Descobriram tarde:
Noêmia
era mulher de
um homem só.
Se morreu
trancada, tranquila
quimicamente tranquilizada,
descobriu
cedo a chance de estar ao lado
do seu grande
amor novamente.
O médico sugava
seu dinheiro,
e o psicólogo
só queria comê-la.
Todos queriam,
e ela dava,
pra ela tanto
fazia
cheia
ou vazia:
ninguém
preenchia o seu coração.
A última
pílula foi abençoada
pela garrafa
de vinho tinto intacta
presente do
amigo Deise
de dois anos
atrás:
“como Oscar
gostava de vinho...”
Bebeu a
garrafa inteira.
E ela caiu. A
garrafa caiu.
Os cacos
cortaram seus pés
e as janelas
se abriram com o vento,
tempestade no
apartamento.
A chuva
encharcou o velho tapete
e um raio
estalou entre seus olhos.
E Noêmia
simplesmente nada sentiu.
Nem a dor nos
pés
nem o frio pelo
corpo todo nu
nem medo da
amiga tempestade
nem castigada
pela chuva colega de esquina
nem cega, nem
viva, nem torta.
Nem assim tão
morta...
A porta se
abriu dois dias depois,
arrombada:
foto de Oscar
colada ao peito
olhos estalados
e um sorriso leve.
Descobriram
tarde que Noêmia
que dava pra
todo mundo
e que gargalhava
feito trovão nos bares
e que roubava
os corações dos homens,
era mulher
de um homem
só.
Noêmia,
a boêmia do
Bom Retiro.
CRiga.
(Caderno
Azul - 2000)