sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Tapete de Deus


Todos os homens a chamavam de complicada. Ela não se julgava assim, e até queria entender porque os homens achavam isso dela. Será que uma mulher de mais de trinta, com um filho de seis anos de idade, do casamento de cinco anos que não deu certo, tinha alguma coisa a ver? Não que o filho fosse “revoltado, sei lá”, ou até não compreendesse que a mãe podia achar outra pessoa p’ra ser feliz, afinal, por muitas vezes xeretando atrás da porta a viu chorar de sofrimento, e uma criança sabe quando a mãe chora de sofrimento. Daquelas vezes que ela aparecia com “novos amigos” em casa, ela tinha um sorriso daqueles que há tempos não se via. Não era bom ver a mamãe sorrir? Até ficar com a Helena, a vizinha amiga da mamãe, valia a pena para ele. E para Helena também, que adorava o garoto.

Então por que todos os homens a chamavam de complicada? Não tinham sido tantos assim depois do casamento, três sérios, apenas. Gérson, o primeiro, cansou daquele “seu jeito frio”, “não liga, não dá notícia”. Depois, com o Luiz, tentou ser diferente. Ligava no celular pra dizer que sentia saudades, e até o sexo já rolava com mais naturalidade. Só que Luiz era “do mundo”, como disse na ocasião em que terminou o relacionamento, ele gostava de sair com amigos e amigas, ir a shows de rock, puxar um baseado, “não me leve a sério, ainda mais você, vivida, com um filho. Não vai dar certo, foi legal”. Ela já tinha provado tudo isso, e mesmo que não procurasse desesperadamente um namorado, queria um cara que fosse um pouquinho, “só um pouquinho”, caseiro. “É pedir muito, meu Deus?”.

Não, não era. Gabriel, o terceiro, era um cara divertido, gostava de ir a teatro, cinema, boas festas, e gostava de almoço aos domingos em casa. Era inteligente, micro-empresário – dono de uma sex shop – e sensualíssimo. Adorava o filho dela, brincava, conversava de tudo. “Perfeito”. Poderia ser só dela, se não descobrisse mais tarde que o cara era bissexual... “Não dá, não dá! Esquece!”

Começou a pensar que o problema estava com ela. Ligou pro ex-marido pra pedir conselho. “Porra, você me acha complicada também?” Não, não achava. “O que há de errado, por que então nosso amor acabou, você casou de novo, é feliz, e eu tô na merda?” O ex não soube responder, e também nem podia, já que a esposa atual já xingava do outro lado do sofá. “Preciso desligar”.

Aquela hora seu filho dormia, no tapete da sala, depois de assistir a uma fita de desenho animado. Dormia no tapete, estirado, feito um deus grego que esquecera de crescer. “Este, sim, é um homem de verdade! Dorme no tapete, enquanto a mãe nem na cama consegue dormir”. Deitou-se ao lado dele, abraçou-o com carinho, e recostou a cabeça no canto da almofada em que o garoto dormia. “Você não ia me levar p’ra casa da Helena, mamãe?” “Hoje não, meu amor, não vale a pena sair... Vamos dormir, e amanhã a gente vai ao cinema”.

Dormiram juntos, no tapete, naquela noite de verão. Muitas daquelas noites foi à caça de um homem, buscando aprender mais. Naquela noite resolveu dormir no tapete, com o pequeno grande homem, o único, que a compreendia. Dormiu como há tempos não dormia.


CRiga.


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