafa empoeirada do boteco do Centro
impregnada a história de um dia
em que o alcoólatra era um cara legal.

Há na foto desbotada colada no relicário
aquele mais doce segredo
que o viúvo já esqueceu.

O casaco que arranha a pele no brechó
já aqueceu um poeta em seu auge.

O vinagre já foi vinho
e a cruz a redenção –
mas o padre desistiu.

Hoje não tem missa
porque o coral do corpo de Cristo
se vendeu ao rock inglês.

E a multidão no estádio grita
a feliz unanimidade
de um ingresso muito caro.

Raro
é o pulso magoado
escrever um dia melhor.

CRiga.



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