Daqueles olhos que me
perseguiam sóbrios, mas com sombras escondendo intenções, poderia revelar-se o
fogo da insensatez. Entre o decote da moça comportada de escritório, entre a
carne que queria sair para fora, peito aberto peito valente... eu queria ser da
gente aventureira!
Era só incêndio, regado à lírica
de prosa e poesia. Havia monstros, mas estes dormiam filhos de um deus que não
queria fazer mal. A cama jazia em algum lugar, a boca também, os olhos também,
a carne das mãos contidas subindo a nuca num abraço de amizade sempre nova...
eu queria a prova, provar teu beijo vinho de batom vermelho!
Havia talvez cumplicidade
incomunicável, transas, beijos, pura embriagues. Tudo nas cabeças decepadas,
emprestadas à moral e aos bons costumes. Havia a camisa de seda leve, sentir as
costas de mulher naquele mesmo abraço entre amigos. Havia o signo, a troca de
textos via net, olha só, vê o que cê acha, me diz com sinceridade... eu queria
a verdade, mas a verdade talvez não tivesse tanta poesia.
Melhor assim, essa
cumplicidade sem jeito, esse silêncio de lábios, essa riqueza de gestos, esse
tempo de a gente fugir da gente mesmo. Melhor assim, contas pagas, despesas
rachadas, uma liquidação de supermercado. E quem sabe um texto novo, um conto
redescoberto de Caio Fernando... eu queria tanto, eu não posso nada.
Quem sabe distância segura
(e o que é seguro no escuro do desejo?), a chuva, a cerveja que você não
toma... Quem sabe a certeza de que nunca nada será, e de que vale muito mais os
mistérios os olhares conspirando revoluções a partir de nossas camas,
inspirando os porres na solidão louca dos nossos deuses calados, alados, bem
falados nas rodas das retinas das lentes artificiais, nas nossas sociedades
virtuais. Nada de poetas mortos, nem de anjos tortos – só nós, discretos,
sujos, imundos pecadores, amargos conspiradores, personagens de um conto
cansado do fim dos anos setenta. Depois, só pegar o ônibus na manhã seguinte
conversando sobre amenidades, comportados indo ao trabalho que paga aquela merda
de salário, que consome toda nossa juventude, criatividade e necessária
selvageria urbana... eu queria, ah como eu queria...
Me faltam caneta e papel,
me faltam um céu e um inferno convincente. Sou indecente, só que você não sabe,
ou não quer saber porque também é. Me falta a falta que você não me faz, sou
corpo, apenas corpo, o resto de mim está escrito numa garrafa perdida por aí,
quem sabe entre o seu decote... quem sabe um dia irei buscar...
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