Tinha um menino que todo dia esperava o pai
chegar da fábrica, cinco da tarde, a fumaça cinza aos poucos dando lugar ao
fim-de-tarde na vila operária. Ele trazia balas. O pai sempre trazia balas. E o
menino gostava daquelas balinhas de botequim, mas gostava muito mais quando o
pai aparecia na esquina, e o menino saía correndo pela calçada ao seu encontro,
bracinhos e brações abertos. Aquele cheiro de tabaco, o macacão cinza da
fábrica, as mãos quentes, grossas. Um passeio de mãos dadas de volta pra casa,
contando o que se fizera naquele dia. Aquele jeitão, sorriso cansado - mas
sorriso de ouro pro filho. E as balas, sempre balas.
Um dia o menino não esperaria mais, o pai já
sabia. Um dia ele estava na esquina, conversando com uma menina sem mãe nem
pai, morava de favor na casa de tios distantes. O pai foi levar balas, a menina
aceitou, e o menino amarrou a cara com vergonha. Não faz mais isso! Eu nem
gosto dessas balas de botequim! Não quero que ela te veja assim, com essa roupa
de operário, sujo, cheirando a...! O pai entendeu que a espera agora era só questão
de hormônios. Não mais trouxe balas.
Quando chegava todo dia, agora o pai parava
no portão de casa. Olhava a mesma esquina, sacava seu cachimbo, olhava o filho
e a menina sumindo, se perdendo. Só olhava, não falava. Ficava até o filho e a
menina sumirem da vista, e a fumaça linda da fábrica dar lugar ao fim-de-tarde
docemente melancólico.
A menina depois apareceu embuchada. A mãe entrou
em pânico, acusou, xingou. Tão cedo, um filho! Como vão criar? A vida de vocês
acabou.
O pai só espiava. O menino nada dizia. A
mãe condenava os dois pelo silêncio. O pai saía à calçada, afundava o tabaco no
cachimbo, e olhava a lua, operária, batendo cartão em seu turno.
Anos depois não se sabia o paradeiro do
menino. Cansado daquela vila cinza e histórias demais iguais, fugiu com outra
menina sem pais. A outra menina, a mãe, morreu no parto. O bebê ficou na casa
dos avós paternos, muito bem criado.
Cresceu, menino bom. E às cinco da tarde,
permanecera aquela mesma fumaça cinza aos poucos dando lugar ao fim-de-tarde na
vila. E um menino que esperava no portão de casa, todos os dias, aquelas balinhas
de botequim. “Vovô chegou! Vovô chegou!”.
Um dia vovô não chegaria mais, o menino já
percebia. Pulmões prejudicados, aposentaria indigna, tardes no portão de casa
olhando uma esquina, um nada. A vida também bate cartão. O menino tratou de
crescer.
Tinha um velhinho na cadeira velha que todo
dia esperava alguém no portão de casa. E às cinco da tarde, a fumaça linda aos
poucos dando lugar ao fim da vida. Ele via despontar na esquina um moço bom, de
macacão cinza, sorridente, orgulhoso ganhando a vida à frente - e lembrava de
alguém. O moço bom sempre trazia balas. A vó sempre maldizia, ele tem diabetes,
ele tá doente, não pode comer doce. Mais dia menos dia não haveria mais vovô no
portão esperando tanto às cinco da tarde, silencioso, de olho na esquina. O
moço bem já sabia.
Tinha um velho que todo dia esperava o moço
chegar da fábrica, cinco da tarde em ponto. Estender as mãos, e sorrir. Sorrisos
cúmplices de ouro. Uma fumaça que insistia em ser bonita dando lugar ao
fim de tarde, a lua batendo cartão em seu turno. Algo pode falhar na vida,
menos os turnos de cada um. E as balas, sempre as balas!
CRiga.
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