Amanheceu com
um grito abafado, tinha algo a dizer. A manhã chuvosa ajudaria, e mais uma vez havia
o som dos pneus contra o asfalto da cidade. Não era saudade pueril, nem paixão
trazida de um sonho qualquer. E não era nem tão libertário. Talvez literário – se
tivesse tempo escreveria um capítulo daquele romance cuja ideia perambula pela
cabeça há tempos.
Queria mesmo
era enganar o dia que insistia ser comum. Havia no ar uma doce melancoliazinha,
e uma certa apreensão com o futuro – que, aliás, procurava nem dar tanta bola
pra não cair na vala comum das pessoas comuns que têm medo de futuros comuns.
O duro era
ouvir o que queria de fato dizer. A atmosfera lhe daria o eco; o ódio o necessário
e ácido tempero; e o amor a forma ideal da metáfora tradução. Nada acontecia, porém,
nada desamortecia a alma. Lembrou de uma história curiosa: passou um cachorro
preto pelo estúdio, e o rock zeppeliniano hoje sem clima foi denominado “Black
Dog” – talvez falte algo passar e lembrar os sentidos sobre como e o que
escrever. Estava mais para “The Rain Song”, mas essa já havia sido tema, várias
vezes. Música nenhuma. Só o doce barulho do asfalto molhado pela chuva.
Aliás, por
que sempre o barulho da chuva contra o asfalto? Começava achar de fato que
precisava mesmo julgar-se louco que precisa de ajuda – mas é seu próprio terapeuta,
fazendo as vezes ora no divã, ora na poltrona.
Mata o
pouco trabalho sério e tenta vencer o silêncio. Está mais inspirado. As palavras
lhe saem tão fáceis. Falta apenas ouvir. Falta apenas se reconhecer pessoa comum
à mercê.
A manhã
desaparecia aos poucos com o gosto do café. O silêncio chegava a ser pornográfico.
Quais eram os pensamentos dos vagabundos pelo ar, quais suas preocupações? Eu posso
ser também um deles. Movo a roda quase emperrada de uma repartição, mas tenho
tempo pra escrever.
Enfim,
decide de vez tapar sua boca agora sonolenta, naquela bela quarta-feira em
câmera lenta, chuvosa, primaveril. Risadas dos vagabundos à espera da torcida
pelo Big Brother que vem por aí, depois dos tristes ares de novembro. E uma
incerteza persistente sobre o 1º de janeiro.
O que tiver
de ser, que seja a base da força humana para continuar, não da humilhação; da
falta do ópio, que haja então apenas o arroz e o feijão sobre a mesa dos que
acordaram cedo sem as mesmas regalias. Será hora de recomeçar, ele esqueceu-se
como é. Mas vai aprender. Vai ser pessoa comum, talvez meio calejado e sem
tantas doces pequenices pra contar. Mas vai ser poeta decente, com um trocado
pra cerveja e a certeza de um dia melhor.
Não grite
hoje, então: guarda teu espírito pra velha noite de luar. E diga aos filhos que
tudo é melhor assim – a macia voz da certeza aconselhando livros e canções, e o
beijo nos lábios sorridentes de um amor que sempre fala mais alto que ele. Ninguém
vai embora. A hora de recomeçar pode ser dura, mas a gente se reencontra. A gente
se encontra quando dá voz à alma, seja ela regada pela chuva, seja ela
necessariamente dura feito pedra – preciosa!
Ademais, o
sol já vem saindo, e a chuva indo embora. E o futuro é agora, a hora que a
gente decidir.
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