segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Romance de cabeceira


Eu vejo bocas marchando, eu não consigo acompanhar...

E finalmente entregue ao corredor de vozes que esperam uma resposta, eu me levanto, digo que uns remédios aí estão me fazendo mal e me retiro, fujo, sem mais. Enxaqueca seca, estresse, o que for – ouço baterem os sinos falsos da Matriz, e mais uma vez desejo morar numa cidade de verdade, onde eu não precise plantar discos ou livros. Apenas colher o que plantar, dono do meu destino, senhor de minhas linhas.

Não tenho tempo pra doença moderna. Espio neste inferno feito pecado minha arcaica dependência nos “líderes” enquanto desconheço como construir destinos. “Sem trabalho eu não sou nada”*¹. Não há fim nestes dias. Eu não quero simplesmente enlouquecer. Minha memória está falhando, eu estou cansado e não carrego pedra.

Eu vejo o dia marchando, o pelotão da ditadura. E eu me escondo num romance, me torno um Floriano sem tanto charme. E registro tudo como num diário - um dia, um outro eu pode querer ler sobre mim, num futuro qualquer de paz: 

“Despeço-me de M. em seu apartamento. Ao anoitecer ficamos longo tempo em silêncio junto da janela, vendo o fog cobrir aos poucos a cidade e a baía. Quando as luzes se acendem, M. murmura:

— So this is the end of the line...

E para minha surpresa e embaraço, põe-se a chorar de mansinho. Pouco depois me leva no seu carro até a estação, onde tomo o trem para Berkeley. Seu último beijo sabe a neblina.

Não terá sido esse o gosto de toda a nossa história?”*²

Hoje à tarde talvez eu fuja novamente - para Santa Fé!

*¹ “Música de Trabalho”, Legião Urbana (“A Tempestade”, 1996)
*² “O Arquipélago” (“O Tempo e o Vento”), Érico Veríssimo

CRiga.



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