Só
te chamei pra perguntar se é só eu quem sofre essa dor de desencontro. Se é sou
eu quem sente esses sinais do tempo, nos sonhos, quando a gente se encontra e
acorda triste, feito coração partido pela metade. Se só sou eu quem se sente
boiando num céu azul de missões, feito enfeite pendurado no teto, de lá pra cá,
à mercê dos ventos que entram pelas nossas janelas abertas. Por favor, fique e
me diga que não sou eu apenas quem espera um dia, nesta vida ou não, estar ao
lado da alma dos tempos imemoriais.
Sim,
isto tudo parece loucura, é muito mais poesia romântica que sensatez, tudo bem:
não precisa se sentir sem jeito por atender ao chamado de alguém que você não
via há tempos, alguém que não consegue deixar-te apenas sobrevivente. Não me
olhe assim, com esse rosto de quem quer condenar Nero à própria fogueira, e
fugir deixando para trás as cinzas que também são suas. Eu sei que você se
disfarça como eu, à espera, à espreita, de longe, não quero nem te desviar de
qualquer caminho que te faça segura sobrevivente, apenas quero uma resposta que
nos conforte por ora, o resto de nossas vidas.
Eu
só quero saber se você também sente um coração nublado de vez em quando, quando
você acorda, uma vontade de uma lágrima apenas no canto do rosto gelado pra
lamentar essa ausência de você mesmo. Só quero saber se você também carrega
consigo estas mesmas saudades do que nunca foi, mas com rostos e almas tornadas
penduricalhos brilhantes naquele teto azul de um deus sozinho lá em cima,
brincando de missões.
Se
você não quiser responder, tudo bem... Vamos voltar à vida de sobreviventes com
sorrisos e afetos fáceis e outros sinceros também, de luta intensa no silêncio
descomunal e confortante de deuses solitários, perambulando por aí de jeans,
tênis e óculos de aros pretos, procurando sentido nas fáceis multidões. Vamos
voltar aos nossos tetos reais sem penduricalhos, sonos pesados de cansaço,
sonhos de veludo, manhãs de cheiro de asfalto molhado e luzes amarelas
refletidas no chão dando o tom de desencanto pelo resto do dia. Pelo resto da
vida.
Vamos
enfim lamentar este encontro ou apenas beber ao reencontro cômico regado a
fantasias sinceras. E vamos rir disso tudo então, dizer como seria se você
tivesse voltado a passar naquela minha rua, como seria se eu tivesse dado a
resposta sincera e não aquela defensivinha de garoto bobo. Comemorar como a
vida é louca, esse vaivém de gente que nos invade e que parte sem dizer adeus.
A
gente então pode rir alto feito gente feliz, e não precisamos nem mais tocar
nesse assunto tão amargo e perigoso. Forçando a hora de ir embora, vamos olhar
nos relógios procurando muros, trincheiras e saídas de emergência nos
ponteiros. Vamos fugir dessa situação embaraçosa e caótica de falar sobre
coisas e tempos que precisam ser descoisadas e arrancadas do DNA das horas.
Vamos fingir olhares apressados mas saudosos, firmes na despedida. Vamos nos
despedir apenas com um tchau, foi legal, enfim...
Ou
vamos talhar com o punhal seco dos tempos a ferida, olhares molhados, bocas
trêmulas e mãos dadas sobre a mesa do bar vazio. Vamos escancarar essa doideira
de sentir saudades do que nunca foi, mas deveria ter sido não fossem os ventos
na janela sempre aberta daquele aventureiro deus onipresente. Vamos amaldiçoar
os desencontros e admitir que não estamos mais prontos pra reconstruir passados
que não passaram. Vamos apenas pôr na mesa essa intensidade de nos sentir almas
tão ligadas no tempo, que se encontram de quando em vez nos sonhos, em outra
dimensão. Vamos fazer um pacto sem prazos nem condições – apenas de confiança
em planos divinos e seus penduricalhos brilhantes que só precisam de polimento.
Vamos chorar de verdade. Vamos chorar a verdade. Vamos esquecer da verdade.
E
vamos embora, enfim, apenas demarcando território: eu sou seu, você é minha e
ponto final, os desencontros a gente resolve depois. Um brinde, meu amor, um
brinde aos nossos desencontros necessários à sobrevivência da poesia e dos
doces barulhinhos que fazem os penduricalhos do teto de deus, quando bate um
vento de saudades e eles se esbarram no seu céu azulzinho de missões.
Adeus,
meu amor, até mais, até o próximo vento de janelas abertas. Até o teto azul
finalmente nos soltar e cairmos ex-penduricalhos, mas de pé, sem mais
necessidade de polimento e de desencontros. Apenas nós, um encontro marcado,
sem segredos, e uma casa com penduricalhos de anjinhos à porta. E aquele doce
barulhinho à leve brisa, na varanda, aos finais das tardes que finalmente serão
nossas.
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