segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

“Amor, traz a toalha?...”


Marcos não viria vê-la aquela noite. Iria beber com os amigos, em plena quarta-feira. Ela ficou possessa da vida, “como, me deixar sozinha em casa numa noite chuvosa como essa? Filho da puta! Filho da puta!”. Estava cansada, brigou com o chefe, pegou ônibus lotado, quebrou, tomou chuva, só queria uma massagem. “Egoísta, os homens são todos egoístas! Nós, mulheres, que sofremos! Por que tem de ser assim?”

Desabou no sofá macio, pegou o controle remoto sobre a mesa de centro, e ligou a tevê. “Novela?... Que porre...” Mas resolveu encarar aquela trama idiota de novela das sete, afinal, há quanto tempo não assistia a uma novela inofensiva?

Dois minutos depois, xingava a personagem que acreditava na desculpa do galã, que, pouco antes, beijava a melhor amiga dela. “Será que Marcos me trairia com minha melhor amiga?” Lembrou que não tinha mais melhor amiga, pois, por cinco anos namorando o Marcos, abdicara-se de algumas amizades, tudo em nome do amor.

“Como é fácil para o homem se relacionar com outros... Tão simples...” Pensava consigo, para eles, os homens, não precisam nem de muito laço de amizade pra sair numa quarta-feira pra beber. Devem falar assuntos de trabalho – como fulano é chato, ciclano pega no meu pé, seu relatório foi do caralho, você vai ser promovido, como a secretária do chefe é gostosa e ainda deu bola pra mim. “Ah, Marcos, você que ouse!”

Como não queria ficar encasquetando minhocas na cabeça, resolveu prestar mais atenção na novela pra esquecer. “Precisava mostrar os dois na cama nas cenas do próximo capítulo? Justo hoje que estou sozinha?”.  Desligou a TV e foi tomar um banho quente.

Como Marcos dessa vez não estava ali, não esqueceu de levar a toalha. Sempre enquanto ela tomava banho depois de chegar do trabalho, Marcos ficava estirado na cama, conversando com ela, aos berros, de vez em quando, pois o barulho do chuveiro era forte. Ela sempre esquecia, mas de propósito, a toalha em cima da cama. “Amor, traz a toalha?” Este era o código para “Amor, vamos transar?” Quando os dois discutiam, e ela ia puta da vida para o banho, fazia questão de levar a toalha, como que quisesse já avisar: “Hoje, sem chance, seu canalha!” O pior é que ele também não estava nem aí. “Não vai falar nada, não, seu Marcos?” No final, era sempre ela quem tinha que procurá-lo. “Taurino é foda!”.

Secou-se rápido, afinal não queria ter que correr ao telefone, molhando todo o carpete do quarto. “Que besteira, Marcos nem deve ligar hoje...” Geralmente, depois do banho, botava só uma camiseta larga e longa, ficava à vontade, ia ao microondas com Marcos e preparava algo rápido para dois comerem juntos. Àquela noite estava sem fome, e botara, além da camiseta, uma bermuda. “Vou botar uma calça”, pois resolveu que também iria pela cidade, beber alguma coisa. “Com quem? Porra, não tenho ninguém pra chamar. Mas o Marcos tem, filho da puta!”

Ficou revoltada, de repente. “Canalha, sai pra beber com qualquer um, ou qualquer uma, e me deixa sozinha sozinha... O que você me fez comigo, Marcos?! Quem você pensa que é?”

Foi à estante e sacou uma garrafa de vinho tinto e seco, que Marcos trouxera do supermercado no domingo. Depois de ter travado uma batalha homérica com a rolha (“como Marcos consegue abrir garrafas de vinho com tanta facilidade?”), pegou uma taça (há quanto tempo não pegava apenas “uma” taça) e olhou o brilho do cristal. “Foda-se, vou beber no gargalo mesmo”.

Bebeu meia garrafa, sentada à beira da cama, ouvindo Janis Joplin (há quanto tempo não ouvia Janis Joplin, só porque Marcos “odiava”). Já meio embriagada, uma lágrima rolou pelo seu rosto (há quanto tempo não chorava sozinha?). “Marcos, está tudo acabado entre nós!”

O resto da garrafa de vinho resolveu beber sentada na calçada, em frente ao apartamento. Começou a chover novamente, e ela continuava sentada na calçada, bebendo no gargalo, chorando de vez em quando, e cantando a Janis Joplin, que ela adorava, e Marcos odiava: “You know that I need a man, but when I ask you to just tell me that may be you can...”*

Garrafa de vinho seco totalmente seca. Ela, totalmente embriagada, sozinha, seca, sentada na calçada. Junto com o vinho, o repertório também acabara, e tudo parecia ter cessado, menos a chuva, que caía incessantemente. “Marcos não me ama mais...”

Quando Marcos despontou na esquina, com seu Uno verde, modelo “sei lá, não me lembro”, ela chorou mais, soluçava, não sabia mais o que fazer. “O que você está fazendo aqui nessa chuva, meu amor?” Era meia-noite. “Você não me ama mais, você não me ama mais....”, ela dizia.

Ela mal conseguia falar, e Marcos a tomou nos braços – braços nos quais tantas vezes ela dormiu, braços fortes, abrigo, braços de homem, amigo, amante, braços do eternamente. “Vamos para dentro, está chovendo, o que está acontecendo?” Marcos nem teve a chance de deixar a garrafa vazia junto à lixeira, porque ela escorregara pela mão dela e fez-se mil cacos numa calçada da Vila Mariana. “Você não me ama mais...”, ela dizia.

Marcos não a desabou no sofá, mas a deixou como jóia demais preciosa só precisando de polimento. “Marcos, você não me ama mais?” Ele não entendia. “Vou fazer um café pra você, meu amor...”

No entanto, ela só queria saber. “Marcos, você não me ama mais?”. Ele respondeu: “É claro que amo, meu amor... Por isso estou aqui...” Ela chorava como nunca chorara em sua vida. “Marcos, Marcos...” Ele estava assustado. “Estou aqui, meu amor, espere só um pouquinho, vou pegar um café...”

As lágrimas dela, então, resolveram cessar. “Não quero café, meu amor... Só quero a toalha... Amor, traz a toalha?...”

* “Move Over”, Janis Joplin


CRiga.


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