quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Insepultos

 

Somos culpados por esse gosto de vinho seco
que morre na boca sem o beijo.

A sensação do fogo contido
do erro, do engano fingido,
do gaguejar, do quase chorar num corredor qualquer
da vaga memória do coração partido.

Tua foto de óculos pra disfarçar o passado
e minha foto sem espírito, com sorriso universitário...
Cicatrizes que teimam sangrar marcando passos.

Somos condenados
por esse morto enterrado em cova rasa,
sem justiça, sem defesa.
Jaz na terra um aro preto já quebrado.
Jaz na lápide um sorriso triste desbotado.

Tempos assim de triste outono,
da terra fofa nascem as letras cinzas,
plásticas flores que a gente sempre rega.
Então ao pé da cova a gente para e reza
queimando as testas nos tocos de vela.

O sangue e o vinho se misturam na lama
depois de a chuva densa encerrar a tarde.
É a hora de apagar as letras e podar as flores,
apagar as velas e podar as dores
fugir às pressas e chorar baixinho.

Pois somos apenas os culpados
por esse gosto de passado insepulto
gosto seco
feito o beijo que a gente não deu...

CRiga.


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