terça-feira, 13 de novembro de 2018

Casa na árvore


Calhou que era sexta-feira 13, e os quatro amigos se encontrariam à noite na casa de árvore. Brincadeira macabra, mas bem propícia ao encontro naquela data – ouija, à luz de uma única vela. Ou o “jogo do copo que anda”, como diziam os mais antigos. Pela falta de um tabuleiro original, foram mesmo na onda dos mais velhos – papeizinhos recortados com as letras rabiscadas a Bic, um “Sim” e um “Não” e um copo americano sujo de guaraná.

Pelos dedos de um dos garotos o copo andou. Depois de anotadas as mensagens do tal espírito, ficou marcado que a brincadeira continuaria às seis da manhã do sábado 14, mas cada um à beira de um edifício no centro da cidade. Um passo à frente ao precipício e eles virariam a notícia que explodiria em espanto e morbidez – “Suicídio coletivo de adolescentes choca o País”. Algo bem mais vistoso que aquele caso de outro garoto que se matara um ano antes também dando um passo ao nada, do topo de um edifício, num sábado de sol. E ninguém nunca soube por que.

Depois do “jogo”, cada um fez seu juramento ante o toco da vela, a juíza que selou aquele pacto estranho. Reviram locais e horários, e cada um foi para sua casa matutando pensamentos. Entre os 13 e 14 anos de idade, quase todos pensam de forma semelhante. Mas o sábado já estava próximo demais – o que rolava na cabeça de cada um daqueles garotos?

O primeiro, o que comandou o copo no joguinho macabro de sexta, estava em seu posto no dia e hora marcados. Olhou para o topo dos outros edifícios procurando os amigos, não via ninguém – e pela distância nem daria mesmo para ver. Trêmulo, deixou escapar lágrimas de um medo juvenil, de uma cabeça confusa com brincadeiras, pactos e notícias de jornal. À beira do precipício só tinha que dar mais um passo. Hesitou. Explodiu num choro convulsivo. Virou as costas e correu de volta, menino assustado, talvez para cama dos pais ainda dormindo, talvez para o cemitério visitar um certo amigo seu.

O segundo chegou com o velho skate a tira colo. Olhou o brilho do sol daquele sábado, lembrou da brincadeira de sexta e tinha certeza que encontraria os amigos na pista do parque municipal. Deu um sorrisinho de cumplicidade, meia volta e foi embora curtir o half pipe com um hip hop no fone de ouvido. Ali em cima, de vontade, apenas a de nunca mais fazer promessas impossíveis de se cumprir. Não esquentou e para sempre foi feliz.

O terceiro nunca ia bem com horários, e como todo o adolescente a preguiça de levantar da cama falou mais alto. Acordou depois das 8 da manhã, olhou o relógio e nem se preocupou: virou o corpo para revezar o sono de outro lado na cama. Acordaria com o grito ao portão de casa e a mãe batendo na porta – “tem um amigo seu te chamando pro parque!” Levantou com cara enrugada e perguntou ao amigo sobre o pacto de sexta. “Da brincadeira? Sei lá! O copo andou empurrado pelo dedo, acreditou que foi espírito? Ora!” Ele confiou e também foi ser feliz.

O quarto garoto... Bem, a história deste era mais triste. Preso ao copo americano na casa de árvore, nunca convenceria seus amigos a brincar com ele num sábado de sol.

CRiga.


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