segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Segredos de pelúcia


Dali a pouco ele chegaria, provavelmente com um buquê de flores, um vinho, e depois da novela fazer amor, na sala, no quarto dos pais ou no seu, cheio de bichinhos de pelúcia nas prateleiras cor-de-rosa. Há quase um mês papai e mamãe viajavam pela Europa, e ela sozinha porque tinha de ir pra faculdade - não ia. Mas o professor ia à casa dela. Nem novo, nem tão mais velho. Chegava todo dia na hora da aula com um presentinho, um vinho, um licor, flores, jóias... Gostava muito era dos bombons e de sua boa conversa.

Até aqueles seus dezenove anos não tinha experimentado nada assim. Nem sabia o que era se apaixonar. Poucos dias atrás tinha perdido a virgindade na cama dos pais, o professor. Todo dia ele vinha, todo dia ele falava muito, e ela se perdia no olhar dele, no beijo, no sofá, na cama. Aventura. Amor.

Mas aquele dia ele não chegava. ‘Tão pontual, gosta tanto de mim...’ A impaciência dela já chegava à perturbação. Foi pra faculdade procurar por ele. Ligou o carro, acelerou forte.

Na esquina, o escuro, mas ela viu: o professor e aquela loirinha da turma de Psicologia. Beijos e mãos passeando por baixo da saia da menina, por dentro do zíper da calça social do professor. E ela viu tudo, do meio da rua. Tudo parou, menos seu carro. Acelerou forte, muito forte, muito ódio. Dali a muito pouco, menos uma árvore na rua da faculdade, menos gente enganando gente nesse mundo confuso que era cor-de-rosa agora vermelho sangue, antes ursinhos de pelúcia agora ratos de esgoto, antes bombons de licor agora de ácido sulfúrico. Deu meia volta, não voltou pro lar.

Hoje mamãe e papai não sabem em que casa noturna ela vende seu corpo. Uma cicatriz na alma, um mistério, e uma cara de menina que faz sucesso. Por vingança, cobra caro, muito caro. E muitos querem, porque ela chega atropelando com seu corpo de menina-mulher, fala pouco, os homens gostam de suas roupinhas tipo universitária de Moema. No quarto eles sorriem e sentem tesão com a prateleira e um ursinho de pelúcia encardidinho.

Mas ela exige respeito. Quem sabe um vinho, uma flor, menos caixa de bombom, muito lero ou aula de romantismo. Homem bom é o que chega, paga, come, e vai sem falar o nome. Deixa vazio o que vazio está. De manhã vai dormir, consciência tranquila e agarrada ao ursinho encardidinho. Menina-mulher que dorme enfiando a mão naquela bunda de pelúcia, contando os dólares do dia.

CRiga.



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