quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O sorriso da paz


Naquela noite, a última que te vi, você me chamou à mesa, mais uma vez, pra te acompanhar no vinho tinto e seco. E você sabia, sempre soube, que eu detestava vinho seco! Preferi continuar calada, amando você do meu jeito.

Você tentou arrancar-me um sorriso com mais uma daquelas doces e marotas mentiras, mentiras bobas. E você sabia, sempre soube, que eu detestava mentiras! Preferi continuar calada, amando você, do jeito que você pensava me amar.

Naquela noite, mesmo puta da vida com você, te beijei tão intensa e eternamente como se fosse a primeira ou a última vez que beijava os teus lábios, com sabor de vinho seco e de doces mentiras. E eu sempre soube que te amei demais, desde o primeiro até o último momento que vi você.

Naquela noite, a última que te vi, você saiu com um doce “até amanhã”. Mais uma doce e marota mentira dos teus lábios, com gosto de vinho tinto e seco.

Naquela noite, a última que tuas mãos tocaram meu corpo e me dirigiram aos céus, você pegou firme no volante, saiu com o carro, e um caminhão na contramão não gostou da sua mentira boba, e dirigiu você aos céus, longe de mim. E, antes de você sair, eu vi o sorriso da paz nos lábios que beijei tão intensa e eternamente. E foi bom, mas estranho.

Depois daquela noite, meu amor, passei a amar mais ainda você.

Passei a beber e a gostar do vinho tinto e seco. Eu, que detestava vinho seco, bebia só pra me lembrar de você.

Quando me perguntavam se eu estava bem, passei a dizer que sim, mentindo. Eu que detestava mentira, mentia mesmo sabendo a falta que você ainda me faz.

Eu não sabia que aquela noite era a última que veria e teria você tão perto de mim, me amando no sofá como se fosse a primeira vez, me dirigindo aos céus que eu conhecia tão bem contigo. Agora, já não conheço mais. Se soubesse que aquela noite era a última que veria você, meu amor, trataria de beber o vinho seco (como se sempre gostasse de vinho seco), rir das tuas doces mentiras (como se não me importasse mais com elas), e trataria de não me calar por orgulho bobo, pra dizer que te amava mais do que nunca, sem me preocupar com o amanhã.

A última vez que vi você, te amei demais, pra sempre, só naquele sorriso da paz, me sorrindo de dentro do carro como que sorrisse dizendo adeus. Se eu soubesse que seria assim, meu amor, teria feito tudo o que não fiz, inclusive dizer que te amava, e que ainda restava tempo pro caminhão não cruzar o teu caminho, restava então um gole na garrafa do vinho seco pra você ficar.

Mas você não ficou. E o resto da minha vida, o resto do vinho, o tempo simplesmente secou.

CRiga.

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