Os teus olhos claros lindos espelhavam, com
a alma do lado oposto, o mesmo desejo. Em vez da negação típica de quem precisa
negar - por causa dos primeiros pólos contrários, ou simplesmente porque o
certo era negar -, o consentimento: decidimos ser cúmplices do mesmo crime,
jogando as armas ao chão, baixando a guarda e, com a bela dor de amor, amar.
Foi
mais um sonho que tive.
A
manhã do inverno veio com a saudade de algo que nunca aconteceu. O
cheiro daquela chuva de madrugada ainda decorava o asfalto, belo, amarelas
luzes dos postes ainda acesas por conta do tempo escuro, na grande avenida,
reluzindo feito as noites que eu saía ao som selvagem de um rock. Ainda chovia,
não a chuva da impossibilidade, mas a chuva de uma saudade incompreensível.
Agora sim, algo que me dizia bem próximo, latente, à memória do coração. Apenas
sentir a chuva brilhando no asfalto. E um rock no rádio do carro.
Nos flashes das luzes amarelas, em cada
curva, esquina, ela ainda me olhava, me arrancava naquela manhã um sentimento
perdido em outra dimensão. Me perdeu também. E eu sabia que aquilo, com o tempo
de um dia no máximo, daria lugar ao presente ácido. Aproveitar então a dor de
amor impossível, a ausência não sei de quem, a identidade inexistente, mas a
presença tão intensa daqueles olhos a me capturar. A me salvar, talvez,
debandando ao lado que conheço bem: o intenso, o pulso vermelho, a entrega ao
sentimento fugaz e perecível. Mas necessário.
Quem era você? Eu tenho medo. Eu sinto um
não-sei-o-quê, misto de ausência com a louca procura impossível, esquinas,
asfalto, memória do coração. Premonição... Eu não posso nem te assassinar, nem
te culpar pelo crime que cometemos. Nem te repudiar, nem maldizer teu nome. Eu
nem sei teu nome...
“Nós estamos voando alto
Nós estamos vendo o mundo passar por nós
Nunca quero descer
Nunca quero por de volta meus pés no chão”*
Só o asfalto canta. Só meu coração lateja
uma amargura típica de quem está perdido neste dia de sol sem chuva. Preferiria
meus pés molhados ao sol sorrindo irônico. Nós não somos humanos, e me incluo
nessa inexistência. Somos alma do tempo. Só o asfalto canta. Eu preciso chorar.
As lágrimas secaram. Com a chuva. Ácida. No asfalto.
* “Never Let Me Down Again”, Depeche Mode (Music for the Masses, 1987)
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